GYSELLE SOARES
DIVULGAÇÃO/TIBERIO HELIO
Gyselle Soares durante apresentação de Uma Escrava Chamada Esperança; ex-BBB criticada
Gyselle Soares, vice-campeã do Big Brother Brasil 8, virou alvo de críticas nesta semana. A atriz estreou a peça Uma Escrava Chamada Esperança em um teatro de Teresina, no Piauí, na terça (12). Na montagem, ela dá vida a Esperança Garcia, mulher escravizada que se tornou a primeira advogada piauiense. O espetáculo entrou em cartaz sob protestos de ativistas que apontam que a artista é branca. "Eu me sinto negra", rebate a ex-BBB.
"Na arte, eu posso ser todas as cores. Mas me considero negra. Eles [manifestantes] estão dizendo que embranqueci a Esperança Garcia. Mas o texto da peça fala de levar amor e esperança sobre uma pessoa que nos motiva, que é uma heroína. Falamos de igualdade e inclusão", defende Gyselle em entrevista ao Notícias da TV.
Na noite de terça, integrantes do movimento negro realizaram um protesto em frente ao teatro. Com cartazes e apitos, um grupo da Rede de Mulheres Negras do Piauí apontou que o espetáculo desrespeitou a história ao embranquecer uma personagem importante para a cultura brasileira. A também apresentadora subiu no palco enquanto o ato acontecia do lado de fora.
"Eu estou bem. Só fico triste porque não quero magoar ninguém. Só quero levar a voz de esperança dessa mulher guerreira. Não quero me apropriar de nada. Como atriz, eu posso fazer vários personagens e não tenho cor. Mas na minha vida e no meu cotidiano, me considero negra", argumenta.
"Quero levar adiante essa mulher para que ela não fique no esquecimento. Esta é uma peça para se unir, ter empatia e fazer as pessoas se amarem sem importar a cor. Fico feliz de ter sido escolhida para fazer essa proposta tão importante", continua.
Natural de Nazaré do Piauí, Esperança foi uma mulher negra escravizada e reconhecida em 2017 pela Ordem dos Advogados do Brasil como a primeira advogada piauiense. Em 1770, ela escreveu uma petição ao governador da capitania denunciando os maus-tratos que ela, seus filhos e suas companheiras passavam. No documento, ela pedia providências. Por isso, se tornou um símbolo da resistência negra no Brasil.
Convidada para integrar a montagem, a ex-BBB se sentiu honrada por encarnar Esperança. Ela admite que ser alvo de críticas --além do protesto, ela encarou haters nas redes sociais--, a assustou, mas não intimidou sua arte. "Achei positiva essa forma de debate. Todo mundo tem o direito de dizer o que pensa. Fiquei assustada e com medo, mas é a opinião deles. Só estamos contando uma história bonita: a nossa miscigenação", analisa.
"Interpretar Esperança é uma honra porque passei por preconceitos no meu trabalho sendo nordestina. Na época que participei do reality show e depois, sofri muito preconceito por ter sotaque para alguns papéis. Por isso fui fazer carreira fora [ela morou na França]. Agora, voltando ao Brasil, eu não esperava passar por esse preconceito", lamenta.
reprodução/instituto esperança garcia
Ilustrações de Esperança Garcia
Valdsom Braga, diretor da peça, adianta que não pretende tirar a ex-BBB do elenco. Ele, inclusive, faz planos de viajar com o espetáculo Brasil afora. "Vou manter a Gyselle porque compreendo que, como artista, tenho liberdade poética. Queremos seguir [em turnê] porque essa discussão é válida. Precisamos dar voz para qualquer pessoa quando o assunto é preconceito", justifica.
Ele conta que, há três anos, fez a mesma produção com uma artista negra e não recebeu apoio de quem hoje o critica. Agora, após as queixas, procurou os representantes do movimento para uma conversa, mas não obteve retorno. "Eu me encontrei num espaço sem liberdade de me explicar, porque eles defendem que uma pessoa não pode falar de uma questão porque não sentiu na pele o racismo", explica.
"Na minha opinião, como artista, creio que o direito de fala está naquele que defende uma causa. O Brasil é democrático ou é opressor? O que aconteceu? Ao final da nossa estreia, vi a plateia de pé e aplaudindo. Aquilo foi o melhor presente. Se eu tivesse uma resposta negativa, automaticamente, pediria sugestão para adaptar o espetáculo e fazê-lo diferente", declara.
reprodução/tv globo
Protesto no Theatro 4 de Setembro
Assunção Aguiar, integrante da Rede de Mulheres Negras do Piauí, ressalta que o protesto foi em defesa do legado de Esperança, e não um ataque pessoal contra a vice-campeã do BBB8. "Essa advogada é um ícone para nós, uma heroína que nós levamos para as escolas e praças públicas. Num período em que estamos nos aproximando do mês da Consciência Negra, surge essa peça com uma Esperança embranquecida?", questiona.
"Não é contra a Gyselle. Nosso protesto é contra o apagamento da história de uma mulher negra. Se há uma peça que a representa, o ideal é que essa montagem possa trazer a história contada por uma artista negra. Nossa Esperança é negra, não é branca", pontua.
Ao saber que a ex-BBB se apresenta como mulher negra, a ativista explica que a discussão também não é sobre as definições pessoais da atriz de 37 anos. "Em todos os espaços, a Gyselle será uma mulher de pele branca. Ela passa por branca em qualquer lugar. Isso não significa que ela não tenha raízes negras. O que estamos falando é que eu, na condição da minha pretitude, não passo hora nenhuma por uma mulher branca, porque a minha pele é preta", explana.
"Quanto mais preta é a cor da pele, mais racismo nós sofremos. Gyselle pode se sentir [negra], mas quem sofre discriminação somos nós. É isso que queríamos que todos entendessem. Ela não está errada em se sentir [negra]. Agora, quem de fato vivencia a dor e a delícia de ser uma mulher preta somos nós, as mulheres retintas", lamenta.
"Sabemos que é um debate difícil de ser compreendido. As pessoas dizem: 'Minha bisavó era negra'. Ótimo. Mas você passou por um processo de embranquecimento e hoje o racismo que sofre é menor", finaliza.
Ao contrário do que alega Valdsom Braga, Assunção observa que a produção do espetáculo Uma Escrava Chamada Esperança não procurou o movimento oficialmente para debater a causa.
Veja vídeos e fotos de Gyselle Soares como Esperança Garcia:
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Confira reportagem sobre o protesto da Rede de Mulheres Negra do Piauí:
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