ABUSADOR
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Pedro (José Mayer) mantinha relacionamento abusivo com Íris (Deborah Secco) em Laços de Família (2000)
Publicado em 26/10/2020 - 6h55
Atualizado em 26/10/2020 - 14h40
Originalmente exibida em 2000, a novela Laços de Família voltou ao ar no Vale a Pena Ver de Novo neste ano. Junto com a reprise veio à tona uma problematização no comportamento de Pedro, personagem de José Mayer. O funcionário do haras de Alma (Marieta Severo) apresenta atitudes abusivas com as mulheres com quem se envolve, algo inaceitável se a trama de Manoel Carlos fosse realidade 20 anos depois.
Se fizéssemos um cálculo, com base nas considerações do que é mostrado da história de Pedro na ficção, a estimativa aponta que o personagem pegaria até 15 anos de cadeia. Ele poderia ser também condenado por agressão pela Lei Maria da Penha (nº 11.340, de 7 de agosto de 2006), com pena de um a três anos; estupro, com reclusão de seis a dez anos; e abuso moral, com detenção de um a dois anos.
Entretanto, a advogada Pamela Michelena de Marchi Gherini, sócia da consultoria de diversidade Projeto Concriar, explicou que não é possível afirmar exatamente quanto tempo ele ficaria na cadeia se a história acontecesse na vida real.
"O tempo de pena é extremamente complexo de ser determinado. Qualquer afirmação de tempo de cadeia ou condenação seria errado. Só é possível determinar quanto tempo o código penal prevê de pena", esclarece ao Notícias da TV.
A maioria das cenas do homem chucro é marcada por brigas dele com Cinthia (Helena Ranaldi), confrontos brutos com Íris (Deborah Secco) e flashbacks abusivos com Helena (Vera Fischer). A mulher que fosse vítima de tais ações do veterinário já naquela época poderia colocá-lo atrás das grades.
Pedro não só batia na prima na infância, como também a agarrava à força na cama quando eram adolescentes. Segundo a advogada, este tipo de ação cometida pelo rapaz configuraria estupro.
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Helena tenta fugir de Pedro ainda na infância
"Nesta cena, a vítima deixou claro que não queria que o ato sexual acontecesse. Mesmo assim, o agressor continuou a imobilizá-la. Em certo momento, ela para de lutar contra, e o ato se prolonga. O fato de a mulher sentir que não tem mais forças para se defender e ceder por pressão ou por não estar sendo ouvida também é estupro", explica.
O crime de estupro passou a ser visto pela Justiça brasileira de outra maneira desde que a novela foi para o ar pela primeira vez. A alteração ao Código Penal em 2009 fez com que outras condutas também fossem enquadradas como estupro, não apenas a penetração.
Com isso, o caso dos abusos cometidos por Pedro quando ainda era menor de idade seriam avaliados com base na lei do Estatuto da Criança e Adolescente (nº 8.069, de 13 de julho de 1990) --que protege os direitos das crianças e adolescentes e determina o que ocorre caso cometam atos infracionais.
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Pedro agarra Helena à força quando adolescente
"Precisamos parar de identificar estupro como só sendo aquele que ocorre em becos escuros, realizados por desconhecidos monstruosos que se utilizam de muita violência. A maior parte dos casos não acontece dessa forma", completa.
Quem se lembra da personagem Íris, que passou a vida correndo atrás do primo 20 anos mais velho? A jovem fazia tudo o que Pedro mandava e era vítima dele, que se aproveitava dos sentimentos dela para alimentar uma paixão que ele sabia que existia.
Em uma das cenas mais famosas da dupla, o abusador não se conformou com o comportamento intempestivo da garota e tentou tirar a roupa dela à força, com o intuito de proibi-la de sair.
Ele ainda esfregou um pano molhado no rosto dela para tirar a maquiagem e a colocou debaixo do chuveiro com roupa e tudo. Por fim, Pedro terminou a cena dando palmadas nela. Íris chorou de raiva e se mostrou magoada.
Em outra cena, Pedro laçou Íris como se fosse um dos animais da fazenda de sua família. Entretanto, a fúria da menina durou pouco, e os dois terminaram a novela casados.
Neste caso, a violência contra Íris se encaixa na Lei Maria da Penha. "Quando a novela foi ao ar, a Lei Maria da Penha ainda não existia, já que foi promulgada em 2006. Ela não se aplica só entre casais, sendo a violência de um primo contra uma prima, o de um pai contra a filha, o de uma tia contra a sobrinha também considerados casos que podem e devem ser processados", afirma a advogada.
O fato de os dois terem se casado, contudo, não quer dizer que Íris deveria passar a vida toda ignorando a surra que levou de Pedro. "Se reconhecer como vítima apenas anos depois (mesmo tendo se casado com o agressor, por exemplo) não exclui o crime. O que definirá se ele poderá ser processado são os prazos decadenciais e prescricionais."
A lista de crimes cometidos por Pedro aumenta quando ele conhece Cinthia, interpretada por Helena Ranaldi. Machista, o administrador do haras não se conforma com o fato de ter de obedecer a uma mulher. Além de ridicularizá-la publicamente, o que configura assédio moral, ele ainda tenta intimidá-la ao longo de toda a novela para abusar dela sexualmente.
"Apesar de o assédio moral não ser crime, ele ainda pode ser processado na esfera civil e trabalhista. Existe projeto de lei em tramitação para a criminalização de assédio moral", diz Pamela.
Em uma das cenas mais famosas dos dois, Pedro ameaçou dar uma surra na veterinária com um chicote. Ela o confrontou, e os dois começaram uma briga pesada. Porém, no fim das contas, Pedro usou sua força para pressionar Cinthia, e os dois foram para a cama.
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Pedro ameaça dar surra de chicote em Cinthia
Pamela acredita que mostrar a personagem como uma mulher apaixonada pelo jeito agressivo do homem pode causar confusão em quem assiste às cenas. Diversas pessoas, inclusive, não sabem identificar quando foram vítimas de violência por darem de cara com esse tipo de exposição na TV.
"O problema está quando atos violentos são apresentados de maneira romantizada. Quando se apresenta uma cena de estupro, por exemplo, é importante que esta não seja 'sensualizada' ou 'romantizada'. A televisão não pode contribuir para que essa confusão continue ocorrendo", argumenta.
A advogada reitera também que a cultura machista retratada em histórias da ficção ainda tem um peso muito grande, o que torna o comportamento mais difícil de ser combatido.
"A própria figura da mulher indefesa e do homem que não sabe controlar seus desejos sexuais precisa ser questionada para que esse estereótipo não continue vigente. Forçar uma mulher a ter relações sexuais não pode ser apresentado como algo provocante ou tentador", justifica.
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