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O TEMPO NÃO PARA

Mutações e bioterrorismo: Autor de Mar do Sertão previu a varíola dos macacos?

FOTOS: REPRODUÇÃO/TV GLOBO

Juliana Paiva tem os cabelos longos e volumosos e a expressão levemente chocada em cena de O Tempo Não Para

Marocas (Juliana Paiva) em O Tempo Não Para (2018), novela de Mario Teixeira abordou varíola

SABRINA CASTRO

sabrina@noticiasdatv.com

Publicado em 6/9/2022 - 6h20

Uma família de viajantes do tempo chegou ao ano de 2018 com uma versão encubada da varíola. Não havia mais vacinas disponíveis à população, e o retorno do vírus representou um perigo eminente às pessoas. Principalmente para Marocas (Juliana Paiva), mocinha do século 19 que viajou ao futuro. A novela era O Tempo Não Para (2018), escrita por Mario Teixeira, mesmo autor de Mar do Sertão. Surpreendentemente, um vírus da mesma família se espalhou pelo mundo na vida real menos de quatro anos depois.

A varíola dos macacos, também chamada de monkeypox, é uma espécie de "parente" da varíola humana, que assolou o planeta no século 19. Mas uma não é uma mutação da outra. São vírus semelhantes, com características parecidas e que causam doenças de sintomas muito similares, mas são coisas diferentes. A varíola daquela época é uma das únicas doenças totalmente erradicadas. Ela não circula em nenhum lugar do planeta, e simplesmente não há chance de ela voltar espontaneamente.

A parente creditada aos primatas, por outro lado, está na ativa desde 1958. A grande diferença é que ela estava limitada a apenas alguns países, como a República Democrática do Congo, Nigéria, Camarões e Gana. No máximo, havia casos isolados em alguns outros locais, normalmente de turistas dos países endêmicos --onde os surtos são comuns em determinados períodos do ano. Mas alguma coisa mudou de 2017 para cá, quando os tais "casos isolados" começaram a virar recorrentes.

"O que a gente precisa entender é o que aconteceu, o que fez com que o vírus fosse mais adaptado, a permanecer em novos territórios e permanecer transmissível nesses novos países. Por que agora, em 2022, o vírus foi capaz de manter uma cadeia de transmissão em países fora da África? Será que houve mutações no vírus que o permitiu ser mais agressivo em humanos? Isso só o tempo vai acabar respondendo", explica o infectologista André Palma em entrevista ao Notícias da TV.

Ainda não houve tempo de estudar os vírus profundamente, mas a hipótese mais provável perpassa por mutações do vírus. O doutor explica que, possivelmente, a "função" de infectar os seres humanos pode ter ficado mais resiliente e facilmente adaptável. Para ter um resultado concreto, porém, os geneticistas terão de isolar proteínas de múltiplos vírus, cruzar dados e passar um bom tempo observando a reprodução daqueles microrganismos.

A novela de Mario Teixeira teve um processo parecido. A cientista Petra, interpretada por Eva Wilma (1933-2021), por meio de muitas observações, conseguiu entender qual era o patógeno que atormentava a família Sabino Machado. Aliás, se o cientista observar continuamente as mutações do vírus, ele consegue prever até quando a disseminação atingirá seu ápice.

Bioterrorismo e 'ressurreição'

Se a varíola e a varíola dos macacos não são a mesma coisa, há alguma chance de a varíola voltar? De forma simplória, a resposta é não. O vírus foi declarado como erradicado pela ONU (Organização das Nações Unidas) ainda em 1980. Tanto que nem nos vacinamos mais contra a doença. É um caso completamente diferente da poliomielite, por exemplo. O vírus ainda está por aí, e basta a meta de vacinação não ser atingida para que a doença possa ressurgir. 

"Desde 2015, o Brasil não consegue atingir a meta de vacinação na população infantil, que é de 95%. Quando a gente não consegue garantir essa meta, certamente a gente deixa uma parte da população suscetível. Se o vírus entra no território nacional e a pessoa não está protegida, ela pode sim ter a doença, por isso a disponibilidade de vacinas e as campanhas de vacinação. A gente precisa garantir uma cobertura vacinal adequada no Brasil –e fora do Brasil-- para que o problema da poliomielite não volte a ser uma realidade", detalha Palma.

A questão é que alguns centros de pesquisa no mundo guardam o código genético do vírus. E, num contexto de Guerra Fria (1947-1981), o mundo temia que a biologia fosse usada como arma. O infectologista explica como é o acesso a essa sequência.

Existe uma vigilância muito intensa de órgãos internacionais da Organização Mundial de Saúde para qualquer pessoa que queira pesquisar o vírus. Não é fácil. Várias e várias etapas, vários órgãos de segurança e biossegurança precisam autorizar. Então existem os freios e os mecanismos legais para garantir a proteção da humanidade com relação a isso. Mas a maldade humana extrapola qualquer coisa.

Como saber se estou com a doença?

Se há poucas chances da varíola humana voltar, a varíola dos macacos está por toda parte. É preciso evitar o contato direto com outras pessoas, por meio da pele ou secreções. Sintomas inespecíficos, como febre, dor no corpo, calafrios, náusea, vômitos e dor de cabeça também devem ser investigados. O primeiro estágio evolutivo da doença também é caracterizado por esses sintomas, assim como várias infecções.

Só depois disso que o paciente passa a apresentar as lesões características, que podem ser na pele ou nas mucosas (seja a oral, anal ou genital). Além disso, essas lesões seguem um padrão: "Primeiro, é uma mancha vermelha; depois, ela evolui como uma vesícula, que é uma lesão como se fosse uma bolha pequenininha. Ai vira uma pústula, que é uma lesão com uma bolha, mas com uma secreção mais amarelada. Por fim, ela se torna uma crosta, que é uma casquinha", destrincha o infectologista.

Durante todo esse período, o paciente é transmissor --inclusive na fase da "casquinha". Por isso, ele precisa ficar em isolamento desde a simples suspeita até o sumiço completo das lesões. Assim como Marocas fez no folhetim. A mocinha passou dias presa na Criotec, laboratório da novela de Mario Teixeira.

Na trama, Marocas (Juliana Paiva) ficou isolada para evitar espalhar o vírus

Na trama, Marocas ficou em isolamento

O importante é procurar um médico no primeiro sinal. Só o profissional vai conseguir avaliar as características da ferida e, se necessário, encaminhar o paciente para um teste PCR, seja nos serviços públicos ou privados. Antes do resultado, a pessoa já deve se afastar dos domiciliares --inclusive animais de estimação, que podem ser infectados-- e de pessoas com as quais tem relação sexual.

Se o resultado for positivo, deve-se tomar outra série de cuidados. "Evitar coçar as lesões, porque essas lesões como são ricas em vírus, e você pode acabar, pela coçadura, transmitindo para outros locais do corpo ou para outras pessoas; fazer uma limpeza importante do ambiente, porque o vírus pode ficar na superfície de móveis conforme o paciente transita pela casa; lembrar de não coçar os olhos, porque a gente pode acabar levando infecção para os olhos e causar graves lesões oculares", aconselha o médico.

O especialista que tratar o caso também prescreverá medicações para o controle da dor. Entre elas, remédios orais, sprays e pomadas anestésicas são os mais comuns. Também é preciso se atentar para quaisquer alterações, como febre e infecções nas lesões. Em alguns casos, especialmente dentro do grupo de risco --pacientes transplantados ou em quimioterapia, gestantes, idosos, menores de cinco anos, imunossuprimidos etc.--, a internação pode vir a ser necessária.

Enquanto isso, o mais seguro é esperar pela vacina --que, vale ressaltar, já existe. A vacina criada para a varíola também assegura proteção, em partes, para a monkeypox e para todos os outros da mesma família, os chamados orthopoxvirus. O problema é a distribuição dessas doses. Como explica André Palma, a indústria farmacêutica não é capaz de produzir em escala necessária a vacina para todos os países. Com isso, os mais ricos se beneficiam mais, e os mais pobres, menos.

A gente só vai conseguir controlar qualquer doença transmissível quando o mundo tiver acesso igualitário às vacinas. Temos vacina disponíveis, conhecemos a tecnologia, mas não temos disponibilidade para todos os países. E isso é uma discussão mais diplomática, da forma que a humanidade enxerga a própria humanidade, do que uma discussão biológica. Infelizmente, enquanto não vacinarmos outras doenças, a monkeypox tem o potencial de infectar mais e mais pessoas.

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