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AUTOESTIMA EM XEQUE

Gordo também transa: Representatividade corporal x padrão em reality de pegação

DIVULGAÇÃO/NETFLIX

Elenco do reality show Brincando com Fogo Brasil sentado um do lado do outro

Elenco de Brincando com Fogo Brasil, reality de pegação da Netflix só com pessoas magras

DÉBORA LIMA

debora@noticiasdatv.com

Publicado em 30/4/2022 - 6h45

A televisão e o streaming investem cada vez mais nos realities shows de relacionamento e pegação, que costumam fazer sucesso com o público e viralizar nas redes sociais. Mas a produção desses programas peca ao selecionar sempre o mesmo tipo de participante: pessoas magras e dentro de um padrão de beleza muitas vezes irreal.

Com raríssimas exceções, a falta de representatividade corporal pode ser vista, por exemplo, no De Férias com o Ex (MTV), Brincando com Fogo (Netflix) e no recém-lançado Túnel do Amor (Multishow/Globoplay). Até mesmo o Casamento às Cegas, reality da Netflix que deveria ignorar a aparência física na dinâmica, ainda não conta com participantes gordos no elenco.

Justamente pela predominância de pessoas dentro do padrão, a jornalista e gordoativista Genize Ribeiro prefere não acompanhar tais programas por não se ver representada ali. Ela, inclusive, aponta as problemáticas da exclusão de pessoas com outros tipos de corpos nessas atrações.

"A escolha para esse tipo de reality é totalmente pautada na gordofobia e, principalmente, na pressão estética. Nada mais é do que um reflexo social, o que nós pessoas gordas vivemos todos os dias na sociedade. Os espaços públicos não são feitos pensados para gente", critica a também palestrante.

Essa escolha de participantes é feita ignorando totalmente a nossa existência, ignorando o fato de que nós existimos, vivemos, namoramos, beijamos, transamos... Fazemos tudo, somos pessoas normais.

Genize ressalta ainda a importância de colocar na TV e no streaming pessoas gordas: "Não da forma rasa de 'preciso preencher uma cota ali', a gente precisa entender que representatividade humaniza as pessoas. Quando eu vejo dentro de um programa o meu corpo, principalmente dentro de um programa de relacionamento, eu passo a entender que aquilo também é possível para mim. Relacionamento, beijar e se envolver também é para mim".

"Não ter pessoas gordas [nos realities] impacta negativamente na autoestima. A partir do momento que eu não me vejo, eu não existo. A produção precisa escolher 20 pessoas para um programa de relacionamento e, dessas, nenhuma é gorda... Aí entendo que meu corpo não é 'namorável', não desperto interesse em outra pessoa. Começo a entender que aquilo não é para mim. Que minha existência não faz sentido naquele lugar", pontua a influenciadora.

psicanalista Gabriela Vargas também evidencia os prejuízos causados pela baixa variedade corporal: "A predominância de pessoas magras na TV e nos realities podem afetar a autoestima das pessoas fora desse padrão pela falta de representatividade. Como se somente tivesse uma maneira de existir e um corpo possível para 'ser feliz e atingir seus objetivos'. Como se somente determinado tipo de pessoa 'merecesse' amar e ser amado. O que é muito problemático, porque é irreal".

"Vivemos em uma época em que a imagem prevalece. Mais vale o que se mostra do que o que realmente se é. Então são mostrados corpos ideais, relacionamentos ideais... Mas são ideais inatingíveis, porque somos humanos e imperfeitos por natureza", afirma a profissional, que completa:

O sofrimento psíquico se dá quando se acredita que pode se atingir esse objetivo de ser magro, famoso, rico... E aí, sim, a felicidade chegará. Mas a pessoa chega em determinado objetivo e se frustra, porque achou que a autoestima iria melhorar e ficaria feliz, mas não muda. A autoestima vem de dentro, mas socialmente se faz acreditar que se conquista com determinados status, pesos, produtos...

REPRODUÇÃO/MTV

Montagem de Yasmin Alves, Gabriel Romano e Marina Gregory no De Férias com Ex

Yasmin, Gabriel e Marina no reality da MTV

Gordo ou só não tão magro?

Há ainda uma outra controvérsia quando algum participante um pouco mais fora do padrão de magreza é colocado em um reality de pegação. A pessoa rotulada como "gorda" muitas vezes só não tem um corpo tão esquelético ou definido.

"Existe uma falta de diversidade até mesmo dentro da diversidade, olha que ironia. Quando falam de diversidade de corpos e querem colocar uma pessoa gorda, sempre vai ter aquela pessoa que eu particularmente chamo de 'magra maior'. A pessoa só é um pouco maior, mas que tem todo o formato do corpo de uma pessoa magra, só um pouco expandido", compara Genize.

As pessoas tornam aquilo mais aceitável, porque, afinal de contas, não está vendo um corpo gordo, está vendo um corpo magro aumentado. Um corpo gordo tem barriga grande, pode ter barriga caída, tem o seio maior, tem dobra, um bumbum maior, tem papada... E isso as pessoas ainda não estão aceitando ver.

"É muito irônico falar isso, mas existe, sim, toda uma discriminação dentro da diversidade, dentro do movimento body positive, que tanto se fala em positividade. Mas, mesmo dentro dessa positividade toda, corpos gordos ainda são excluídos, infelizmente", evidencia a ativista.

Yasmin Alves, por exemplo, foi anunciada como "a primeira participante gorda do De Férias com o Ex", mas ela só apresentava medidas um pouco maiores do que as das outras mulheres no programa. Depois do fim da edição, a jovem ainda expôs episódios de gordofobia nos bastidores.

"A MTV fala que procura 'boas histórias', mas eu entrei como cota. Exigiram que eu não emagrecesse nem um quilo. A direção queria que eu fosse a pessoa fora do padrão, justamente para que ninguém falasse que só escolhem magros e sarados. Fiquei um mês no programa, e não colocaram nenhum ex-namorado meu. Não fui para nenhum encontro. Saí da casa apenas uma vez. Senti, sim, essa gordofobia", relatou ela em entrevista ao Universa, do UOL.

"Tenho certeza absoluta que não represento um corpo gordo dentro de um reality. Sei que não sou gorda. Mas pro De Férias eu era a 'fora do padrão'. Quando eu sai, acabei virando referência para outras meninas, mas tive até que buscar ajuda nas minhas amigas gordas para saber o que falar para essas meninas, já que eu não me enxergava nem com poder de fala naquele lugar", relembra Yasmin.

Já na edição Celebs do reality da MTV, Gabriel Romano foi criticado pela forma física. No entanto, o participante apenas não tinha um tanquinho marcado como o dos outros homens da atração. Marina Gregory também entrou no De Férias com Ex: Celebs 2 rotulada como alguém que estava fora dos padrões do programa.

Edu Viana/Multishow

Elenco do reality Túnel do Amor sentado em um sofá e em pé

Elenco do reality Túnel do Amor

Magreza é sinônimo de saúde?

"Sobre essa ideia de que magreza é sinônimo de saúde, existe um perigo enorme, porque é muito mais do que isso. Saúde é quando eu consigo me cuidar, comer, descansar, mas também me movimentar com prazer. Saúde está ligado à vida, a viver e aproveitar esse mundo. Saúde não é algo que você vê a olho nu e define, saúde envolve muitas coisas", explica o nutricionista Erick Cuzziol, especialista em comportamento alimentar.

O profissional também ressalta o papel da representatividade corporal em realities de relacionamento: "Quando coloco uma pessoa gorda na televisão, muitos temem que aquilo seja um estímulo a outros engordarem. Na verdade, uma pessoa gorda nesses programas demonstraria também algo que é considerado saúde para a OMS (Organização Mundial da Saúde), que é a sexualidade. O sexo também é saúde".

Uma mulher gorda nesse tipo de programa representaria tanta coisa para adolescentes, mulheres casadas e para tantos. Teria uma participante mandando uma mensagem, e a mídia ganharia com isso. Muitas pessoas que não se veem em lugar nenhum estariam agora querendo ver um programa.

"Todos esses padrões nos levam a acreditar que somos e estamos errados. O mais importante de tudo é que, essa beleza que está sendo colocada como correta, ela é real e acessível? É isso que tem que ser questionado. 'Ah, mas é um reality show, todos ali são reais'. É real, mas com interferências e intervenções", pontua Cuzziol.

"Precisamos entender por que se criou esse padrão e não podemos sair dele, mesmo que esteja causando inúmeros prejuízos. Justamente por ficar insistindo e tentando [se encaixar no padrão], você pode desenvolver transtornos alimentares. O mais comum a essas restrições é a compulsão alimentar. Porém, a pessoa pode desenvolver anorexia e bulimia", informa o nutricionista.

A psicanalista Gabriela Vargas também alerta sobre outros problemas que podem ser desencadeados com essa pressão estética: "Diversos tipos de transtornos alimentares, transtorno dismórfico corporal, ansiedade, depressão, autolesão e até ideação suicida".

"Se estou falando de um programa de relacionamento, estou falando de algo ligado à saúde e ao sexo. É preciso responsabilidade, e já passou da hora de entender essa responsabilidade", arremata Cuzziol.

Como mudar isso?

Genize Ribeiro diariamente mostra aos mais de 35 mil seguidores que tem no Instagram como fazer as pazes com o próprio corpo e se amar: "O caminho para desmistificar é humanizar. A partir do momento que as pessoas me enxergam para além de um corpo gordo ou um corpo magro, as coisas começam a melhorar, porque você me enxerga como uma pessoa que tem vida, trabalha, estuda, namora, casa, tem família, filho... Uma pessoa que tem uma vida comum e normal".

"Quando eu me vejo nos locais, começo a perceber que é possível, que eu também posso fazer aquilo. Essa é a importância de ter uma pessoa gorda lá, mostrar que é possível, que eu posso ser desejável e posso estar em qualquer lugar e ser quem eu quiser ser", declara a jornalista, que completa:

Quando cria-se um programa de relacionamento e só escolhem pessoas que estão dentro de um padrão de beleza vigente, que a gente conhece qual é, então a gente precisa falar sobre isso. Precisa quebrar esse estereótipo do que é uma pessoa bonita e aceitável.

A psicanalista Gabriela Vargas ainda explica como é possível mudar o cenário e ir além dos padrões estéticos: "Primeiramente, a educação. Ensinar as crianças desde cedo o quanto são únicas e que cada corpo é diferente, fortalecer a autoestima delas, trabalhar com a diversidade em casa, nas escolas... Tudo isso abre um horizonte diferente e ampliado que pode ser uma proteção em relação a essa pressão estética que vem da cultura".

"Outra forma de se blindar disso é pensar sobre quais programas faz sentido assistir, sobre quais perfis são bacanas de seguir na rede social ou quais trazem sofrimento, desconforto, deixam a pessoa mal. Com as redes sociais, cada vez mais há espaço para falar sobre essas questões, para mostrar as mais variadas formas de viver. Os influencers estão por aí e são pessoas comuns, não celebridades inalcançáveis. Nas passarelas desfilam modelos magros, gordos, brancos, pretos. Na televisão existem personagens homossexuais, heterossexuais, transexuais", valoriza a profissional.


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