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COLUNA DE MÍDIA

O bolsonarismo sustenta a Jovem Pan? A resposta é complicada.

REPRODUÇÃO/JOVEM PAN NEWS

O apresentador Emílio Surita, do Pânico, deu espaço ao presidente Jair Bolsonaro na Jovem Pan

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GUILHERME RAVACHE

ravache@proton.me

Publicado em 24/6/2022 - 6h15

A Jovem Pan é um sucesso comercial. Conforme noticiamos em primeira mão em abril, o grupo dono de rádios, site e --desde o ano passado-- uma TV aumentou mais de 30% seu faturamento, que saltou de R$ 77,8 milhões para R$ 101,6 milhões em 2021.

De maneira geral as TVs aumentaram suas receitas no ano passado, já que 2020 foi um ano de pandemia e lockdowns. Mas o caso da Jovem Pan é particularmente surpreendente, não apenas pelo forte crescimento, mas por andar na contramão do mercado. No mesmo período em que os concorrentes cortaram custos, a Jovem Pan investiu.

No ano passado, a Jovem Pan lançou sua TV, que demandou pesados investimentos. Mesmo com a compra de equipamentos e novas contratações, o lucro líquido cresceu, foi de R$ 9 milhões para R$ 15,7 milhões. Um aumento de quase 75%.

O recém lançado canal de TV também encontrou um público fiel de ideologia conservadora, o que assegurou à Jovem Pan News um crescimento surpreendente no Ibope. Atualmente, o canal ocupa a 2ª posição nas principais faixas horárias entre os noticiosos. 

A Jovem Pan recebe do governo?

A audiência pode ajudar a explicar o sucesso comercial. Mas ao se observar o perfil dos anunciantes da Jovem Pan News, fica claro que o grupo tem uma relevante parte do seu faturamento vindo de empresários bolsonaristas.

Diferentemente do que se possa imaginar, a Jovem Pan é pouco dependente de verbas do Governo Federal. Mesmo que Bolsonaro quisesse ajudar com publicidade governamental algum grupo de mídia, teria limitações.

No ano passado, o TCU (Tribunal de Contas da União), responsável por acompanhar a execução orçamentária, emitiu determinação para que o Ministério das Comunicações distribuísse as verbas publicitárias governamentais de acordo com a proporcionalidade de audiência nacional.

A medida decretou o fim do "boicote" de Bolsonaro à Globo, chamada por ele de "Globo lixo", e de quebra impediu canais com audiências muito segmentadas de receberem verbas desproporcionais ao número de pontos no Ibope. 

Mas se o governo não pode comprar volume desproporcional de publicidade em um canal, nada impede que os empresários que apoiam o presidente o façam. 

Ideologia ou marketing de oportunidade?

Um levantamento realizado entre os dias 11 e 15 de abril sobre a publicidade exibida na Jovem Pan News aponta que foram veiculadas 175 campanhas no canal. A Gocil e o Coco Bambu (com o Vasto, outro restaurante do grupo) em quatro dias representaram 14% das campanhas veiculadas. O percentual diz respeito ao número de veiculações, não à proporção dos valores pagos pelos anunciantes.

Além dos anunciantes que são declaradamente apoiadores de Bolsonaro, existem os simpatizantes do governo, mas que não revelam publicamente a relação. 

Seja como for, determinar se uma marca compra publicidade em um grupo de mídia simpatizante do governo por uma questão ideológica, de estratégia de marketing, ou ambos, é uma tarefa complicada.

O cenário se torna ainda mais complexo quando as empresas que compram mídia em veículos alinhados ao governo também vendem produtos e serviços para o governo ou têm interesses que dependem de Brasília. Até que ponto o investimento pode ser uma troca de favores é difícil determinar.

Pela dificuldade de confirmar a real motivação dos anunciantes da Jovem Pan, os nomes que constam no levantamento feito em abril sobre as campanhas publicitárias não serão divulgados, apenas seus setores de atuação e potenciais conflitos de interesses.

Jogo de interesses e benefícios

Uma fabricante de motos que veiculou duas campanhas em quatro dias do período da avaliação é um exemplo. No último ano, a montadora lançou um novo modelo de moto elétrica e tem quatro novas versões em desenvolvimento.

Em fevereiro, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) anunciou uma nova linha de crédito voltada à aquisição de equipamentos, máquinas e veículos dotados de tecnologias que contribuam com a redução de emissão de gases de efeito estufa. Entre os principais beneficiados, fabricantes de motos elétricas como o anunciante.

Chamado Finame Baixo Carbono, o programa permite financiamento de 100% do bem, no prazo de até dez anos e com carência de dois anos. Uma mão na roda para quem vende veículos elétricos.

Outra montadora, mas de caminhões, veiculou duas campanhas na Jovem Pan no período avaliado. Em 2020 o presidente da montadora elogiava Bolsonaro publicamente por encontrar méritos em seu governo. O ministro da economia, Paulo Guedes, também teria sondado o ex-presidente dessa montadora para atuar no governo. A empresa também está lançando um veículo elétrico neste ano. 

Mais coincidências

Uma federação nacional de policiais veiculou três anúncios na Jovem Pan nos dias monitorados. Os policiais representados por essa associação têm recebido uma atenção especial do presidente. Eles ainda tiveram as suas atribuições legais ampliadas pelo governo nos últimos anos. A federação em questão também pleiteia junto a Bolsonaro um aumento salarial para a categoria.

Outra associação, mas que reúne empresas de seguro saúde e reguladas pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), veiculou quatro comerciais nos quatro dias analisados.

No final de maio, a Agência Nacional de Saúde Suplementar validou um reajuste de 15,5% nos planos de saúde individuais e familiares. O aumento, aprovado na semana passada, é o maior da série histórica, iniciada em 2000. 

Um dos maiores anunciantes nos quatro dias avaliados foi um conselho federal que veiculou 11 comerciais. No início de junho, esse conselho fez uma requisição ao ministro-chefe da Casa Civil e senador Ciro Nogueira: "A interlocução junto ao presidente Jair Bolsonaro, no sentido de que sejam priorizados os estudos para atualização do decreto-lei" sobre a categoria que esse conselho representa.

Outro patrocinador do canal, com seis anúncios no período, é uma empresa financeira que já cancelou o patrocínio a um evento porque o encontro teria a presença de um adversário político de Bolsonaro.

O maior anunciante da Jovem Pan News no período avaliado, um site de apostas com sede em Curaçao, veiculou 38 campanhas. O segundo maior anunciante, uma farmacêutica que vende produtos de homeopatia, há mais de uma década patrocina o apresentador Ratinho, apoiador de Bolsonaro.

Independência da imprensa

É complicado dizer se os aparentes benefícios políticos recebidos pelos anunciantes da Jovem Pan são coincidência ou não. Mas os adversários da Jovem Pan são diretos. "É a mesma estratégia que usaram nas eleições com o WhatsApp. Os aliados do governo investem indiretamente em mídias favoráveis para promover o presidente", diz o jornalista de um canal concorrente.

Até que se prove o contrário, a Jovem Pan não faz nada errado, apenas abre seu espaço comercial para empresas que querem veicular publicidade e que, por diferentes razões, são próximas de Bolsonaro. 

De toda forma, a crescente presença de aliados de Bolsonaro como anunciantes e uma cobertura bastante favorável ao presidente geram especulações. Afinal, até que ponto a credibilidade jornalística pode ser comprometida se parte relevante do faturamento vier de aliados de Bolsonaro (como também serie se viesse diretamente de campanhas do governo). 

Questionada sobre um potencial conflito de interesses e a dependência do governo, a Jovem Pan respondeu por meio de sua assessoria de imprensa que "os anunciantes procuram a Jovem Pan pelos resultados obtidos por meio de nossas plataformas. Somos líderes em audiência no rádio, o principal canal de notícias do YouTube no Brasil e, com apenas sete meses no ar, ocupamos o segundo lugar entre as emissoras jornalísticas da TV por assinatura com o canal Jovem Pan News". 

Ainda segundo a Jovem Pan, "a maior parte dos anunciantes citados pela reportagem (a lista foi compartilhada com a Jovem Pan, mas não divulgada aqui) tem parceria conosco há mais de dez anos, prova da confiança e do resultado que entregamos para suas campanhas. Sobre o viés político dessas empresas, não nos cabe avaliar nossos clientes. Entregamos, da melhor forma possível, as mensagens das marcas, sem que para isso haja qualquer interferência da área de negócios sobre as questões editoriais do Grupo Jovem Pan".

Bolsonaro e Jovem Pan, uma relação antiga

A Jovem Pan está correta em afirmar que a relação com alguns de seus anunciantes vem de longa data. O mesmo se pode dizer da proximidade da empresa com o bolsonarismo. Como lembrou o colunista Matheus Pichonelli, durante anos Bolsonaro foi arroz de festa de programas como o Pânico, da Jovem Pan.

A estreia da TV da Jovem Pan em 2021 contou com a presença de Bolsonaro no Pânico. Foi um fiasco. O presidente se irritou com uma pergunta do humorista André Marinho sobre rachadinhas e abandonou a entrevista. Uma semana depois, Marinho deixou a Jovem Pan.

Apesar dos contratempos, o sucesso da Jovem Pan é inegável. No ano passado, quando a empresa lançou sua TV e foi criticada pelos problemas da estreia a falhas técnicas, escrevi que subestimar a força do público conservador era um erro

No mesmo texto afirmei que, além do sucesso de público, seria importante para a Jovem Pan manter um verniz de equilíbrio para atrair anunciantes de diferentes espectros políticos. Afinal, caso Bolsonaro deixe o poder, nada assegura que os anunciantes de hoje serão os anunciantes de amanhã.

Afinal, o bolsonarismo sustenta a Jovem Pan? Provavelmente, sim. Mas é complicado dizer isso porque não é por meio de verbas ou campanhas de governo. Mas ao assegurar um público cativo apoiador do presidente e relevantes anunciantes alinhados a Bolsonaro, o apoio ao bolsonarismo tem sido um ótimo negócio para a Jovem Pan.

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