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DEPOIMENTO

Como Gugu Liberato mudou a minha vida e permitiu que você lesse este texto

Divulgação/Record

Gugu Liberato em gravação do quadro Desafio Musical, do Programa do Gugu, em fevereiro de 2013

Gugu Liberato nos bastidores de gravação em fevereiro de 2013, quando adotou visual mais despojado

DANIEL CASTRO

dcastro@noticiasdatv.com

Publicado em 23/11/2019 - 7h50

A essa altura dos acontecimentos, você já deve estar cansado de ler mensagens de famosos declarando que Gugu Liberato era uma pessoa gentil, educada, generosa e tantos outros adjetivos do bem. Nesse caso, esses clichês da hora do luto expressam a verdade. Gugu, cuja morte precoce consternou o país, era mesmo tudo isso.

Tive a oportunidade de trabalhar algumas horas com Gugu, o observei trabalhando umas tantas outras horas, e nunca o vi falando mais alto ou impondo a sua vontade a qualquer subalterno. Mais do que apresentador, Gugu foi um grande profissional de televisão, que estudava o veículo o tempo todo e entendia muito de estratégias para grandes audiências. E ser gentil era parte essencial desse personagem brilhante. As pessoas que trabalhavam para Gugu tinham orgulho disso, sabiam que estavam em boa companhia.

Foi com esse poder de sedução que Gugu Liberato promoveu uma das maiores reviravoltas de minha vida. Em 2009, recém-contratado pela Record, no meio de uma entrevista exclusiva para a Folha de S.Paulo, ele soltou que "procurava alguém" como eu para produzir um programa de entrevistas que teria na Record News.

Eu fingi que não ouvi, mas, depois de encerrada a entrevista, a insinuação ficou mais clara numa conversa com o diretor Homero Salles, seu braço direito na época. A paquera evoluiu para um almoço no restaurante português A Bela Sintra.

A ideia de estar por trás de um talk show de um dos maiores nomes da TV brasileira mexeu comigo. Foi mais forte do que os alertas de que a Record só queria me contratar para dar um cala-boca, já que a emissora e a Folha estavam no meio de uma guerra judicial e a minha coluna era implacável com a rede de Edir Macedo.

O tempo confirmou a profecia do cala-boca, mas eu não acreditava nisso em setembro de 2009. Afinal, teria aos 42 anos a chance de dar uma guinada na carreira e um salário quase três vezes maior. Mesmo sem nenhuma experiência com televisão, não tinha como dar errado ao lado de Gugu Liberato em um formato que misturaria entretenimento com jornalismo.

Crente de que o talk show na Record News estava previsto em cláusula do contrato de Gugu com a Record, troquei 18 anos de Folha de S.Paulo por um vínculo de quatro com uma empresa pela qual nunca senti atração. E a verdade não tardou a aparecer: a tal cláusula não existia.

Além disso, a prioridade de Gugu era seu programa dominical, pelo qual fora contratado por R$ 288 milhões em oito anos. A pressão para que desse 15 pontos no Ibope de São Paulo e vencesse Silvio Santos era enorme. Na estreia, ele atingiu a meta, mas fechou 2009 com a metade.

O sinal vermelho acendeu, e Gugu teve que se mexer e trabalhar muito para justificar o investimento da emissora. Não tinha tempo para pensar em um programa de entrevistas num canal restrito. Seu foco era o Programa do Gugu, a guerra dos domingos, os números do real time do Ibope, que na coxia ele acompanhava atentamente, minuto a minuto, enquanto se exibiam videotapes. Gugu viajava muito para gravar sua principal atração, um quadro em que construía e reformava casas.

Como se sabe, o talk show na Record News nunca saiu do papel. Na verdade, mal foi para o papel, em alguns textos e roteiros que eu propus e talvez nunca tenham sido lidos. Tive apenas uma reunião e algumas conversas rápidas com Gugu para tratar do assunto. Ele queria mostrar seu "lado curioso" e fazer entrevistas sem grandes pretensões no Ibope. Nada de Suzane Richthofen, que entrevistaria em 2015. Queria falar com médicos, empresários, políticos, talvez em um tom mais intimista.

Já sem o vigor que apresentava no Domingo Legal do final dos anos 1990/início dos anos 2000, Gugu não chegou cumprir seu contrato integralmente. O acordo foi rompido em 2013, quatro anos antes do final, e Gugu foi indenizado em cerca de R$ 100 milhões.

Menos de dois anos depois, ele estava de volta à Record. Mas já não queria contratos muito longos nem muito trabalhosos, porque não abria mão de estar perto dos filhos, em Orlando, onde sofreu na última quarta (20) o fatal acidente doméstico (uma queda de quatro metros do sótão de sua casa enquanto tentava reparar o ar-condicionado).

Para quem trabalhou com Gugu, ficará a lembrança de um profissional que não perdia o controle no meio do caos, sempre humilde e magnânimo. Nos finais de anos bem-sucedidos (e foram muitos), dava altas festas aos colaboradores, nas quais sorteava bons presentes (como TVs e computadores), e ninguém ia para casa de mãos vazias. Aos jornalistas, costumava dar a melhor ceia de Natal disponível no mercado nacional.

Gugu, provavelmente, "terceirizava" as broncas, deixando eventuais vilanias para seus diretores. Para si, reservava o papel do bom-moço que interpretava na TV. Só era um pouco diferente nos bastidores. O loirinho expansivo e alegre do vídeo era um homem tímido fora dele.

Portanto, se você se deparar com algum trabalhador de televisão dizendo que Gugu foi o famoso mais legal que ele conheceu, não duvide. Quanto a mim, apesar de ter vivido na Record os piores quatro anos de meus 30 de profissão, também sou grato a Antonio Augusto Moraes Liberato. Sua interferência na minha trajetória foi fundamental para que eu viesse, em 2013, a lançar o Notícias da TV e escrevesse este texto que você acabou de ler.

Obrigado.


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