Adeus, Controle Remoto
Leonardo Soares/UOL
O jornalista Mauricio Stycer em sabatina de candidato a prefeito de São Paulo em 2012
DANIEL CASTRO
Publicado em 23/5/2016 - 7h00
A televisão brasileira está passando pela "mais profunda transformação" já ocorrida nos 65 anos de existência do veículo no país. A revolução digital está obrigando a mídia mais poderosa do planeta a se reinventar. Novas plataformas de distribuição estão mudando os hábitos de consumo e destruindo um dos pilares da televisão como a conhecemos, a grade linear. Responsável pela guinada ao popularesco, duas décadas atrás, o controle remoto tende à extinção.
É o que defende, em linhas gerais, o principal crítico de televisão do país, Mauricio Stycer, no livro Adeus, Controle Remoto. A obra (editora Arquipélago, 256 páginas, R$ 44,90) reúne textos publicados pelo jornalista em seu blog no UOL e na Folha de S.Paulo nos últimos cinco anos. Mas não se trata de uma simples coletânea. Agrupados por tema e entrelaçados por novos textos, os artigos traçam um painel crítico e profundo do momento pelo qual passa a televisão mundial. Stycer vai do beijo gay de Amor à Vida (2013) a Mad Men (sua série preferida na última metade de década). Discute o impacto da Netflix, do YouTube e das novas estratégias narrativas. Com texto saboroso, passeia pela baixaria, pela apelação e elege os momentos mais constrangedores que se viu obrigado, profissionalmente, a testemunhar. Reconhece, também, que a televisão é capaz de produzir conteúdo de alta qualidade.
O livro terá noite de autógrafos hoje (23), a partir das 19h, na livraria Blooks, no shopping Frei Caneca (rua Frei Caneca, 569, região central de São Paulo). Stycer deu a seguinte entrevista ao Notícias da TV, em que discute tópicos centrais de seu livro:
Seu livro defende que a televisão está passando pela mais profunda transformação já vivida pelo veículo. O título sugere que o controle remoto vai virar peça de museu. Que revolução é essa? Você arriscaria dizer que o televisor um dia vai migrar para outras telas completamente?
Mauricio Stycer: Em poucas palavras, a revolução é ver o que você quiser, na hora em que bem entender, no aparelho de sua escolha _o próprio televisor, o telefone, o tablet, o notebook etc. Quando falo "adeus, controle remoto", quero dizer especialmente que o hábito de zapear vai acabar. Cada vez faz menos sentido sentar diante de um aparelho de TV e ficar procurando o que ver entre 200 canais. O aparelinho de controle remoto, em si, ainda servirá para ligar e desligar algumas máquinas. O aparelho de televisão ainda tem vida, mas se você pesquisar entre os jovens, verá que diminui o número dos que ainda veem TV prioritariamente desta forma.
Novas plataformas como Netflix e YouTube, que trazem um modo diferente de consumir conteúdo audiovisual, são uma ameaça para a televisão tradicional? O vídeo de dois minutos vai substituir o capítulo da novela? O conteúdo on demand, ou à la carte, vai substituir a grade linear?
Stycer: O espectador é um ser passivo diante da grade linear. Só tem duas opções: ver ou não ver o que determinada emissora está oferecendo. A Netflix e outros serviços, sejam de streaming, sejam de compra on demand, alteraram totalmente essa lógica. Ao tornar o consumidor dono dos horários e do quanto quer ver (o binge-watching), a revolução digital promove uma reeducação. Sobre o YouTube, o que me chama a atenção hoje é ver youtubers querendo aparecer na televisão. Acho que há algum problema aí. Não deveria estar ocorrendo o contrário?
No terceiro capítulo (O Futuro Ainda não Começou), você afirma que a televisão brasileira terá um salto de qualidade quando os recursos de publicidade diminuírem. Como assim? A fartura de recursos financeiros estimula a guerra pela audiência e, consequentemente, a baixaria, certo? Mas, para se produzir com qualidade, também não é necessário ter dinheiro, já que televisão é um negócio caro?
Stycer: Você tem toda razão. No modelo de televisão mantido por publicidade, ela é essencial para o desenvolvimento de bons produtos. Esta frase que você citou, fora do contexto, realmente pode permitir uma leitura errada. Concluo a introdução do capítulo sobre baixaria dizendo isso. É que me espanto de, ainda hoje, emissoras criarem programas orientados exclusivamente pela obsessão em conseguir audiência. Assim têm nascido algumas aberrações, como o Domingo Show, da Record. O que tentei dizer é que só quando os anunciantes pararem de apoiar iniciativas desse tipo é que haverá um salto de qualidade na TV aberta.
Isso já aconteceu antes?
Stycer: Já. O SBT viveu essa experiência alguns anos depois do seu lançamento, em meados dos anos 1980. Tinha uma programação de baixíssima qualidade, mas poucos anunciantes. Silvio Santos foi, então, convencido a dar um salto de qualidade. Trouxe Jô Soares, Boris Casoy...
Você se considera um telespectador profissional desde 2008. Quais foram as maiores apelações e baixarias que você viu nesses oito anos? E o que mais te impressionou positivamente?
Stycer: Sem pensar muito (para a lista não ficar muito grande), acho que a maior aberração que vi na TV nos últimos anos foi a "entrevista" com Bilu, o ET de Corguinho, exibida pelo Domingo Espetacular, da Record, em outubro de 2010. E, em segundo lugar, o debate promovido no Domingo Show, da mesma emissora, em 2014, sobre as "provas" de que Michael Jackson estaria vivo.
Positivamente, falando apenas de TV aberta, também tenho uma lista grande. Para não cometer injustiças, eu citaria o esforço de vários autores e diretores de novela de revitalizarem o gênero. No livro, menciono alguns desses exemplos.
O que você assiste atualmente com prazer, não apenas pelo dever profissional? E o que não assistiria, se não precisasse?
Stycer: Hoje, em maio de 2016, ainda falando somente de TV aberta, assisto com prazer Velho Chico, Profissão Repórter, qualquer coisa que Silvio Santos faça e, para mencionar um "guilty pleasure", o reality Power Couple. Se não fosse pelo dever profissional, eu não acompanharia com tanta atenção (vejo diariamente) várias novelas no ar.
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