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Polêmica

Para autor de Babilônia, boicote a beijo gay tem motivação 'ditatorial'

JOÃO MIGUEL JÚNIOR/TV GLOBO

Ricardo Linhares e Gilberto Braga, coautores de Babilônia, em apresentação da novela à imprensa - JOÃO MIGUEL JÚNIOR/TV GLOBO

Ricardo Linhares e Gilberto Braga, coautores de Babilônia, em apresentação da novela à imprensa

DANIEL CASTRO

Publicado em 20/3/2015 - 18h52

Coautor de Babilônia, Ricardo Linhares reagiu indignado à campanha proposta por deputados evangélicos para que o público boicote a nova novela das nove da Globo. Na trama, Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg formam um casal de mulheres maduras que mantêm uma relação de 40 anos, criaram juntas um filho e, nos próximos capítulos, vão transformar a união civil em casamento. Para Linhares, a sugestão de boicote tem motivação “obscurantista e ditatorial” e promove “a discriminação e a intolerância”.

Em sua primeira semana, Babilônia apresentou duas cenas em que Teresa (Montenegro) e Estela (Timberg) se beijam carinhosa e delicadamente. As imagens incomodaram o senador Magno Malta (PR-ES) e o deputado federal João Campos (PSDB-GO), integrantes da Frente Parlamentar Evangélica. Eles emitiram nota em que pedem boicote à novela, por fazer “apologia ao mal” e visar "destruir famílias”.

A seguir, a resposta de Ricardo Linhares:

Notícias da TV – Como você está interpretando a reação de deputados e religiosos ao casal Teresa e Estela?

Ricardo Linhares - São reações de uma minoria, que não tem qualquer amparo legal. Os deputados estão fazendo barulho na tentativa de se promover às custas do sucesso da novela. Ao usar suas posições no Congresso para atacar a Rede Globo e a novela das nove, eles querem atrair a atenção da mídia para si. E assim se exibir nos seus redutos eleitorais.

A intenção é meramente política e oportunista, e não de crença. Tantos os deputados quanto esses pastores não têm respaldo para falar em nome de toda uma comunidade religiosa. Por isso, não se deve dizer que “evangélicos propõem boicote”, pois não é uma atitude generalizada. A maioria dos evangélicos é formada por pessoas sérias e respeitosas.

A defesa do boicote à novela é um ato de homofobia?

Todos têm direito de propor boicote a um programa de TV. Vivemos numa democracia. É lamentável que a motivação seja obscurantista e ditatorial, promovendo a discriminação e a intolerância. Mas desde que não haja violência nem ataques pessoais, todos são livres para se manifestar.

Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg em cena, veiculada na quarta-feira (18), em que suas personagens comemoram a notícia de que vão casar

Você concorda que um beijo das duas personagens tem um significado político muito grande, porque elas são um casal sólido, uma família como qualquer outra, e por tudo o que as intérpretes representam?

Certamente o beijo de Fernanda e Nathalia, dois ícones da nossa cultura, têm um peso político muito importante. As atrizes foram convidadas porque agregam aos papéis a dignidade com que conduziram suas vidas e carreiras. Ambas chegaram a um patamar em que estão acima do bem e do mal. Não precisam mais provar nada a ninguém. Suas trajetórias impõem respeito e servem de respaldo para as ações das personagens.

Não só o beijo do primeiro capítulo, como todas as demonstrações de afeto que as personagens vão viver ao longo da novela são tratadas com toda naturalidade, porque são naturais num casal. Teresa, Estela e Rafael [Chay Suede] formam um núcleo familiar contemporâneo, que merece todo respeito e o amparo da lei. Definir família como formada unicamente por macho e fêmea é inconstitucional. A união de pessoas do mesmo sexo é uma entidade familiar reconhecida pelo STF. Não há distinção entre a família heteroafetiva e a homoafetiva.

Determinados grupos religiosos querem reduzir o conceito de família, na contramão da pluralidade contemporânea. O Brasil é um país laico. E os fundamentalistas religiosos não podem impingir suas idiossincrasias aos outros. Basta olhar ao redor para ver que inciativas reacionárias, como o Estatuto da Família, não correspondem à realidade. O mundo mudou. E não há volta. A novela reflete o cotidiano do outro lado da telinha.

Eu sou um autor progressista. Acredito que a televisão, ao mesmo tempo que entretém, deve levar o espectador a refletir sobre o mundo em que vivemos. Como fiz em Saramandaia, gosto de propor discussão como o combate à intolerância e ao preconceito.


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