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ESTREIA NA ATUAÇÃO

Milton Gonçalves precisou se pintar para ter primeiro papel no teatro

REPRODUÇÃO/TV GLOBO

Milton Gonçalves como o personagem Eliseu em O Tempo Não Para

Milton Gonçalves como personagem Eliseu em O Tempo Não Para: última novela da carreira do ator

DANIELE AMORIM E MÁRCIA PEREIRA

daniele.amorim@noticiasdatv.com

Publicado em 30/5/2022 - 16h45

Morto nesta segunda (30) aos 88 anos, Milton Gonçalves precisou se pintar para interpretar o primeiro personagem de sua vida. Em entrevista ao Notícias da TV na época do lançamento da novela O Tempo Não Para (2018), o ator contou que ganhou a chance de protagonizar uma peça de teatro porque o artista principal só faltava. Ele, no entanto, apareceu no palco todo pintado de branco já que o intérprete anterior era caucasiano

"Me chamaram para fazer teatro, e acabei fazendo uma peça em que o ator principal faltava muito e eu sempre lia o texto dele. Um dia me chamaram para fazer o papel dele, que era o de um rei, pai de uma menina branca dos olhos azuis. Eu era pintado de branco e fazia", contou o veterano da Globo.

Apesar de maravilhado com a experiência, Milton também admitiu ter sentido certo medo ao encarar o público pela primeira vez. Ele, no entanto, optou por acreditar no seu potencial e se radicou no Rio de Janeiro por volta da década de 1960 para buscar por novas oportunidades.

Na época, ele estava viajando pelo Brasil afora para apresentar uma peça de teatro e optou por ficar na Cidade Maravilhosa a voltar para São Paulo --onde o ator anteriormente vivia. 

"Isso [a estreia] foi uma marca para mim muito grande. Eu já tive muitos medos, inclusive de ser agredido e de outras coisas. O teatro virou teatro de arena, com grandes nomes. Era uma série de pessoas que me foi ensinando várias coisas de forma qualitativa. Eu sempre tive muita vontade de aprender. Viajei muito e vim para o Rio há mais de 60 anos pensando comigo: 'Ou aprendo, ou volto para casa'", contou no bate-papo. 

REPRODUÇÃO/ TV GLOBO

Milton Gonçalves na novela Irmãos Coragem

Milton Gonçalves na novela Irmãos Coragem

Trabalhos de Milton

Com a experiência no teatro, Milton Gonçalves foi chamado para integrar o elenco de atores da Globo. "Não tinha inaugurado nada ainda. Os três estúdios e o auditório pareciam para mim os estúdios da Universal. O primeiro salário foi 500 cruzeiros. E eu fiquei feliz", relembrou o ator, em entrevista ao site Memória Globo.

Lá, o intérprete estreou nos primeiros dois projetos da emissora no ramo de dramaturgia: a série Rua da Matriz (1965), de Lygia Nunes, Hélio Tys e Moysés Weltman e a novela Rosinha do Sobrado (1965), de Moysés Weltman.

Nos dois anos seguintes, ele aventurou-se na comédia e fez o humorístico TV0-TV1(1966 e 1969). O programa de paródias é considerado hoje como um dos precursores da TV Pirata (1988). 

Conhecido pelo grande público como ator, Gonçalves também teve uma carreira artística bem-sucedida na direção. Ele foi assistente de Daniel Filho em Véu de Noiva (1969-1970), da autora Janete Clair (1925-1983), e assumiu a coordenação de alguns capítulos da primeira versão de Irmãos Coragem (1970) --na trama, ele também interpretava Brás Canoeiro.

Daniel disse: 'Eu vou entregar a novela pra você'. Um belo dia, ele tirou o fone e já foi dando tchau. Eu botei o fone e disse: 'Olha, o Daniel está indo viajar. Vocês vão me desculpar durante dois dias. Eu vou errar, mas depois vamos acertar’. E assim foi feito.

Em seguida, Milton Gonçalves esteve presente nos trabalhos mais importantes da Globo, como: Vila Sésamo (1972), O Bem-Amado (1973), Pecado Capital (1975), Selva de Pedra (1972), Escrava Isaura (1976), Roque Santeiro (1985), Tenda dos Milagres (1985), As Noivas de Copacabana (1992), Agosto (1993) e em Chiquinha Gonzaga (1999). 

Em Pecado Capital, o ator quebrou um grande tabu na dramaturgia brasileira. Ele pediu para Janete Clair para viver o renomado psiquiatra Percival durante uma época em que artistas negros ficavam restritos a funções subalternas. A respeito da questão racial no trabalho, o ator comentou para o Notícias da TV:

A questão racial me incomoda muito. Essa coisa de julgar alguém por ser branco ou menos branco, mais negro ou menos negro, eu quero dar vida a um personagem. Isso é importante.

Últimos anos de vida 

Antes de ser acometido por um AVC em 2020, Milton Gonçalves participou de novelas mais recentes da Globo. Ele esteve em A Favorita (2008), reprisada no Vale a Pena Ver de Novo, e em O Tempo Não Para (2018) --sua última novela. 

Nos anos seguintes, o ator participou da série Carcereiros (2018-2021), da minissérie Se Eu Fechar Os Olhos Agora (2018) e em Filhas de Eva (2021). 

Na época do lançamento de O Tempo Não Para, o intérprete foi questionado sobre sua vastidão de trabalhos durante sua carreira de ator e diretor:

A coisa que mais me agradece diante de Deus e dos orixás foi descobrir que ser ator é uma coisa fantástica. Com esta profissão a gente levanta amigos, desfaz preconceitos e realiza coisas. Coisas que em outras situações jamais aconteceria.

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