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'Me traumatizou': Os relatos chocantes das vítimas do preparador de elenco

REPRODUÇÃO/YOUTUBE

Beto Silveira fala em microfone em entrevista no YouTube

Beto Silveira em entrevista no YouTube: preparador de elenco foi condenado por estupro em 2011

ODARA GALLO E IVES FERRO

odara@noticiasdatv.com

Publicado em 30/6/2022 - 7h00

Contratado para trabalhar em Chiquititas (2013), no SBT, Beto Silveira (1950-2022) foi acusado por mais de uma vítima ao longo de sua carreira como preparador de elenco. Ele foi condenado em 2011 por abuso infantil e estupro de menor, teve a prisão em 2016 abafada e morreu como exemplo de profissional. O Notícias da TV ouviu relatos de duas vítimas de Silveira, que contaram detalhes de como era feita a abordagem.

"Aquela noite no hotel me traumatizou profundamente", desabafou um deles, que tinha 12 anos quando sofreu o abuso, em 1998. O SBT contratou o preparador em 2013 e explicou que não sabia de seus antecedentes criminais. Três anos depois, Beto foi preso.

Fontes da reportagem ligadas ao elenco da emissora relataram que havia constrangimento com algumas meninas do elenco infantil. O excesso de cafunés e carícias nas atrizes mirins incomodava os pais das crianças.

"Sua contratação como prestador de serviço se deu justamente por ter sua escola de atores, que na época atuava normalmente. Nos workshops e gravações promovidos oficialmente pela emissora, o elenco infantil sempre esteve acompanhado de profissionais qualificados, como psicóloga, pedagoga e pediatra", informou o SBT.

Condenado a 16 anos e nove meses de prisão, o preparador passou um ano e três meses na cadeia e conseguiu benefício para prisão domiciliar em 2017, após provar que sofria com Alzheimer e ser diagnosticado com aneurisma.

Ele morreu em maio deste ano em decorrência de um mal súbito. Os detalhes da prisão e condenação por estupro foram revelados com exclusividade nos textos publicados segunda (27) e quarta-feira (29) pelo Notícias da TV.

Os relatos das vítimas

A reportagem ouviu duas vítimas que sofreram abusos de Silveira quando ainda eram crianças e tinham 12 anos anos de idade. Em comum, essas duas pessoas tinham o sonho de ascender na carreira artística, mas sofreram um baque emocional pelo contato com o preparador de elenco. As identidades dos entrevistados não serão reveladas.

[Alerta de gatilho: este texto pode conter informações sensíveis a sobreviventes de abuso sexual]

O primeiro depoimento é de 1998, quando a vítima tinha 12 anos. Na época, Beto Silveira foi até o interior de São Paulo para dar um curso de interpretação. Primeiro, ele convidou a então criança para jantar com outros adolescentes e um adulto no restaurante do hotel em que estava hospedado, com o objetivo de pegar relatos para uma versão masculina da peça Confissões de Adolescente.

Após o primeiro encontro, o preparador chamou a vítima e seu amigo para voltarem ao hotel sozinhos e os levou até seu quarto, onde os abusos aconteceram. Confira abaixo o relato:

"As lembranças daquela noite são confusas, acho que bloqueei boa parte delas pelo bem da minha saúde mental. Lembro que, ao entrar no quarto, ele me beijou e eu disse  'de língua não pode'. Como se aquela invasão fosse aceitável caso não houvesse língua.

Ele ligou a TV e sugeriu que nos sentássemos na cama para assistir. Depois, se ofereceu para fazer uma massagem. Deitei na cama e lembro que ele tirou minha camiseta, depois a calça e, por fim, a cueca. Senti o peso do corpo dele em cima do meu. Não houve penetração. Eu não entendia exatamente o que estava acontecendo, mas sabia que aquilo era errado. Por isso, quando voltei para casa, não contei nada para os meus pais. Eu e meu amigo também não falamos nunca mais sobre tudo aquilo.

Não fui mais ao hotel, mas continuei frequentando as aulas de interpretação. Lembro que, entre um exercício e outro, ele sussurrava no meu ouvido coisas como 'sei que você fica me espiando pela perna da bermuda, qualquer dia vou vir sem cueca para você ver o que quer'. Não era verdade, mas eu fiquei calado. Ele era o professor e eu o aluno, não podia desafiar aquela relação de poder.

Aquela noite no hotel me traumatizou profundamente, a ponto de eu não conseguir me relacionar amorosa ou sexualmente com outras pessoas durante anos. Lembro que, já na faculdade, fui para a casa de outro rapaz em quem estava muito interessado.

Quando ele me beijou, eu travei. Levei algum tempo para conseguir retribuir aquele beijo, mas tinha dificuldade em me expressar. Quando ele tirou minha camiseta, tive uma crise de riso nervoso, a ponto de quase ofendê-lo. Tive que explicar o motivo daquele riso. Foi a primeira vez que falei abertamente com alguém sobre o que tinha vivido quase dez anos antes.

Precisei de muita terapia para conseguir superar (mas nunca esquecer) o que havia ocorrido. Às vezes, tudo ainda me afeta. Tenho dificuldade para demonstrar afeto de maneira física, com abraços e beijos (mesmo no rosto). Prefiro namoros à distância para tornar o contato direto o menos frequente possível.

Quando saio em encontros, preciso me preparar psicologicamente para qualquer coisa que possa acontecer. O medo de que alguém se aproveite de mim e tente fazer algo que eu não queira continua lá, pronto para dar as caras quando eu menos espero".

Sonho destruído

O segundo relato também aconteceu em 1998, com uma pessoa que tinha apenas 12. Seu sonho era entrar para o elenco de Chiquititas (1997), e por isso decidiu fazer aulas de atuação quando Beto Silveira e a equipe foram até sua cidade.

O preparador de elenco usou a mesma tática do relato anterior: chamou a vítima e seu amigo para jantarem no restaurante de seu hotel com outras pessoas, e depois os levou sozinhos para o quarto. A diferença é que, dessa vez, o pai da vítima e a mãe de seu colega ficaram na recepção do local.

Um detalhe é o de que o preparador de elenco poderia ter ajuda de outra pessoa para seguir com os abusos. Leia o depoimento abaixo:

"Beto tentava deixar tudo muito descontraído pra passar a imagem de que estava tudo bem ele com dois menores de idade sozinhos. Sentamos no sofá que tinha na salinha do quarto do hotel, ele no meio nos abraçando, aquela conversa mole.

Eu lembro de ficar travado sem conseguir reagir, e falei que tinha que ir ao banheiro. Naquela hora a ficha caiu do que poderia estar acontecendo realmente, mas como uma criança de 12 anos eu não tinha malícia ou presença de espírito suficiente pra tentar sair dali, expor o que aconteceu.

Quando saí do banheiro, ele nos levou pro quarto. A TV estava ligada, mas não as luzes, e ele continuou nesse abraço em nós quando nos beijou. Na hora do susto, achamos estranho. Até falamos que não queríamos, mas ele manipulava a situação muito bem pra que continuasse. Nisso perguntou se a gente não gostava de massagem e falou pra que a gente deitasse na cama, de bruços. Eu me lembro que estava passando a novela das 7 e eu meio que me desliguei do que estava acontecendo olhando pra tela.

Ficamos meu amigo e eu lado a lado e o Beto nos passando a mão, fazendo a 'massagem'. Tinha abaixado nossos shorts e levantado um pouco as camisetas. Ele se deitou por cima de cada um de nós e dava pra sentir a ereção por causa do tecido fino da cueca samba-canção que usava.

Eu lembro de conseguir me fazer reagir e falar que não estava gostando. Ele parou, mas queria que meu amigo e eu fizéssemos a 'massagem' entre nós e que nos beijássemos também enquanto ele assistia. Não fizemos.

Então como que combinado, ou sorte mesmo, o telefone tocou e alguém da equipe dele disse que precisavam sair. Na época achei que pudesse ter sido uma ligação normal mesmo, mas pensando um pouco melhor depois que cresci, imagino que era um código que tinha com alguém da equipe que o avisava quando parar pra que não parecesse suspeito pros pais esperando lá embaixo.

Ficamos aliviados, mas ele ainda quis beijar de novo antes de sairmos, ainda ereto.

A sensação quando saímos do quarto foi de libertação. No elevador comentamos como tudo foi esquisito, mas na nossa cabeça de 12 anos não cogitamos contar ali mesmo o que tinha acontecido. Talvez por medo, talvez por vergonha, talvez receio de que iriam pensar ser invenção, enfim.

O resto do curso foi bem ruim, evitávamos qualquer interação com ele até que encerrou. Meses se passaram e então recebi uma ligação do estúdio dele em São Paulo me convidando para um teste. Lembro que ele quis conversar comigo quando cheguei e até perguntou como eu estava e se meu amigo e eu tínhamos brincado juntos de novo. Falei que não, desconversei, e voltei pra onde meu pai e meu tio estavam.

Não passei no teste e este foi o último contato com o estúdio e com Beto Silveira. Meu amigo e eu comentávamos às vezes sobre o que aconteceu com a gente, porém não cheguei a falar com ninguém sobre isso durante muito tempo".

Para denunciar qualquer tipo de abuso ou violência sexual infantil é preciso buscar o Conselho Tutelar, delegacias especializadas ou fazer a denúncia pelo telefone através do Disque 100.

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