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O CIRCO CAIU

Há 20 anos, Ratinho estreava no SBT com brigas armadas e falsos flagrantes

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Carlos Massa, o Ratinho, em um dos seus primeiros programas no SBT: vale tudo pela audiência - Reprodução

Carlos Massa, o Ratinho, em um dos seus primeiros programas no SBT: vale tudo pela audiência

DANIEL CASTRO

Publicado em 6/9/2018 - 5h42

Há 20 anos, Carlos Massa, o Ratinho, era um fenômeno de audiência, assunto nos principais jornais, capa da revista Veja. Pedra no sapato das novelas das nove da Globo, foi contratado por Silvio Santos com um dos maiores salários da TV. Um mês depois de sua estreia no SBT, em 8 de setembro de 1998, a Folha de S.Paulo publicou uma reportagem que derrubava o circo de Ratinho. Mostrava que sua principal arma para beliscar a liderança da Globo no Ibope eram vídeos de falsos flagrantes que descambavam para brigas encenadas por desempregados desesperados por um cachê.

A revelação, embora só comprovasse o que muita gente já suspeitava, foi um escândalo. Chamou a atenção do Ministério Público e do então secretário nacional dos Direitos Humanos, José Gregori, que abriram uma discussão que culminou no sistema de Classificação Indicativa que temos hoje. A credibilidade de Ratinho, que já não era das melhores, foi para o lixo. Sua audiência, se não caiu, parou de subir.

Eu fui o autor dessa reportagem, que me rendeu um honroso Prêmio Folha do bimestre e um desprezo eterno de Ratinho. Ela caiu no meu colo.

Tudo começou com alguém da Redação dizendo que havia um homem na recepção do jornal querendo fazer uma denúncia contra Ratinho. Vários repórteres torceram o nariz. Eu resolvi encarar.

A entrevista inicial me levou até a nascente do rio Tamanduateí, em Mauá, na Grande São Paulo. Lá, descobri que uma produtora freelancer do Programa do Ratinho todos os dias lotava uma van de pessoas desempregadas e as levava até o SBT, em Osasco.

No longo caminho de mais duas horas, essas pessoas eram instruídas a interpretarem determinados personagens. O pedreiro Sebastião José de Oliveira, 33, por exemplo, fez o papel de corno no dia da estreia de Ratinho de SBT. No palco, vestiu um boné com chifres e anunciou a exibição de um vídeo, feito por ele mesmo, em que flagrava sua mulher na cama com outro homem.

Sensacional. Mas era tudo mentira. Oliveira nunca tinha manipulado uma câmera de vídeo, e a mulher que aparecia na fita não era a sua. "Agora todo mundo me chama de corno, e a reputação da minha mulher, que é uma serva de Deus, foi lá embaixo", disse, arrependido.

"Eu só topei fazer o trabalho porque meus filhos estavam sem leite. Há quatro anos eu só faço bicos", justificou na época. Pelo "trabalho", o pedreiro recebeu R$ 100, o equivalente hoje a R$ 621,34.

A participação de Oliveira, como não poderia ser diferente, acabou em briga com a falsa mulher e com um falso cunhado. "Fiz o melhor possível", contou. "A produção me instruiu a fazer o trabalho. Disseram que não era para bater na cara, mas o rapaz que fazia o papel de meu cunhado me deu um soco no rosto, e eu tive de revidar."

Também teve "superprodução" a história estrelada pelo balconista Josmar Ramos, então com 24 anos. Casado e pai de duas crianças, ele foi convidado a interpretar um marido que à noite se transformava em travesti. Tinha de ser masculino o suficiente para convencer como homem casado com uma mulher.

"Eu estava na padaria, e essa pessoa [a produtora freelancer de Ratinho] me convidou para fazer um papel no Programa do Ratinho. Eu estava sem dinheiro e topei", afirmou. Em um salão de cabeleireiros, ele perdeu a barba, ganhou uma peruca, roupas femininas e maquiagem.

À noite, foi levado para um ponto de travestis em Santo André, onde foi filmado fazendo "trottoir". Três dias depois, era Miguel e estava no palco de Ratinho. Uma falsa cunhada o acusava de trair sua falsa irmã fazendo programas à noite. O vídeo provava o que falava.

Claro que o "caso" acabou em quebra-pau. Ramos gastou quase todo o cachê de R$ 100 na época com roupas para as crianças. Mas ganhou uma fama incômoda na vizinhança. "As pessoas pensam que sou gay", lamentou.

Ouvido pela reportagem da Folha, Ratinho alegou que não sabia que dramas exibidos em seu programa eram encenações. "Estou surpreso. Não imaginava que esses casos não eram verdadeiros. Acho isso um absurdo. Jamais faria um negócio desse", afirmou o apresentador.

Massa, no entanto, admitiu ter desconfiado do caso em que o pedreiro Sebastião José de Oliveira interpretava um marido traído. "Fiquei cismado. Como é que alguém filma a mulher transando e tem coragem de ir na televisão?".

Diretores do Programa do Ratinho também alegaram desconhecer as farsas e disseram que tinham sido enganados pelos participantes.

Hoje, como se sabe, Ratinho fez escola.

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