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MEMÓRIA DA TV

Em 1988, novela Vale Tudo revoltou moradores ao chamar bairro do Rio de brega

Reprodução/TV Globo

Gloria Pires em cena de Vale Tudo, novela de 1988 que fez duras críticas à sociedade brasileira - Reprodução/TV Globo

Gloria Pires em cena de Vale Tudo, novela de 1988 que fez duras críticas à sociedade brasileira

THELL DE CASTRO

Publicado em 26/8/2018 - 7h59

Há exatos 30 anos, a novela Vale Tudo, um dos maiores sucessos da história da  Globo, arrumou uma confusão danada com moradores do Catete e com operadores de telex de todo o Brasil. O bairro outrora tradicional, palco do suicídio do presidente Getúlio Vargas (1882-1954) em 1954, foi chamado de brega pela personagem de Gloria Pires.

O primeiro problema surgiu logo nos primeiros capítulos, quando Ivan (Antônio Fagundes), um economista com currículo invejável, estava desempregado e aceitou o posto de operador de telex no Grupo Almeida Roitman, de Odete Roitman (Beatriz Segall), para tentar subir dentro da empresa.

Na "árvore genealógica" da tecnologia, telex seriam os pais do fax, avôs dos e-mails. Eram máquinas, parecidas com as de escrever, em que se transmitiam e recebiam textos à distância, sempre copiadas em várias vias em papel carbono.

De acordo com profissionais dessa atividade, a novela classificou o ofício como subemprego. "Foi um mal-entendido", disse o autor Gilberto Braga ao jornal O Globo de 31 de julho de 1988, explicando que caracterizou a situação dessa forma em virtude de Ivan ser formado em outra área.

Quase um mês depois, em 23 de agosto, o mesmo jornal noticiou que moradores do Catete estavam muito insatisfeitos com a forma como o bairro era retratado na história. Tudo por causa das intempestivas declarações de Fátima (Gloria Pires), que achava o lugar brega e queria que a mãe, Raquel (Regina Duarte), fosse morar na avenida Vieira Souto, em Ipanema.

Integrantes da Associação dos Moradores do Catete, inclusive, fizeram uma reclamação formal à Globo. "Esse é um problema pessoal dela, porque ela é uma louca", disse o autor.

"Não tive a menor intenção de depreciar o Catete, que acho muito simpático. Eu o escolhi como cenário do núcleo mais pobre da novela porque fica perto do Flamengo, onde moro. Gosto de escrever sobre coisas e lugares que conheço e a grande vantagem dessa locação é poder mostrar de vez em quando o aterro do Flamengo, que é lindo, e o pessoal que o frequenta", completou.

Além de Ivan e Raquel, no bairro que sediou o poder político da República até a criação de Brasília, estava o núcleo formado por importantes personagens da trama.

Entre eles, Poliana (Pedro Paulo Rangel), inicialmente dono de um botequim, depois transformado em sócio e melhor amigo da protagonista; Aldeíde (Lília Cabral) e Consuelo (Rosane Gofman), secretárias da TCA, empresa do grupo de Odete; o motorista Jarbas (Stepan Nercessian); e os jovens André (Marcello Novaes) e Daniela (Paula Lavigne), entre outros.

"Todos de classe média, as moças trabalhando numa grande empresa na cidade como secretárias, tendo como ponto em comum o temperamento simples, simpático, e o desejo de ascensão social. Seria este o perfil do morador do bairro?", questionou a reportagem.

"Toda vez que aparece o Catete na televisão é de modo depreciativo. Mas é porque as pessoas acham mesmo que o bairro é brega. Dizem que a praia do Flamengo é e frequentada por favelados, gente sem classe. Médicos e engenheiros que moram aqui ficam aborrecidos com isso. A verdade é que não recebemos benefícios municipais e estaduais. Temos apenas uma escola pública e para crianças do primário. Não temos creches. Os 13 terrenos do metrô estão aí abandonados. E o descaso para conosco que incentiva essa reputação de que vivemos em bairro de gente que não pode morar em outro lugar", desabafou a professora aposentada Maria José.

Gilberto Braga achou uma "bobagem" a preocupação dos moradores. Ele disse que colocou numa vila típica do bairro personagens comuns como pequenos comerciantes, motoristas, secretárias, enfim, gente que trabalha na cidade e usa o metrô.

"Acho estranho essa preocupação, nunca tinha pensado se o Catete é ou não brega. Brega tem em todo lugar e as famílias da novela que vivem nesse bairro poderiam morar em Copacabana. Ou em Ipanema, que não é só a Vieira Souto", disse Pedro Paulo Rangel, que morava no Flamengo e dizia ter vivido muito naquela região na infância.

Com o passar dos capítulos, as reclamações cessaram, e Vale Tudo rumou para se tornar um grande sucesso, especialmente com o mistério em torno do assassinato de Odete Roitman nos capítulos finais.


THELL DE CASTRO é jornalista, editor do site TV História e autor do livro Dicionário da Televisão Brasileira (Editora InHouse). Siga no Twitter: @thelldecastro

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