Memória da TV
Reprodução/Memória Globo
Em O Cafona, Francisco Cuoco viveu um novo-rico que se casou com a filha da falida Tônia Carrero
THELL DE CASTRO
Publicado em 9/11/2014 - 12h29
Depois de revolucionar a telenovela com Beto Rockfeller, na TV Tupi, em 1968, o autor Bráulio Pedroso estreou na Globo dois anos depois com O Cafona, escrevendo uma poderosa sátira à sociedade carioca e ao movimento hippie. A trama obteve sucesso de público e a crítica, mas incomodou os famosos do high society do Rio de Janeiro, que se sentiram ofendidos ao se verem espelhados na televisão.
O Cafona estreou no dia 24 de março de 1971 e foi até 20 de outubro do mesmo ano, no horário das 22h. Contava, basicamente, a história de Gilberto Athayde (Francisco Cuoco), um homem simples e rude, que enriquecera como dono de uma rede de supermercados.
Ao ficar viúvo, decide se casar com uma grã-fina, Malu (Renata Sorrah), para finalmente ser aceito pela sociedade. Mas a moça é filha de um casal falido, Fred (Paulo Gracindo) e Beatriz (Tônia Carrero). Ele quer resolver seus problemas financeiros, enquanto ela só pensa em posar para capas de revistas e figurar nas listas das mais elegantes das colunas sociais. Só que, no meio do caminho, Gilberto se apaixona por Shirley Sexy (Marília Pêra), sua secretária.
Muitos dos personagens da novela eram novos-ricos e milionários quebrados que não perderam a pose. Em diversos capítulos, eram comentadas as notas das colunas sociais de Zózimo Barroso do Amaral e Ibrahim Sued, em torno da piscina do Copacabana Palace.
Para dar maior realismo à sátira, o diretor Daniel Filho convidou o nobre Juan de Bourbon e a cantora Maysa, pertence à família Matarazzo, além de outros colunáveis, para participarem da trama.
Marília Pêra em O Cafona, novela de 1971 em que interpretou a secretária Shirley Sexy
Qualquer semelhança...
Só que muita gente se incomodou com isso. Alguns frequentadores de colunas sociais sentiram-se atingidos, pois o autor, para botar lenha na fogueira, chegou a dizer que se inspirou em acontecimentos e pessoas reais para compor personagens.
Com grande número de reclamações e para evitar maiores problemas, a Globo passou a exibir no final dos capítulos, pela primeira vez, o célebre aviso utilizado até hoje: “Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas ou fatos acontecidos terá sido mera coincidência”.
Em sua coluna TV à Lenha, na Folha de S.Paulo de 7 de julho de 1996, Marcelo Mansfield, atualmente no Agora É Tarde (Band), abordou o assunto: "Paulo Gracindo foi o melhor milionário da TV em O Cafona, onde, ao lado de Renata Sorrah, sua filha na trama, discutia na mesa de seu ‘petit dejeuner’ não a sua falência, mas a qualidade do camembert. Seu tema musical dizia em certo trecho: mas na lista dos dez mais, todo ano sou casal, do qual sou um bom rapaz, sem ter roupa da Ducal".
Prossegue Mansfield: "Na mesma novela, Tônia Carrero colocava gelo no champanhe para tirar o gás. Very fancy! No final da história, quem levava a melhor era o cafona Francisco Cuoco, novo-rico que casava a filha Elisângela com um príncipe, abondava a falida Sorrah de minissaia na porta da igreja e voltava para sua Shirley”.
Em 9 de setembro de 1971, Helena Silveira também divagou sobre a novela, que estava perto de entrar em sua reta final, em sua coluna na Folha de S. Paulo:
“[O autor] tenta dar-nos um documentário-sátira dessa fuga para o prazer a qualquer custo de determinadas categorias sociais. Se nem sempre o retrato é exato, se como documento, a informação muita vez é falha, se essas fotografias derivam mais de uma mística popular que da realidade, releve-se o estilo do novelista. Bráulio encontrou o tom certo de forjar o script difícil de um mundo vazio povoado de gente vazia”.
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