Memória da TV
Reprodução/Globo
Cid Moreira apresentou as reportagens do Jornal Nacional sobre a apuração de votos em 1989
THELL DE CASTRO
Publicado em 7/10/2018 - 10h32
Imagine ter de esperar alguns dias para conhecer os resultados das eleições, passando por apurações paralelas confusas e candidatos criticando as emissoras? Pois era assim que a "festa da democracia" funcionava na televisão antes de a urna eletrônica ser implantada, em 1996, e possibilitar resultados poucas horas após o término da votação.
Em 1989, por exemplo, quando o Brasil votava para presidente pela primeira vez em quase 30 anos, praticamente todas as emissoras mostraram estruturas gigantescas para dar um show de cobertura a partir 15 de novembro, data da votação do primeiro turno, com os resultados previstos para pelo menos três ou quatro dias depois.
A Globo contou com 2 mil profissionais na cobertura. A meta da emissora era divulgar os resultados bem antes do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), através de um complexo sistema de pesquisas.
"Apresentaremos o trabalho da Toledo & Associados, registrando a declaração de voto do eleitor na saída da urna, para divulgar os resultados pouco depois de encerrada a votação", prometeu Armando Nogueira (1927-2010), então diretor da Central Globo de Jornalismo, ao Jornal do Brasil de 12 de novembro de 1989.
A extinta TV Manchete dedicou 80 horas para o evento, que chamou de Vota Brasil. "Vamos fazer uma cobertura maior que a dos desfiles das escolas de samba", destacou Mauro Costa (1939-2011), então diretor de Jornalismo da emissora. "Só conservaremos, de nossa programação normal, a novela Kananga do Japão e os telejornais", completou.
O SBT, que investia em Jornalismo desde 1988 e quase teve seu proprietário, Silvio Santos, como candidato a presidente, programou boletins de hora em hora com a participação de jornalistas de todo o Brasil.
Entre 15 e 18 de novembro, foram programadas edições especiais do TJ Brasil, com Boris Casoy, que chegaram a ter duas horas e meia de entrevistas. Até Hebe Camargo (1929-2012) e Jô Soares entraram no esquema, apresentando edições temáticas de seus programas.
Com tradição na cobertura de eleições, a Bandeirantes derrubou praticamente toda a sua programação durante o período, mantendo apenas programas na madrugada, como Flash, de Amaury Jr. Foram mobilizados 800 profissionais para acompanhar os números oficiais do TSE, sob comando de Marília Gabriela, que apresentava o principal telejornal da casa.
Em 1989 o rádio era considerado mais confiável pelo público do que a televisão na apuração paralela. Nas eleições anteriores, para prefeito, a Rádio Jornal do Brasil, por exemplo, teve margem de erro de 0,2% e deu o resultado com 11 dias de antecedência.
reprodução/Globo
Resultado prévio de urnas apuradas em São Paulo divulgado pelo Jornal Nacional em 1989
Somente dados oficiais
Apesar dos esforços, a Folha de S.Paulo de 18 de novembro de 1989 informou que a Globo e outros canais suspenderam seus trabalhos de apuração paralela e passaram a divulgar somente os boletins oficiais.
Cid Moreira anunciou no Jornal Nacional do dia anterior que seguiria essa conduta a partir dali. Enquanto o TSE apontava que Fernando Collor de Mello e Luiz Inácio Lula da Silva fariam o segundo turno, a Globo informava que Leonel Brizola provavelmente estaria no lugar do candidato petista.
Entre as razões para isso, o jornal apresentou três prováveis: a contagem da Globo considerou primeiro os votos do Sul, favoráveis a Brizola, em detrimento ao Nordeste, com mais eleitores de Lula; Roberto Marinho (1904-2003) estaria especulando com os resultados apresentados por sua emissora; e, a mais plausível, o canal tentava manter o suspense para segurar os altos índices de audiência.
"Se desde o início das apurações, ela já apontasse a vitória de Collor e Lula, a cobertura perderia a graça e a audiência", destacou a publicação, informando que o JN havia alcançado 70% de ibope em um daqueles dias.
Com a implantação da urna eletrônica gradualmente, a partir de 1996, os resultados passaram a ser conhecidos em poucas horas, eliminando todo o suspense, a ansiedade e as confusões que as apurações paralelas propiciavam.
THELL DE CASTRO é jornalista, editor do site TV História e autor do livro Dicionário da Televisão Brasileira (Editora InHouse). Siga no Twitter: @thelldecastro
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