MANHÃS DE SETEMBRO
FOTOS: DIVULGAÇÃO/PRIME VIDEO
Cassandra (Liniker) em cena de Manhãs de Setembro; série estreia nesta sexta-feira (25)
O drama nacional Manhãs de Setembro entra nesta sexta-feira (25) no catálogo do Prime Video para desafiar o conceito de "família tradicional" e quebrar estereótipos. Seu trunfo é a protagonista, uma mulher trans negra que vê sua vida virar do avesso quando descobre que teve um filho no passado, antes de sua readequação de gênero.
A estrela do projeto é a cantora Liniker. Ela havia estudado atuação no passado e se revelou como potência musical anos depois. No projeto do streaming, faz sua estreia em uma grande produção.
"Ter uma protagonista preta e trans nesse momento obscuro em que vivemos também tem sua importância como resistência e contracultura. É uma série que atravessa a discussão sobre os preconceitos. Falamos de formação de família, de amor, de dificuldades do dia a dia de um indivíduo comum. Isso já nos passa um pouco a sensação de que estamos mais à frente do que vivemos", explica o diretor Luis Pinheiro, de A Garota da Moto.
Na trama, Cassandra (Liniker) atravessa um ótimo momento na vida: está com trabalho fixo como motogirl em São Paulo, finalmente consegue pagar uma moradia sozinha e tem um namorado apaixonado por ela. Em paralelo, mantém uma carreira modesta como cantora, apresentando covers da cantora Vanusa (1947-2020) em uma boate.
"Acho que há muitos recortes da comunidade em que vivemos nos quais somos desassociados de nossa família de sangue e formamos pequenas famílias com pessoas próximas. Ela [Cassandra] tem um lugar seguro para ser acolhida, trocar ideias, falar um pouco das questões pessoais. Poder criar esse afeto e mostrar isso na TV, mesmo em um mundo lá fora que é oco, é muito importante", diz a cantora sobre a humanização da personagem.
No primeiro dia em sua quitinete, ela recebe a visita de Leide (Karine Teles, de Bacurau), com quem teve um caso no passado. A novidade é a existência de Gersinho (Gustavo Coelho), que a antiga conhecida diz ser seu filho. A dupla vive em um carro no Centro e ganha dinheiro com vendas de pequenos produtos e salgadinhos, com o apartamento simples de Cassandra sendo um luxo para eles, por ter uma cama e um chuveiro quente, por exemplo.
Karine Teles e Gustavo Coelho na série
A história mostra como essa movimentação dos recém-chegados transforma o mundo da personagem principal. Cassandra não sabia da existência do menino e pretende deixá-lo o mais longe possível de sua realidade. O garoto representa um impacto que parece errado na hora certa, e as pilantragens de Leide ao abusar da ajuda forçada só complicam ainda mais a situação.
O teor dramático ganha força na diferença das perspectivas de Cassandra e Gersinho. Enquanto a primeira enxerga no recém-chegado um obstáculo para o melhor momento de sua vida, o segundo tenta entender a dinâmica de ter um novo adulto importante em seu caminho --não há uma esperança de família, apenas o vislumbre de melhora na sua realidade. É a interação entre eles que dá energia para que a série chame a atenção.
Segundo a roteirista Josefina Trotta (Amigo de Aluguel), um de seus objetivos era observar os problemas sob um ponto de vista especial. "Uma forma de evitar o clichê foi nos colocar nos sapatos de Cassandra na hora de enfrentar o conflito principal. Os medos de criar uma criança, de desenvolver um vínculo amoroso e tantas outras coisas. Pensamos nesse sentido e a Alice [Marcone, roteirista trans] deu o norte para os pensamentos de Cassandra por meio de sua vivência", comenta a argentina, que assina o texto na companhia dos brasileiros Marcelo Montenegro (Lili, a Ex) e Alice Marcone (Born to Fashion).
"Mesmo eu, como pessoa trans e que vive no meio, preciso pesquisar e ir atrás de mais informações. É um lugar interessante poder mergulhar na construção dessa personagem e tratar com muito cuidado por causa dessa realidade única. O que acontece em produtos audiovisuais é resumir a motivação dramática em torno dessa identidade, além de muitas vezes mostrá-la por uma via trágica", critica Alice.
A atração utiliza o talento musical de Liniker a favor da trama. A protagonista não é apenas uma cantora para ter uma segunda vida atraente para o público. Os momentos no palco refletem os desejos internos da personagem, que se refletem por meio das canções, e as letras devem ser ouvidas e pesquisadas posteriormente. Até mesmo a insistência no repertório exclusivo de Vanusa mostra o quanto ela é focada em seu sonho de ter uma vida digna como uma mulher trans, com os pedidos para cantar Anitta e Pabllo Vittar sendo ignorados em prol de sua jornada pessoal.
Outro detalhe que promete agitar Manhãs de Setembro é a relação de Cassandra com mulheres do passado. Vanusa é a musa inspiradora pessoal e profissional. Algumas conversas internas entre elas (mas não com a voz verdadeira da cantora) aparecem em reflexões sobre erros e acertos vividos.
Uma ferida mais profunda envolve a mãe da protagonista. Lembrada em foto e nas perguntas de Gersinho, ela surge como peça-chave para certos motivos da dura conexão entre os familiares que acabaram de se conhecer, com o presente repetindo o passado entre aceitações e negações.
Em seu primeiro trabalho como atriz, Liniker aposta em um tom neutro para dar vida à protagonista. É difícil apontar grandes cenas para se lembrar de sua atuação, com uma naturalidade que não deixa muito espaço para erros. Assim como diz a letra da canção que dá nome à série, lançada nos anos 1970, a personagem é alguém que se fechou e se guardou ao mesmo tempo em que deseja falar e sair dessa situação ruim de anos.
"Nunca tinha feito nada importante [em atuação]. É muito doido se entender dentro de um projeto em que há responsáveis para cada área e perceber que a série não acontece sozinha. Tinha a ideia no meio de um processo musical, mas ver isso de outra perspectiva me enriqueceu, ampliou meu entendimento profissional", avalia Liniker.
Alguns coadjuvantes se sobressaem nos episódios, casos de Leide e Aristides (Gero Camilo, de Irmãos Freitas), este último em casal com Décio (Paulo Miklos). Nomes como Thomas Aquino, Clodd Dias, Isabela Ordoñez e Linn da Quebrada também aparecem.
A primeira temporada conta com cinco episódios, cada um com cerca de 30 de minutos de duração. Confira o trailer de Manhãs de Setembro:
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