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Verdades e mentiras

O que Olhos Que Condenam, sucesso da Netflix, tem a ver com o caso Neymar?

Reprodução/Record

O jogador Neymar Jr. após prestar depoimento para a polícia do Rio de Janeiro na noite de quinta-feira (6) - Reprodução/Record

O jogador Neymar Jr. após prestar depoimento para a polícia do Rio de Janeiro na noite de quinta-feira (6)

JOÃO DA PAZ

Publicado em 9/6/2019 - 6h08

Na última semana, Neymar Jr. virou o principal assunto no Brasil. O badalado jogador foi acusado pela modelo Najila Trindade de estupro. Muitas pessoas foram rápidas em julgar o craque como culpado, enquanto outras arremessaram pedras na jovem de 26 anos. Olhos Que Condenam, minissérie da Netflix que está fazendo o maior sucesso com a crítica, mostra justamente o cuidado que deve ser tomado ao se fazer um juízo de valor em situações delicadas como a de Neymar.

Ambos os casos se assemelham ao ocorrido com atletas da Universidade de Duke, instituição de ensino de elite nos Estados Unidos, em 2006. O documentário Fantastic Lies (2016), disponível no Watch ESPN, o streaming da ESPN, conta como jogadores da equipe de lacrosse da universidade, brancos e ricos, foram acusados de estuprar uma stripper negra, que mentiu sobre o ataque.

Olhos Que Condenam e Fantastic Lies caem como uma luva para quem está refletindo sobre as acusações contra o camisa 10 da Seleção Brasileira. Afinal, quem sabe realmente qual é a verdade?

reprodução/netflix

Em Olhos Que Condenam, Asante Blackk vive Kevin, jovem de 14 anos preso injustamente


Narrativa fabricada

A minissérie da Netflix é visceral ao retratar sem filtros como a polícia e a promotoria pública de Nova York montaram uma narrativa falsa para acusar cinco adolescentes negros e latinos de estuprar e agredir Trisha Meili, uma mulher branca e rica. O caso real, que ficou conhecido como a Corredora do Central Park, ocorreu há 30 anos. 

Somente ativistas em defesa de minorias ficaram ao lado dos garotos, fazendo protestos em que pediam justiça. Do outro lado do ringue, estava a massa da opinião pública e boa parte dos norte-americanos, massacrando os meninos.

A mídia comprou a versão oficial e ecoou o discurso de que negros e latinos, pobres e violentos, atormentavam o bem-estar de ricos brancos. O público deu corda a esse discurso da guerra racial, sempre presente em uma cidade diversa como Nova York.

A revolta foi tão grande que até Donald Trump, na época somente um empresário famoso do ramo imobiliário, pediu a volta da pena de morte nos Estados Unidos. Ele comprou um anúncio de página inteira no jornal Daily News, no qual direcionava seu desejo para "criminosos de todas as idades."

A polícia e promotoria venceram as primeiras batalhas e conseguiram, com suas mentiras, colocar os cinco adolescentes, tidos como estupradores, na prisão. O caso só foi resolvido de fato em 2002, assim que o verdadeiro estuprador assumiu a culpa. O quinteto teve suas condenações anuladas.

A justiça veio aos poucos. Em 2014, os cinco rapazes receberam uma indenização de US$ 41 milhões (R$ 158 milhões), maior valor pago pela cidade de Nova York em um caso policial. E logo após a estreia de Olhos Que Condenam na Netflix, a promotora Linda Feirstein sofreu um linchamento virtual, devido aos relatos de como ela manipulou o caso, chegando a chamar os meninos de "animais."

Ela perdeu cargos em instituições importantes e uma campanha foi lançada para incentivar o boicote a seus livros, pois depois do caso ela ganhou fama como uma bem-sucedida autora de romances policiais. Linda foi demitida da editora Dutton, que publicava seus livros.

reprodução/espn

David Evans, capitão do time de lacrosse de Duke, em entrevista para a imprensa, em 2006


Mentiras fantásticas

Em 2016, a ESPN lançou o documentário Fantastic Lies, rememorando um caso ocorrido uma década antes, que entrou para a história americana como uma colossal negligência jornalística e abuso de poder. A produção, disponível no Watch ESPN, o streaming do canal esportivo, foi dirigida por Marina Zenovich, vencedora de dois Emmys pelo documentário Roman Polanski, Wanted and Desired (2008).

Em 1 hora e 42 minutos, Fantastic Lies contou como o time de lacrosse da Universidade de Duke, formado por 46 homens brancos, a maioria deles de família rica, se envolveram em um caso de estupro de uma jovem negra e pobre. Eles eram a imagem do "macho privilegiado", o que os prejudicou na corte pública dos EUA.

Em 13 de março de 2006, o time de lacrosse fez uma festinha à base de bebidas, com muita curtição. Uma stripper negra chamada Crystal Mangum foi contratada para fazer a alegria dos rapazes, que sequer tocaram nela. Porém, ela prestou queixa afirmando que três jogadores da equipe a estupraram dentro de um banheiro.

Um dos problemas é que ela não sabia quem eram os supostos criminosos e não havia prova de DNA contra qualquer integrante do time. Porém, o promotor público da cidade de Durnham na época, Mike Nifong, acreditou na versão de Crystal e armou uma verdadeira cruzada contra os atletas.

Ele criou um discurso de que não havia mais espaço na sociedade contemporânea para homens brancos privilegiados que abusam do seu status contra pessoas menos favorecidas. E assim, a imprensa andou de mãos dadas com Nifong e também massacrou os jogadores. Logo, a população norte-americana se virou contra eles, pedindo a prisão dos supostos criminosos. O promotor batia na tecla que o que aconteceu foi um "crime de ódio".

Duke suspendeu a atividade do time por um ano (a equipe de lacrosse era uma dos melhores do país) e o treinador renunciou ao seu cargo.

Nifong abusou da sorte e montou um caso cheio de mentiras e imprecisões, incluindo falsificação de exames de DNA. Ele induziu Crystal a escolher, entre os 46 jogadores, três que a teriam estuprado. Eles foram acusados e sentaram no banco dos réus. Mas os advogados dos atletas desmentiram Nifong no tribunal, deixando o juiz do caso boquiaberto com os truques feitos pelo promotor.

Um ano depois da festinha, todas as acusações contra os três atletas foram retiradas. O Estado da Carolina do Norte declarou que eles eram "inocentes e vítimas".

E a imprensa, que durante meses apedrejou os jovens, fez uma enxurrada de mea-culpa. A mais famosa delas veio do prestigiado jornal The New York Times, com um artigo intitulado "Aos jogadores de Duke, nos desculpem". Segundo o editor do jornal, todo o caso foi "uma tragédia jornalística".

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