Estreia
Fotos Divulgação/Space
Vanessa Prieto em cena em que sua personagem, Sarita, leva tiro em filmagem de Mojica
DANIEL CASTRO
Publicado em 12/11/2015 - 6h24
Atualizado em 12/11/2015 - 14h13
Uma cena marca o primeiro episódio de Zé do Caixão, série de seis episódios que estreia nesta sexta-feira, 13, no canal Space. Durante a filmagem de seu primeiro longa-metragem, A Sina do Aventureiro, em 1958, em uma pequena cidade do interior de São Paulo, José Mojica Marins dirige uma cena em que uma atriz leva um tiro na altura do ombro. A bala é de verdade, mas ela não morre. A atriz é vítima do ciúme da mulher do delegado da cidade, que atua no filme e cede armas e balas de festim para a produção. Sua mulher, após ver o marido seduzido pela fogosa do cinema, troca as balas de festim por munição de verdade. A filmagem quase acaba em tragédia.
Na verdade, essa cena não aconteceu exatamente dessa forma. Biógrafo de Mojica e um dos roteiristas de Zé do Caixão, o jornalista André Barcinski conta que o tiro na Sarita (Vanesa Prieto) da série é uma junção de episódios desagradáveis do início da carreira do cineasta _trash para muitos, vanguardista para outros tantos, cultuado no exterior por gente como o franco-argentino Gaspar Noé, diretor de Irreversível (2003).
Matheus Nachtergaele interpreta Mojica nas filmagens de A Sina do Aventureiro
Na história real, quem levou um nas filmagens do faroeste A Sina do Aventureiro foi o ator Acácio de Lima, intérprete do protagonista. O tiro foi de festim mesmo, mas atingiu seu rosto, e Lima carrega a cicatriz até hoje. Tragédia de fato aconteceu no inacabado Sentença de Deus, em 1955, que seria o primeiro longa de Mojica, então com 17 anos (ele mentia a idade; dizia ter 24).
"Nas filmagens de Sentença de Deus, em 1955, a atriz principal morreu afogada numa piscina dos estúdios da Vera Cruz, numa festa. A substituta dela foi atropelada por um acidente de trem e perdeu uma perna. Os acidentes fizeram que Mojica nunca terminasse o filme", lembra Barcinski, que divide com o jornalista Ivan Finotti a autoria de Maldito - A Vida e o Cinema de José Mojica Marins, lançado originalmente em 1998 e que até o final do mês ganha nova edição, com sugestivas 666 páginas (200 a mais do que a versão original).
Zé do Caixão, a série do Space, é baseada em Maldito, mas não é uma telebiografia convencional, documental. Parte da interessantíssima vida de Mojica, nascido numa sexta-feira, 13, há 78 anos, e é contada com uma acachapante interpretação de Matheus Nachtergaele, com todos os erres e erros de português. A produção é uma obra de teledramaturgia, uma ficção baseada em uma história real. É isso o que a torna ainda mais bacana, uma das melhores obras nacionais da TV paga no ano.
A vida de Mojica, de 1958 até meados de 1980, é narrada a partir dos bastidores de seis filmes representativos da diversidade de sua obra. Cada episódio se dedica a um longa, refazendo algumas de suas cenas. Além do faroeste que abre a série, há À Meia-Noite Levarei (1964), em que surge seu personagem mais famoso, Zé do Caixão, e Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver (1966), ambos rotulados como filmes de terror. Filmado em 1969, o surreal e altamente político O Ritual dos Sádicos (também conhecido como O Despertar da Besta), para muitos uma obra-prima de gênio do cinema, é o tema do quarto episódio. O longa, censurado pelos militares, só foi visto em festivais nos anos 1980. Falido, Mojica teve então que apelar para um cinema mais comercial: fez a pornochanchada Perversão (1978) e o pornográfico 24 Horas de Sexo Explícito (1985), com a primeira cena de zoofiliado cinema nacional. Essas duas películas fecham a série.
"A gente mostra um cara que dirige altos planos cinematográficos e que vai cortar as [longas] unhas no programa de Gugu Liberato por dinheiro", resume Nachtergaele, para quem a carreira de Mojica oscilou do sucesso à rejeição pelo mercado ("Nenhuma empresa colocava dinheiro no Zé do Caixão"). Zé do Caixão, a maior obra de Mojica, no entanto, é um "personagem saborosíssimo". "Acho que Zé do Caixão habita nossos pesadelos mais profundos, representa nossos medos, as lendas urbanas. É o coveiro, brasileiro, ateu, niilista, que acredita que a única coisa que faz sentido em sua vida é a perpetuação de seu sangue", define Nachtergaele.
Diretor da série, o cineasta Vitor Mafra (responsável pelo longa Lascados, de 2014, com Chay Suede) conta que a ideia original era fazer um filme, em 2008, mas o projeto ganhou outro rumo. "O grande barato da série é mostrar como o Mojica filmava, como ele resolvia os problemas de produção, como conseguia dinheiro", afirma. "Eu queria mostrar a nossa vida. É sofrimento, não tem glamour."
Isso a série mostra logo no primeiro episódio. O autodidata Mojica, que aprendeu a fazer filmes os vendo no cinema em que o pai trabalhava, já dava aula de intrepretação aos 17 anos. E cobrava de seus alunos para atuarem em seus filmes. A Sina do Aventureiro, o primeiro que chegou às salas de exibição, foi feito nesse esquema. Boicotado pelo padre da cidade-locação, contornava as dificuldades com criatividade. Escalando o delegado para atuar como um policial, por exemplo. Ou pintando os dois cavalos que tinha para filmar uma perseguição.
A série mimetiza a criatividade de Mojica quando sintetiza vários personagens em um só, como a atriz baleada do início deste texto. Ela não é a única personagem-síntese. Há Dirce (Maria Helena Chira), que representa a montadora, a secretária e a mulher dos filhos de Mojica. Ou Chicão, fusão de Carlos Reichenbach, Jairo Ferreira e Luís Sérgio Person _três cineastas muito importantes para Mojica. Ou Attili (Antonio Saboia), principal diretor de fotografia de Mojica, que está em todos os episódios _mas, na real, não estava em A Sina do Aventureiro, como mostra a série. "A gente não podia contar todos os filmes de Mojica na série. Então a gente juntou episódios e fundiu personagens", justifica Barcinski. E funcionou muito bem.
Programa: Zé do Caixão. Estreia: 13/11
Quando: sextas, às 22h30, com reprises aos domingos, às 23h, e terças, às 21h50
Onde: Space
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