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RIO-PARIS

Globo dribla acordo para usar IA em série e causa protesto de dubladores

REPRODUÇÃO/GLOBOPLAY

Ophélie Toulliou, irmã de Nicolas, uma das vítimas do voo 447

Ophélie Toulliou, irmã de Nicolas, uma das vítimas do voo 447; entrevista foi dublada por IA

ODARA GALLO

odara@noticiasdatv.com

Publicado em 5/6/2024 - 17h25
Atualizado em 5/6/2024 - 18h09

A Globo aproveitou uma brecha no acordo feito com dubladores e usou inteligência artificial na série Rio-Paris: A tragédia do Voo 447, que estreou na última semana no Globoplay. Alguns dos entrevistados do documentário receberam vozes geradas mecanicamente, o que provocou protesto do movimento Dublagem Viva. A empresa afirma que cumpriu o combinado com empresas do setor.

No início de cada um dos quatro episódios da produção, o espectador é impactado pela seguinte mensagem: "A versão em português das entrevistas concedidas em língua estrangeira para este documentário foi feita a partir da voz dos próprios entrevistados, com o uso de inteligência artificial, respeitando-se todos os direitos e leis aplicáveis. O conteúdo das dublagens é fiel às entrevistas originais. Os entrevistados que não aceitaram a dublagem foram legendados".

O lançamento da série provocou barulho nas redes sociais. Assim que os episódios entraram no catálogo do Globoplay, o perfil Dublagem Viva soltou um comunicado rechaçando a prática. "Só neste único projeto, estima-se que aproximadamente 50 profissionais, direta e indiretamente ligados à dublagem, perderam trabalho. Imaginem só se todas as distribuidoras, serviços de streaming e produtoras decidirem fazer isso a partir de agora?", questiona um trecho da postagem.

Para inserir IA em sua produção, a Globo jogou com o regulamento debaixo do braço. Ainda que não haja leis específicas para a utilização desse tipo de tecnologia em produtos audiovisuais, a empresa afirma que cumpriu o acordo assumido com as empresas de dublagem.

"Cumprimos o compromisso assumido com algumas empresas de dublagem de não utilizar as vozes de seus dubladores através de processos de IA ou para o treinamento de IA", diz a nota enviada (leia na íntegra no final do texto) após o questionamento do Notícias da TV.

Ainda que a inteligência artificial, na prática, tenha substituído dubladores humanos, as vozes usadas no processo foram dos próprios entrevistados e com autorização deles. A Globo, assim, driblou qualquer problema com direitos autorais e marcou um gol para baixar o custo de pós-produção.

Tecnologia x acessibilidade

Questionada pela reportagem, a Globo não deu detalhes de como é feita a dublagem por IA, nem esclareceu se um dublador foi ou não usado como voz-guia para interpretar as entrevistas que utilizaram a tecnologia. Mas o protesto da Dublagem Viva aponta outros problemas na ausência de profissionais.

"A língua portuguesa em sua variante brasileira é fruto do nosso país. Ao se utilizar inteligência artificial generativa para dublar uma obra audiovisual, mesmo usando as vozes originais como base, temos um produto de baixa qualidade, com a melodia e o ritmo de outro idioma", afirma.

Além disso, os personagens que não toparam terem suas vozes usadas por IA foram legendados na produção, o que gera um problema de acessibilidade --com cegos e pessoas que têm dificuldade de leitura, por exemplo.

"A IA sem regulamentação não é o futuro, infelizmente ela é o presente.
Um presente que ameaça empregos e, consequentemente, rendas e famílias inteiras de manterem um padrão de vida minimamente digno", lamenta o movimento Dublagem Viva.

Confira na íntegra a nota da Globo sobre o uso de IA em Rio-Paris:

"A Globo sempre esteve na vanguarda da inovação tecnológica e não tem sido diferente com a adoção da inteligência artificial. Antes mesmo de as ferramentas disponíveis estarem sendo aplicadas pelo mercado, realizamos testes e desenvolvemos soluções internas que estão em experimentação e uso, especialmente em apoio aos talentos, aos processos produtivos e à acessibilidade. Assim como em nossas demais atividades, sempre de forma ética, com transparência, buscando a qualidade e respeitando a questão dos direitos. Foi o que aconteceu em Rio-Paris: cumprimos o compromisso assumido com algumas empresas de dublagem de não utilizar as vozes de seus dubladores através de processos de IA ou para o treinamento de IA."

Rio-Paris: A Tragédia do Voo 447

A série documental reconta a história do avião da Air France que caiu no oceano horas depois de decolar do Rio de Janeiro rumo a Paris. A aeronave tinha a bordo 228 pessoas de 32 nacionalidades, sendo 59 brasileiros.

Rio-Paris - A Tragédia do voo 447 é uma produção do Jornalismo da Globo para o Globoplay e traz depoimentos de familiares, reconstituição da noite do acidente, entrevistas com especialistas e reportagens exibidas na época.

As conversas entre os pilotos na cabine do avião foram reproduzidas a partir das gravações das caixas-pretas, encontradas quase dois anos depois do acidente.

"Foi um desafio enorme manter a série fiel ao conteúdo das caixas-pretas e aos relatórios investigativos das autoridades francesas, com contrapontos de pessoas diretamente ligadas às buscas e investigações, e também especialistas do setor. Mas revisitar a dor da perda é sempre mais complicado. Fazer um recorte honesto, conseguir retratar um pouco do sofrimento de cada um e, ao mesmo tempo, render uma homenagem a todas as vítimas foi sempre um norte para toda equipe", disse o roteirista Gabriel Mitani em entrevista enviada à imprensa.

Movimento dos dubladores

O uso de IA em produções audiovisuais foi ponto crucial da discussão durante a greve dos autores de Hollywood, que durou quase quatro meses em 2023. Alinhados a essa tendência, dubladores brasileiros criaram o Dublagem Viva, para pedir atenção à regulamentação do setor.

A principal reivindicação é que artistas não sejam substituídos por tecnologia de inteligência artificial generativa, que é capaz de recriar falas a partir de registros gravados anteriormente. Um relatório da Universidade de Oxford, publicado em 2013, inclui os dubladores entre profissionais colocados em risco pelo avanço da tecnologia.

Enquanto a regulamentação não vem, estúdios ao redor do mundo experimentam IA em suas produções, principalmente com o uso de réplicas realistas, que reduzem o número de figurantes numa cena de guerra, por exemplo.

No Brasil, os dubladores querem equilibrar os avanços tecnológicos com a preservação de empregos. Para isso, os profissionais têm convocado fãs para a audiência pública que ocorre no próximo dia 17 na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) em defesa do direito dos dubladores.


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