Menu
Pesquisar

Buscar

Facebook
X
Threads
BlueSky
Instagram
Youtube
TikTok

RIO-PARIS

Globo dribla acordo para usar IA em série e causa protesto de dubladores

REPRODUÇÃO/GLOBOPLAY

Ophélie Toulliou, irmã de Nicolas, uma das vítimas do voo 447

Ophélie Toulliou, irmã de Nicolas, uma das vítimas do voo 447; entrevista foi dublada por IA

ODARA GALLO

odara@noticiasdatv.com

Publicado em 5/6/2024 - 17h25
Atualizado em 5/6/2024 - 18h09

A Globo aproveitou uma brecha no acordo feito com dubladores e usou inteligência artificial na série Rio-Paris: A tragédia do Voo 447, que estreou na última semana no Globoplay. Alguns dos entrevistados do documentário receberam vozes geradas mecanicamente, o que provocou protesto do movimento Dublagem Viva. A empresa afirma que cumpriu o combinado com empresas do setor.

No início de cada um dos quatro episódios da produção, o espectador é impactado pela seguinte mensagem: "A versão em português das entrevistas concedidas em língua estrangeira para este documentário foi feita a partir da voz dos próprios entrevistados, com o uso de inteligência artificial, respeitando-se todos os direitos e leis aplicáveis. O conteúdo das dublagens é fiel às entrevistas originais. Os entrevistados que não aceitaram a dublagem foram legendados".

O lançamento da série provocou barulho nas redes sociais. Assim que os episódios entraram no catálogo do Globoplay, o perfil Dublagem Viva soltou um comunicado rechaçando a prática. "Só neste único projeto, estima-se que aproximadamente 50 profissionais, direta e indiretamente ligados à dublagem, perderam trabalho. Imaginem só se todas as distribuidoras, serviços de streaming e produtoras decidirem fazer isso a partir de agora?", questiona um trecho da postagem.

Para inserir IA em sua produção, a Globo jogou com o regulamento debaixo do braço. Ainda que não haja leis específicas para a utilização desse tipo de tecnologia em produtos audiovisuais, a empresa afirma que cumpriu o acordo assumido com as empresas de dublagem.

"Cumprimos o compromisso assumido com algumas empresas de dublagem de não utilizar as vozes de seus dubladores através de processos de IA ou para o treinamento de IA", diz a nota enviada (leia na íntegra no final do texto) após o questionamento do Notícias da TV.

Ainda que a inteligência artificial, na prática, tenha substituído dubladores humanos, as vozes usadas no processo foram dos próprios entrevistados e com autorização deles. A Globo, assim, driblou qualquer problema com direitos autorais e marcou um gol para baixar o custo de pós-produção.

Tecnologia x acessibilidade

Questionada pela reportagem, a Globo não deu detalhes de como é feita a dublagem por IA, nem esclareceu se um dublador foi ou não usado como voz-guia para interpretar as entrevistas que utilizaram a tecnologia. Mas o protesto da Dublagem Viva aponta outros problemas na ausência de profissionais.

"A língua portuguesa em sua variante brasileira é fruto do nosso país. Ao se utilizar inteligência artificial generativa para dublar uma obra audiovisual, mesmo usando as vozes originais como base, temos um produto de baixa qualidade, com a melodia e o ritmo de outro idioma", afirma.

Além disso, os personagens que não toparam terem suas vozes usadas por IA foram legendados na produção, o que gera um problema de acessibilidade --com cegos e pessoas que têm dificuldade de leitura, por exemplo.

"A IA sem regulamentação não é o futuro, infelizmente ela é o presente.
Um presente que ameaça empregos e, consequentemente, rendas e famílias inteiras de manterem um padrão de vida minimamente digno", lamenta o movimento Dublagem Viva.

Confira na íntegra a nota da Globo sobre o uso de IA em Rio-Paris:

"A Globo sempre esteve na vanguarda da inovação tecnológica e não tem sido diferente com a adoção da inteligência artificial. Antes mesmo de as ferramentas disponíveis estarem sendo aplicadas pelo mercado, realizamos testes e desenvolvemos soluções internas que estão em experimentação e uso, especialmente em apoio aos talentos, aos processos produtivos e à acessibilidade. Assim como em nossas demais atividades, sempre de forma ética, com transparência, buscando a qualidade e respeitando a questão dos direitos. Foi o que aconteceu em Rio-Paris: cumprimos o compromisso assumido com algumas empresas de dublagem de não utilizar as vozes de seus dubladores através de processos de IA ou para o treinamento de IA."

Rio-Paris: A Tragédia do Voo 447

A série documental reconta a história do avião da Air France que caiu no oceano horas depois de decolar do Rio de Janeiro rumo a Paris. A aeronave tinha a bordo 228 pessoas de 32 nacionalidades, sendo 59 brasileiros.

Rio-Paris - A Tragédia do voo 447 é uma produção do Jornalismo da Globo para o Globoplay e traz depoimentos de familiares, reconstituição da noite do acidente, entrevistas com especialistas e reportagens exibidas na época.

As conversas entre os pilotos na cabine do avião foram reproduzidas a partir das gravações das caixas-pretas, encontradas quase dois anos depois do acidente.

"Foi um desafio enorme manter a série fiel ao conteúdo das caixas-pretas e aos relatórios investigativos das autoridades francesas, com contrapontos de pessoas diretamente ligadas às buscas e investigações, e também especialistas do setor. Mas revisitar a dor da perda é sempre mais complicado. Fazer um recorte honesto, conseguir retratar um pouco do sofrimento de cada um e, ao mesmo tempo, render uma homenagem a todas as vítimas foi sempre um norte para toda equipe", disse o roteirista Gabriel Mitani em entrevista enviada à imprensa.

Movimento dos dubladores

O uso de IA em produções audiovisuais foi ponto crucial da discussão durante a greve dos autores de Hollywood, que durou quase quatro meses em 2023. Alinhados a essa tendência, dubladores brasileiros criaram o Dublagem Viva, para pedir atenção à regulamentação do setor.

A principal reivindicação é que artistas não sejam substituídos por tecnologia de inteligência artificial generativa, que é capaz de recriar falas a partir de registros gravados anteriormente. Um relatório da Universidade de Oxford, publicado em 2013, inclui os dubladores entre profissionais colocados em risco pelo avanço da tecnologia.

Enquanto a regulamentação não vem, estúdios ao redor do mundo experimentam IA em suas produções, principalmente com o uso de réplicas realistas, que reduzem o número de figurantes numa cena de guerra, por exemplo.

No Brasil, os dubladores querem equilibrar os avanços tecnológicos com a preservação de empregos. Para isso, os profissionais têm convocado fãs para a audiência pública que ocorre no próximo dia 17 na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) em defesa do direito dos dubladores.


Mais lidas


Comentários

Política de comentários

Este espaço visa ampliar o debate sobre o assunto abordado na notícia, democrática e respeitosamente. Não são aceitos comentários anônimos nem que firam leis e princípios éticos e morais ou que promovam atividades ilícitas ou criminosas. Assim, comentários caluniosos, difamatórios, preconceituosos, ofensivos, agressivos, que usam palavras de baixo calão, incitam a violência, exprimam discurso de ódio ou contenham links são sumariamente deletados.