VIOLÊNCIA NA TV
Imagens: Divulgação/NBC
Phil Rice e Jason Beghe na quarta temporada de Chicago P.D.; o branco é a lei autoritária, e o negro é o crime
JOÃO DA PAZ
Publicado em 3/6/2020 - 5h12
Gênero mais popular da TV americana, com as três séries mais vistas da atualidade (NCIS, FBI e Blue Bloods), os dramas policiais perpetuam a ideia do policial branco herói e do homem negro criminoso. É o que mostra uma pesquisa acadêmica detalhada que levou em consideração 26 atrações, 353 episódios e quase 2 mil personagens.
A representação equivocada da relação entre polícia e minorias (negros, mulheres, latinos e outros) foi destrinchada em um relatório didático feito em parceria da organização Color of Change com o departamento de Estudos Sociais e Políticas Públicas da Universidade do Sul da Califórnia, a USC. Publicada em janeiro, a pesquisa analisou as produções escolhidas para traçar exemplos de como policiais, vítimas e suspeitos são apresentados.
Um dos focos principais foi observar os comportamentos de agentes da lei (polícia, advogados, procuradores, delegados e afins) e a caracterização dos personagens que cometem ilegalidades (suspeitos ou criminosos). No total, 64% das representações de atitudes passíveis de punição foram cometidas por pessoas de cor (predominantemente negras) ou mulheres.
"O que transmite a ideia de que comportamentos repreensíveis são mais propícios de serem praticados por mulheres e pessoas de cor do que como deveria ser retratado, que homens brancos também podem ser criminosos", aponta o relatório.
O grupo estudou episódios da temporada 2017-2018 de séries de todas as plataformas e redes, como NCIS (CBS), Law & Order: SVU (NBC), Mindhunter (Netflix) e Máquina Mortífera (Fox). Chamado de Injustiça Normalizada, o projeto chamou a atenção sobre como esse tipo de drama torna a injustiça racial aceitável.
Foram catalogados 453 atos passíveis de punição cometidos por agentes nessa pesquisa. Somente 13 deles foram investigados (3%). Entre todos os 353 episódios vistos, só seis personagens da lei foram acusados formalmente de crimes por ações errôneas (em NCIS: New Orleans, Bull e Seven Seconds). E apenas quatro foram suspensos por causa do seu comportamento.
O público que consome esse gênero passa a ter a impressão de que a realidade é aquela vista na tela. Uma pessoa de cor comete um crime e um policial caucasiano resolve o problema, muitas vezes atropelando protocolos e abusando da autoridade.
Esse personagem faz isso porque seus atos ilícitos saem ilesos e condecorados. O grande exemplo é o sargento corrupto Hank Voight (Jason Beghe) de Chicago P.D.; cenas como a retratada na foto que abre este texto são comuns na série.
O sentimento de impunidade vendido pelos dramas policiais ganha as ruas. Basta olhar o atual caso de George Floyd, negro morto asfixiado por Derek Chauvin, policial branco. Floyd foi subjugado com o joelho do policial pressionando seu pescoço contra o chão durante quase nove minutos. Até esse assassinato, Chauvin tinha 18 reclamações contra sua conduta enquanto vestia farda. Nada foi feito para puni-lo.
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Um ponto importante da pesquisa foi colocar em números a maneira com que homens negros aparecem em cenas portando armas, como criminosos em cidades populosas, o que passa uma mensagem enganosa.
A maioria das séries pesquisadas (70%) são ambientadas em grandes cidades, como Chicago, Los Angeles e Nova York. Associar o negro como um homem armado e perigoso só reforça estereótipos.
Enquanto o policial branco termina um caso como o salvador do dia, e o homem negro fica atrás das grades, um elemento no meio dessa história também é mal representado. Os telespectadores viram na temporada 2017-2018 mais mulheres brancas vítimas de alguma violência do que o contrário. Apenas em 9% dos casos investigados a vítima era uma mulher negra.
Aqui entra uma questão importante: como corrigir isso. O relatório propõe saídas, entre elas uma bem óbvia, que é ter roteiristas negros e negras participando do desenvolvimento dos episódios, para dar uma perspectiva diferente da padrão.
Law & Order: SVU teve o segundo maior número de casos com mulheres vítimas de crimes, mas o pior nível de negras como vítimas. A série mais duradoura da história não tinha sequer um roteirista de cor na equipe da temporada 2017-2018.
A TV tem um papel fundamental em como encena suas histórias, pois há uma chance de uma mensagem errada ser transmitida. Rashad Robinson, presidente da Color of Change, ilustra muito bem isso em seu comentário no relatório.
"TV é ficção. Mas há diferentes tipos de ficções. Tem aquela do drama hospitalar, com médicos mergulhados em triângulos amorosos. E tem aquela em que um grupo de médicos trata como fato teorias conspiratórias antivacinas". Robinson entra depois nas séries policiais. "O problema com o crime e o gênero policial é que a última hipótese sempre prevalece: representações [da realidade] distorcidas, verdadeiramente perigosas e irresponsáveis".
Essas foram as séries analisadas: How to Get Away with Murder, Máquina Mortífera, 911, Brooklyn Nine-Nine, Goliath, Sneaky Pete, Bosch, Law & Order: SVU, The Blacklist, Chicago P.D., Blindspot, Shades of Blue, Orange Is the New Black, Narcos, Mindhunter, Seven Seconds, Luke Cage, Bull, Blue Bloods, S.W.A.T., Hawaii Five-0, Criminal Minds, NCIS, NCIS: New Orleans e NCIS: Los Angeles.
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