Análise: Novela das nove
Reprodução/TV Globo
Giovanna Antonelli (Clara) e Julia Lemmertz (Helena) em cena de Em Família, novela da Globo
RAPHAEL SCIRE
Publicado em 19/2/2014 - 22h56
Atualizado em 20/2/2014 - 7h03
Depois de uma primeira fase cozinhada em banho-maria, Em Família finalmente teve início com sua terceira fase. Em que pesem os erros de escalação de grande parte do elenco e a licença poética que o autor se permitiu com a inserção delirante da Fênix computadorizada, a história de Manoel Carlos não foge de seu universo autoral, com o qual o telespectador já está familiarizado.
Para se ter uma ideia de como a trivialidade é ponto alto e central da narrativa de Maneco, na semana passada havia uma cena em que absolutamente nada acontecia: Helena (Julia Lemmertz) e Clara (Giovanna Antonelli) andavam por uma feira livre no Leblon e conversavam sobre o preço das hortaliças e do tomate, o peixe e o frango vendidos. No meio do diálogo, uma menção e outra a um personagem da história. Era o momento perfeito para o telespectador pegar o controle remoto e zapear para a concorrência, não fosse o texto do autor.
Manoel Carlos sabe fisgar quem assiste suas novelas pela qualidade de seus diálogos. Suas tramas são “literatura audiovisual”, não é exagero dizer. Realista, quase crônica do cotidiano carioca, a teledramaturgia de Maneco fala do trivial, mas também vai a fundo na subjetividade de seus personagens.
Justamente por ser um cronista autor de novela, suas criações passam longe de serem personagens tipos. São humanos, com defeitos e qualidades inerentes a todos nós. A protagonista Helena é o melhor exemplo: é heroína, mas é, sobretudo, errante. É mãe, mas não deixa de ser mulher, de ter vontades, de lutar por quem ama e pelo que ama. E a Helena da vez não foge disso: Julia Lemmertz mostrou-se a atriz perfeita para o papel e com pouco tempo no ar já dá mostras de que promete.
Outra característica que desponta em meio ao banal nas novelas de Maneco é a inserção de temas sociais. Sem dúvida alguma, o alcoolismo é seu tema mais recorrente, aparece em todas as suas tramas. Ainda que seja o mesmo tema, a abordagem dada a ele é sempre diferente e inserida no contexto do personagem. Dessa vez, é Felipe (Thiago Mendonça), o irmão problemático de Helena, quem carrega nas costas o fardo dos porres. Médico, ele se embriaga no horário de trabalho e pode ser que daí surja alguma consequência que se desdobre em outra trama, costurando os oito meses que a novela ainda tem pela frente.
A “empregada parte da família” também é figura constante. Interessante a trama de Juliana (Vanessa Gerbelli), a patroa que não pode ter filhos e que se vê refém emocional da ajudante Gorete (Carol Macedo). Vanessa Gerbelli já mostrou que o choro vai correr solto e a tensão existente na cena que fechou o capítulo de quinta-feira foi eletrizante: a patroa se jogava no chão, implorando para que a empregada não fosse embora. Manoel Carlos também se sobressai nos barracos.
Mas nem tudo é perfeito nas novelas dele. O gancho, aquele recurso dramatúrgico que prende o telespectador entre um bloco e outro, é quase inexistente e fica restrito ao final dos capítulos, isso quando há.
Quanto à polêmica envolvendo a idade de Natália do Vale (Chica) e Julia Lemmertz, mãe e filha na história, isso é irrelevante. Aos poucos, o público assimila a ideia e a trama segue o rumo. Salta aos olhos, porém, a mudança no comportamento de Chica, que nas primeiras fases era uma mulher quase apagada e na terceira tornou-se um furacão de energia e vitalidade. Estranho.
No mais, Em Família cumpre o prometido: é novelão clássico, folhetinesco mas sem grandes surpresas. Reviravolta a todo instante é coisa para João Emanuel Carneiro. Com Manoel Carlos, o ritmo é outro: bate-papo na mesa do café-da-manhã embalado por uma bossa nova clássica.
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