Análise | Teledramaturgia
Cauiá Franco/TV Globo
Selton Mello interpreta o bon vivant Augusto de Valmont na minissérie Ligações Perigosas
RAPHAEL SCIRE
Publicado em 9/1/2016 - 7h56
Diante da dificuldade de se adaptar um romance estritamente epistolar (escrito em forma de cartas), a estreante Manuela Dias apostou no aprofundamento da psicologia doentia dos protagonistas de Ligações Perigosas, minissérie da Globo baseada em texto de Choderlos de Laclos publicado em 1782. Falta à produção, de apuro estético notável, mais combustão. Com um sexo até exemplar, ganhou terreno a patologia na personalidade dos vilões.
A autora não deixou de lado as cartas que permeiam a história de Isabel (Patrícia Pillar) e Augusto (Selton Mello) e foi além, explorando as camadas psicológicas dos dois protagonistas. Entre eles há uma sedução latente: Isabel e Augusto brincam com o poder e com a capacidade de seduzir que possuem, beirando o doentio. Ela, com sede de poder e ele, de conquista, que chega a ser gratuita. A dicotomia racionalidade versus passionalidade de Augusto salta aos olhos. Ele é cerebral, mas nem por isso deixa de ter seu lado sexy.
Isabel não fica atrás. Perante a sociedade, é um exemplo de moral e bons costumes. Manipuladora, sabe jogar para conquistar seus interesses. Ela quer se casar com Heitor (Leopoldo Pacheco), um homem que fez sua própria fortuna e tem ambições políticas, mas para isso precisa de uma mulher. Isabel crê ser a escolhida, mas é surpreendida com o pedido de Heitor pela mão de Cecília (Alice Wergmann), sobrinha dela.
Com orgulho ferido, ela propõe a Augusto seduzir a garota e tirar sua virgindade, mas ele está mais interessado em conquistar a beata Mariana (Marjorie Estiano). Tem início, então, um jogo entre eles, as tais ligações perigosas. Mas a vaidade dele pode colocar a perder os interesses dela, o que pode gerar situações que exacerbem ainda mais esse caráter patológico da personalidade dos dois e que certamente devem ser exploradas pelo roteiro.
Sofisticação mistura-se à libertinagem. Desejo e insinuações. O sexo aqui assume uma postura "exemplar": não há nudez, as cenas com voltagem sexual são poucas, ou seja, dá pra ver com a família, não choca tanto; é tudo subentendido, pressuposto, sussurrado, o que, por outro lado, mostra um ponto forte da série: não é preciso ser vulgar para impressionar.
É verdade que Ligações Perigosas está bem mais contida do que outras produções do horário, o que talvez explique sua exibição logo após a novela das nove, um ganho, sem dúvida, para o produto. A sequência mais forte até agora foi a do estupro de Cecília por Augusto, numa cena em que ficou duvidoso se a vítima gostou ou não do abuso que sofreu.
Quanto ao elenco, destaque para Isabella Santoni como a jovem Isabel. Entregue à personagem, deixou de lado a imagem de adolescente que conquistou com Malhação (2014). Patrícia Pillar é, sem dúvida, o grande destaque da produção e mostra-se melhor a cada trabalho que realiza. Jesuíta Barbosa, porém, decepcionou como Felipe. Ainda que o papel de mocinho não seja lá dos mais gratos, o ator parece deslocado do restante do elenco, sem um pingo de expressividade.
Na outra ponta
A Record não perdeu tempo e também lançou uma minissérie de começo de ano. Trata-se da segunda temporada de Conselho Tutelar. Ainda que seja louvável a iniciativa da emissora de priorizar a produção própria, o comparativo com a série da Globo soa até injusto: além da qualidade visivelmente inferior, o texto didático não ajuda e a temática não é nada atraente. Foi (mais) um erro de estratégia da emissora colocar Conselho Tutelar para competir com Ligações Perigosas.
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