PRIMEIRA MOCINHA NEGRA
Reprodução/TV Manchete
A atriz Taís Araujo em cena como a personagem principal da novela Xica da Silva
FERNANDA LOPES
Publicado em 14/9/2016 - 5h30
Há 20 anos, estreava na TV Manchete a novela Xica da Silva, um marco na televisão brasileira. Além de ter apresentado a primeira protagonista negra da teledramaturgia nacional, foi também a primeira novela de sucesso de Walcyr Carrasco e consagrou Taís Araujo, que interpretou, com apenas 17 anos de idade, uma das personagens mais fortes de sua carreira. Ao analisar sua performance hoje, com mais de dez novelas no currículo, a atriz julga que ainda estava muito crua quando a trama foi ao ar.
"Xica da Silva já foi reprisada duas vezes, e todas as vezes que eu via as reprises, achava que era um trabalho tão verde... Mas a minha carreira começou de fato ali, né. [Aprendi] O que era mesmo a pegada, o que significa, a dedicação à cena, ainda mais aos 17 anos. Entendi como seria minha vida como profissional. Por ter sido nessa fase também, foi uma novela com muitos significados. Me trouxe uma maturidade precoce, foi muito importante para mim", afirma.
A novela foi ao ar pela primeira vez no dia 17 de setembro de 1996, e teve 231 capítulos. Taís trabalhava com teatro desde os 11 anos e havia feito parte do elenco de Tocaia Grande (1995) antes de começar as gravações de Xica da Silva. Mesmo assim, ela teve que enfrentar desafios inéditos até então em sua carreira, como fortes cenas de violência e erotismo. A atriz ainda era menor de idade quando apareceu em cenas de nudez e estupro, o que gerou controvérsia na época.
Para encarar as dificuldades do trabalho, Taís afirma que teve muita ajuda do diretor da trama, Walter Avancini (1935-2001). "Essa novela foi tão importante para mim, tanta coisa me marcou. Mas, sem dúvida alguma, [o mais marcante foi] poder viver todo aquele tempo com o Avancini. Ele já estava comigo desde Tocaia Grande, depois me escolheu para fazer Xica da Silva. Eu o considero meu grande mestre, o cara que me ensinou muitas das coisas que eu sei, desde a maneira de me relacionar, de ver meu ofício. Então o que eu mais lembro foi a minha relação com o Avancini e tudo que ele me ensinou", conta.
Reprodução/TV Manchete
As atrizes Zezé Motta e Taís Araujo, que interpretavam mãe e filha na novela Xica da Silva
A ascensão do excluído
Xica da Silva foi uma novela baseada no romance Chica que Manda, de Agripa Vasconcellos, e escrita por Walcyr Carrasco (sob o pseudônimo de Adamo Angel). A história girava em torno de Xica, uma escrava inteligente, atrevida e vingativa. Depois de ser muito humilhada pela sociedade de Arraial do Tijuco, em Minas Gerais, no século 18, ela desperta a paixão de um homem branco e rico e passa a viver como sua mulher. Ao lado do contratador João Fernandes (Victor Wagner), ela passa a agir como a rainha do local, esnobando as pessoas que a desprezavam.
A novela foi a segunda que Carrasco escreveu (atrás apenas de Cortina de Vidro, que foi ao ar em 1989 no SBT), e até hoje ele encontra semelhanças entre seu estilo naquela época e suas produções atuais.
"Eu acho que eu tenho predileção pelo [personagem] excluído, por aquela pessoa que é excluída de alguma maneira na sociedade e que vive a trajetória de superação. Na minha primeira novela de sucesso, Xica da Silva, [a protagonista] é uma escrava que tem um caso amoroso com um contratador que era o homem mais rico da época. Ao tomar o poder, ela não vira uma pessoa boa; ela passa a se vingar enormemente da sociedade branca, a ponto de cortar a água de todo mundo. Mas era uma heroína, e o público aceitava que ela se vingasse. E gostava. Na minha trajetória, percebo sempre essa predileção pelo excluído", ele disse, durante debate no seminário do Obitel (Observatório Ibero-americano de Ficção Televisiva), realizado na USP (Universidade de São Paulo).
Xica da Silva foi a primeira protagonista negra de uma telenovela no Brasil. Mais tarde, Taís Araujo interpretaria também a primeira protagonista negra de uma novela da Globo: Preta, de Da Cor do Pecado (2004). A atriz acredita que a qualidade dos personagens que é convidada a interpretar melhorou de lá para cá, mas ainda deseja mais presença de profissionais negros na frente e trás das câmeras na TV.
"Falta representação negra, ainda mais se a gente for colocar quantos somos e quanto estamos na TV. Essa representatividade quase não existe. O que melhorou é a qualidade dos personagens. Antes eram só personagens que ficavam à margem, e hoje em dia não, somos importantes dentro de todas as tramas. Mas a gente quer mais. Na verdade, o que falta na televisão é nossa história ser contada por nós, e não outras pessoas. Enquanto não tivermos atores negros, diretores negros, a gente sempre vai estar aquém do que a gente poderia", afirma.
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