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ADEUS AOS LATIFUNDIÁRIOS

José Inocêncio é coronel em Renascer? Remake ignora mudança de perfil político

FOTOS: FÁBIO ROCHA/TV GLOBO

Marcos Palmeira caracterizado como José Inocêncio; ele está sentado numa poltrona e encara a câmera, sério, em ensaio de divulgação de Renascer

José Inocêncio (Marcos Palmeira) em Renascer; ele é chamado de coronel pelos demais personagens

SABRINA CASTRO

sabrina@noticiasdatv.com

Publicado em 1/4/2024 - 21h00

Apesar de odiar a alcunha, José Inocêncio (Marcos Palmeira) é conhecido por toda a região de Ilhéus, na Bahia, como "coronel" --dado seu poder e seu prestígio no comércio de cacau em Renascer. O termo é um velho conhecido do público noveleiro, aplicado recorrentemente em vilões de novelas de época, que usam de seu poder para manipular os subordinados. Nesse contexto, faz sentido pensar no protagonista da novela das nove como coronel? A resposta é não.

Primeiro, deve-se considerar que, apesar das raízes culturais, o termo vem de um modelo político: o coronelismo. Ele data da República Velha (1989-1930), e faz sentido especialmente dentro da estrutura agrária da época. Naquele momento, a área rural do país era dividida essencialmente em grandes propriedades.

Dentro delas, vários funcionários moravam e trabalhavam, submissos às ordens do patrão --assim como funciona dentro das terras de Inocêncio. Mas os coronéis se apropriavam disso. Mediante ameaças de demissão e agressão física, eles coagiam seus funcionários a votarem no candidato indicado por seus patrões.

Não à toa, o poder público era ocupado principalmente por representantes das oligarquias. As coisas só começaram a mudar com a instituição de uma nova legislação eleitoral, em 1932, quando o voto passou a ser secreto.

Mas, claro, a manipulação de votos ainda existe. Seja por ameaça ou pela simples troca de favores --e, como favores, entenda-se o simples acesso a uma consulta médica, ou até a doação de uma cesta básica--, ainda há como aplicar os métodos do coronelismo.

Afinal, muitos dos pressupostos da época permanecem nos dias atuais. A grande concentração de renda nas mãos de poucas pessoas, número elevado de pessoas vivendo em situação econômica precária, baixo acesso a serviços públicos, rotina de violência e arbitrariedade policial e judicial são elementos marcantes da realidade do país. 

A diferença é que o grande fazendeiro perdeu espaço nisso. Ou seja: se formos considerar o que hoje se entende por coronelismo, José Inocêncio está longe de ser considerado um coronel. Nem mesmo na versão original da novela, exibida em 1993.

É o que explica Vinicius Holanda Melo, mestre em Direito Constitucional Público e Teoria Política e autor de um artigo sobre coronelismo. "Hoje, a gente não consegue mais ter o coronel de antigamente, nem individualizar [o sistema do coronelismo] num único grupo, o dos latifundiários. A gente tem um aspecto mais geral, em que várias pessoas conseguem cooptar outras, a partir do assistencialismo, por exemplo", afirma.

Imagem popular

Mas o título ultrapassou o lado político da questão. De certa forma, ao pensar num fazendeiro rico, poderoso e com vários funcionários, é natural chamá-lo de coronel. Há uma explicação para isso, como indica o pesquisador

"A estrutura e a imagem do coronel permanece, porque quem satisfaz os interesses não é esquecido. A partir dessa pessoa poderosa, eu tenho a possibilidade de conquistar algo melhor. Mas, hoje, o ideário é outro --não é aquele cara que está lá na fazenda, sentado, de chapéu de palha, embora isso permaneça no imaginário popular", explica. 

José Inocêncio em meio a suas terras em Renascer

José Inocêncio em sua fazenda

Ainda assim, o latifundiário mantém a importância no meio político do país. Ele pode não ser mais o papel central na manipulação de votos, mas ainda dirige boa parte das decisões. Afinal, como indica o pesquisador potiguar, "aqueles que têm mais condições econômicas conseguem influenciar drasticamente o cenário político brasileiro".

Aliás, a concentração de terras e, consequentemente, de dinheiro está maior do que nunca. O Censo Agro 2017 revelou que 47,6% do território brasileiro, cerca de 170 milhões de hectares, é ocupado por apenas 50 mil grandes propriedades agrícolas. Para se ter ideia, a outras 2,5 milhões de pequenas propriedades do país ocupam apenas 8 milhões de hectares.

Com tamanha produção agrícola em seu poder, esses fazendeiros têm bala na agulha para barganhar com políticos, especialmente do poder Legislativo, como explica o pesquisador. 

"Politicamente falando, a gente continua tendo, assim como antigamente, grupos que apoiam determinado político levando em conta seus interesses. Os próprios grupos de empresários do agronegócio são exemplos. Como eles detêm um grande poder, obviamente eles vão influenciar dentro do aspecto político, seja num campo regional ou nacional", arremata. 

Isso só não tem tanta influência no eleitorado porque, em comparação ao século passado, o Brasil é um país bem mais urbano. E, para convencer o eleitorado das cidades, o velho "coronelismo de enxada" não funciona mais. Mas o coronelismo conseguiu se adaptar a isso. Agora, o coronel não é o latifundiário que faz seus funcionários votarem no político que defende seus interesses. O coronel é o próprio político.

Nova estrutura

Com o apoio dos meios de comunicação --muitos deles, propriedades do próprio candidato--, o político manipula o eleitor a ponto de ele achar que aquela pessoa é sua última salvação. É o chamado "coronelismo eletrônico", objeto de estudo de Holanda de Melo. 

"A estrutura permanece, porque foi visto que esses artifícios funcionam para alguém se perpetuar no poder, mas a forma como isso é feito mudou com o advento dos eletrônicos e, agora, das redes sociais. Com isso, há um fortalecimento da estrutura, porque o político/coronel enviesa as informações e molda várias pessoas de uma só vez", pontua o profissional.

É uma ampliação do que pode ser observado mais facilmente em cidades pequenas, quando um candidato promete mundos e fundos para que o eleitor vote nele. E não no sentido democrático da coisa, ou seja, não são propostas que beneficiem a sociedade como um todo. São favores numa esfera particular, privada.

José Inocêncio (Marcos Palmeira) com sua plantação de cacau

José Inocêncio em sua plantação de cacau

Antes, isso era mais fácil. Como o público se informava majoritariamente pela radiodifusão, era simples estabelecer o que era "importante" e, depois, se apresentar como o defensor disso. Também era simples pôr no ar apenas suas melhores obras e projetos, enquanto os podres ficavam embaixo do tapete. 

Com a ascensão da internet e das redes sociais, modelar as pessoas a partir de um único interesse virou tarefa mais complicada. Mas não impossível. 

"Eu acho que o coronelismo vai permanecer, mas de outras formas, enquanto a sociedade não pensar que as pessoas que nos representam estão ali para servir aos interesses da nossa sociedade, e não nossos interesses particulares", explica o mestre.

E como fazer isso? Bem, fazendo o público reconhecer esse fenômeno. E a representação de um coronel na novela das nove --o produto mais visto na TV brasileira-- pode contribuir nisso.

"A novela é um recorte social do Brasil, que permite que o público faça uma interligação entre o que é apresentado na dramaturgia e o contexto social em que ela vive. Quando existe um coronel, e alguém que critica o coronel --como o padre Lívio [Breno da Matta]--, há um estímulo do pensamento crítico. A pessoa não é obrigada a concordar com a visão de mundo apresentada ali, mas passa a refletir sobre", finaliza.

Renascer foi escrita e criada pelo autor Benedito Ruy Barbosa. A primeira versão foi ao ar na Globo em 1993. Bruno Luperi é neto do novelista e responsável pela adaptação da saga rural que estreou no horário nobre em janeiro. O remake deve ser substituído por uma nova trama de João Emanuel Carneiro em setembro.


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