EXCLUSIVO
REPRODUÇÃO/GLOBO
O autor Daniel Ortiz; ele faz um balanço da novela Família É Tudo em entrevista exclusiva
O último capítulo de Família É Tudo foi ao ar na última sexta (27), e o autor Daniel Ortiz faz agora um balanço sobre a trajetória deste produto da teledramaturgia da Globo. Em entrevista exclusiva ao Notícias da TV, ele fala sobre as decisões que teve de tomar para algumas tramas, de como a repercussão do público influenciou na história e afirma que Família É Tudo foi desafiadora em sua carreira. "Foi a mais difícil de todas [as minhas novelas]", diz ele.
Ortiz, que tem no currículo tramas como Haja Coração (2016) e Salve-se Quem Puder (2020), conta que Família É Tudo estreou já com mais de 90 capítulos escritos. Ou seja, boa parte da história já estava feita antes mesmo de o público conhecê-la, o que gerou certa incerteza sobre como seria recebida e também ocasionou algumas mudanças ao longo do percurso.
O autor ressalta, no entanto, que ficou feliz com o resultado final e com o trabalho desempenhado pela equipe. Ele também revela que já pensa em se dedicar a uma nova sinopse para uma próxima novela das sete.
Confira a entrevista completa com o autor Daniel Ortiz:
NOTÍCIAS DA TV - Como avalia a trajetória de Família É Tudo, a evolução e o desenvolvimento do projeto? Diria que é a melhor que já fez, levando em conta todo o processo entre pré-produção até o final?
DANIEL ORTIZ - Essa foi a primeira novela que eu fiz em que eu comecei muito adiantado, com mais de 90 capítulos [prontos] na [época da] estreia. As anteriores eu começava com 50, 60. Agora você tem que começar com um pouco mais de capítulos. Foi um processo diferente, porque você escreve quase metade da novela no escuro.
No capítulo 50, eu estava escrevendo sem saber quem seriam os atores, se aquelas tramas funcionariam. Então a primeira metade foi um tiro no escuro. Nas outras novelas não, você começava com no máximo 60 capítulos, e, lá pelo capítulo 30, 20, já sabia mais ou menos quem eram os atores, tinha um pouco mais de segurança pra escrever, ainda mais sendo comédia. Pra mim, [comédia] é o gênero mais difícil, porque não depende só do texto. Depende do ator, da direção, de tudo. Se você escreve 50 capítulos sem saber quem são os atores, é muito desafiador.
Eu não diria que é a melhor [das minhas novelas], não consigo dizer qual é a minha melhor novela. Cada uma delas tem uma coisa especial. Acho que, no geral, a minha preferida ainda é Salve-se Quem Puder. Mas eu gostei muito de Família É Tudo. Foi muito difícil, foi a mais difícil de todas, até porque mudou muita coisa no processo de produção, você tem menos recursos do que antigamente. Então foi muito mais difícil, mais desafiador. Mas foi muito bom, gostei muito. Foi um projeto de família mesmo. A equipe toda era uma família se ajudando, foi incrível.
Tem alguma cena que seja sua favorita, ou um momento, uma trama mais emocionante, algo que tenha te tocado de forma especial ao ver o capítulo no ar?
Tem várias cenas que eu gosto. Algumas de Tom (Renato Góes) e Vênus (Nathalia Dill) no começo, os flashmobs, os dois na cadeia, ele cantando pra ela da cela dele. Murilo (Henrique Barreira) fazendo surpresas pra Electra (Juliana Paiva). As cenas entre Guto (Daniel Rangel) e Lupita (Daphne Bozaski) na floresta, eles perdidos. Júpiter (Thiago Martins) cantando pra Lupita, foram cenas inesquecíveis.
Tem tanta cena boa, eu fico até com medo de citar algumas e esquecer outras. As de comédia, Andrômeda (Ramille) e Chicão (Gabriel Godoy), os cachorros. Tem muita coisa boa, é difícil escolher uma. Essas cenas todas me tocaram de maneira muito forte na novela.
A trama de Electra teve muita repercussão. No início, houve um mistério para o público em relação à possibilidade de a personagem ser vilã. Já na reta final, vimos Electra demonstrar que também sabe ser má e provocar vinganças contra Jéssica. Gostaria que comentasse esse processo de "vilanização" da mocinha e se a desconfiança dos telespectadores te inspirou a colocar este toque de vilania nela.
A história da electra sofreu alterações. Na sinopse da novela, e até o capítulo 50, a história era outra. A Electra tinha ficado muito deprimida com a morte do pai, e a Jéssica (Rafa Kalimann), que já era vilã desde aquela época, havia introduzido Electra nas drogas. Então a Electra tinha realmente um problema com drogas. O Luca (Jayme Matarazzo) havia tentado tirá-la das drogas, ela tinha uma dívida com aquele traficante.
Então, quando Luca foi esfaqueado, ele já estava cansado, havia passado anos tentando tirar Electra das drogas e não havia conseguido. Então ele tinha uma razão pra acreditar que havia sido ela que o esfaqueou, porque ela tinha um histórico já de loucuras que fazia por causa das drogas.
Mas aí, lá pelo capítulo 40, 50, avaliou-se que talvez fosse um pouco forte demais essa trama pro horário. Então nós tivemos que mudar em cima da hora, e aí a Electra não teve mais esse passado rebelde, ela foi apenas dopada uma noite.
Isso acabou prejudicando um pouco o personagem do Luca, por que ele não foi visitá-la na cadeia, sendo que ela só foi dopada uma noite. Antes não, tinha uma justificativa, ela tinha um passado de drogas, uma dívida com um traficante que atazanava o casal. Ele tentava tirá-la das drogas e não conseguia. E a Jéssica [ficava] colocando cada vez mais a Electra nas drogas.
Era bem mais forte a trama, e também mais pesada para o horário. Com essas mudanças, [a novela] já estava no capítulo 50, então ficou difícil fazer grandes alterações. Mas no final ficou interessante. Ficou mais leve a história, era uma história mais de novela das nove.
Ainda no núcleo de Electra, é preciso falar sobre a questão da Rafa Kalimann, que comentou que não gostava de dizer a palavra "desgraçada" nas cenas, que não se sentia confortável e tentava mudar algumas falas. Como você encarou esta declaração dela, que causou polêmica no meio artístico? Acha que atores podem ter liberdade de mudar uma ou outra coisa dos diálogos?
Eu acho que teve um mal-entendido. A Rafa falou várias vezes em cena a palavra desgraçada. Acho que, quando ela deu entrevista, não se expressou bem. O que ela quis dizer é que ela não gosta de dizer [a palavra desgraçada], mas ela falou em cenas.
Acho que a Rafa fez um trabalho incrível, do começo ao fim. Ela é muito dedicada, ela foi evoluindo. O papel dela não era tão grande como se falava, é que o nome da Rafa é muito grande, então chama a atenção. Mas o grande vilão ali era o Hans (Raphael Logam). Eu fiquei muito feliz com o trabalho dela. Ela mostrou dedicação.
Falou-se muito disso de influencer tomando o lugar de atores, mas nos últimos dois anos, se não me engano, a Globo contratou quase 1.500 atores. Não sei o número exato. E, desse total, duas atrizes seriam consideradas influencers, a Rafa e a Jade [Picon]. Então assim, é muito pouco, duas atrizes que também trabalham como influencers.
Acho que teve um pouco de exagero em relação a isso. E a Rafa estuda atuação desde os 12 anos. Só porque ela trabalha como influencer ela também não pode ser atriz? Acho que ela fez um trabalho muito bem feito, tô muito orgulhoso da Rafa.
Suas novelas ficaram famosas por terem os triângulos amorosos que deixam o público muito dividido, geram torcidas ferrenhas. Em Família É Tudo, o triângulo mais comentado foi o de Lupita, Guto e Júpiter. Como decidiu com quem Lupita ficaria, o que levou em conta para tomar esta decisão?
Em todas as minhas novelas, sempre é muito difícil escolher o par final. Eu gosto de Lupita e Guto, de Lupita e Júpiter. Eu me emociono em cada cena de cada casal. É muito difícil quando chega a hora de escolher um.
Eu levei em consideração a trajetória do Júpiter, a transformação do Júpiter durante toda a novela. Apesar de que também foi tão bonito esse amor do Guto pela Lupita desde o começo. Realmente, neste caso, por mim, ela ficava com os dois. Mas eu levei em consideração, claro, que nesse final a maioria do público queria o Júpiter. E acho que o Guto com a Mila (Ana Hikari) ficou ótimo, uma química excelente. Então acho que ficou todo mundo feliz.
A transformação da Lupita foi algo que instigou o público durante toda a novela. No final, ele terminou com o visual com que se sentiu confortável, sem ceder a padrões de beleza. Como foi chegar a esta decisão sobre o look da personagem?
Eu não ia fazer a transformação da Lupita, eu era contra fazer isso. Mas existia uma parcela do público, mais tradicional, que queria ver aquela transformação de princesa, Cinderela, que fica bonita e tal. Então pensei assim: 'Tá bom, vou dar essa transformação que eles querem por alguns capítulos só. Depois ela volta a ser quem ela é, talvez com alguma mudança'. Porque a Lupita é feliz como ela é. Ela tem uma autoestima alta.
Acho também que a gente está numa época em que não existe um padrão de beleza. A gente tem que lutar contra um único padrão de beleza. Existe beleza em vários tipos. Acho a Lupita linda do jeito que ela é. Mas eu quis agradar a essa parcela do público que queria ver essa transformação. Mas só por alguns capítulos.
Está em alta nos últimos tempos a discussão sobre a participação de influenciadores em novelas. É uma questão que já vinha desde antes de Família É Tudo, mas foi intensificada na novela pelas participações de Rafa Kalimann, Beatriz Reis e por Gil do Vigor ter sido barrado. Qual é o seu posicionamento sobre isso, o que pensa sobre as presenças, nos elencos, de pessoas que ficaram famosas na internet?
Eu perguntei para nosso produtor de elenco, e ele falou um número, não sei se eram [exatamente] 1.500 atores [contratados pela Globo] em dois anos. Nesse total, tinha duas atrizes influencers, a Jade e a Rafa. É um número muito pequeno, e elas são atrizes também, elas têm DRT [como é conhecido o registro profissional que autoriza legalmente uma pessoa a trabalhar como ator ou atriz].
Acho que é um pouco de exagero isso, esse auê todo com os influenciadores. São atrizes. É que elas são muito famosas, elas dão notícia, falar bem e falar mal delas dá clique. Acho que essa repercussão de influencers não é porque há uma invasão de influencers, não. São duas grandes influencers que por acaso também são atrizes e fizeram novelas. Mas, como elas chamam muita atenção, houve esse debate. Mas, se você for ver em número, é nada.
E a Bia já era atriz, é formada. Por acaso ela fez um Big Brother. Eu sou contra dizer que um influenciador não pode vir a ser ator se ele quiser. Tenho amigos médicos que também são atores. Acho que, se a pessoa tem desejo de atuar, tá estudando, tem DRT, tem todo o direito. Acho que a Rafa foi muito bem, a Bia também.
O Gil, na verdade, ia ser um personagem, o Toni Linguinha. E aí eu pensei: 'Por que não transformar o personagem no Gil mesmo, deixar o Gil improvisar, fazer uma homenagem ao Gil?'. Ele sendo ele, porque aí ele poderia fazer essa participação, uma homenagem a ele. Mas foi isso. Eu acho que qualquer pessoa que tenha estudado atuação e vá atrás de um DRT, ela tem direito de ser ator ou atriz. Todo mundo tem direito de mudar de carreira.
Ao longo da novela houve algo que saiu do previsto e foi ajustado de acordo com grupos de pesquisa ou repercussão do público, ou mesmo com questões dos bastidores? A trama dos cachorrinhos, por exemplo, cresceu após respostas de grupos de pesquisas da Globo. Houve quem observasse também que o núcleo do skate havia perdido espaço.
Não é que perdeu espaço porque não agradou. O que acontece é assim: a locação do skate era fora dos Estúdios Globo. E você tem um número X de cenas que pode gravar por semana fora dos Estúdios Globo, sem impactar a produção, a produtividade. Então, digamos, esse X de cenas era no máximo 10% por semana. Às vezes não dava pra fazer mais de 5%. Então acabou que não deu pra desenvolver o skate como eu gostaria por uma questão mais de produção.
Acho que por isso ficou essa impressão de que não funcionou. Era mais uma questão de que, se a gente tivesse condições de fazer uma pista de skate dentro dos Estúdios Globo, talvez eu tivesse aprofundado mais esse núcleo. A Nicole (Aisha Moura) funcionou muito bem, foi muito bem vista no grupo de discussão. Então eu tive que tirá-la de lá e trazê-la pra dentro dos Estúdios Globo, para [os cenários da] gravadora, do restaurante, pra poder desenvolver mais essa história.
A trama dos cachorrinhos entrou no capítulo 80. Eu coloquei aquilo como, sei lá, vou tentar fazer por uma semana, uma semana e meia. Até porque eu não sabia se eles iam conseguir fazer com que os cachorrinhos comessem macarrão juntos, se lambessem, eu não tinha ideia de como os diretores iam se virar fazendo isso. Podia ser uma tragédia, podia ser que os cachorros não respondessem.
Então eu me limitei a fazer aquilo por uma semana e meia só. Só que isso foi um sucesso. Aí eu fiz alguns adendos pra aumentar a trama dos cachorros. Mas foi também um tiro no escuro. Foram capítulos que escrevi antes da estreia, sem saber quais cachorros iam ser, qual raça, se eram treinados ou não. Eu limitei a alguns capítulos, e aí depois, quando vi no ar pensei: 'Dá pra fazer mais'. Mas aí já estava no capítulo 140, 130. Por isso que eu falo, quando você escreve com muita antecedência, não tem como saber certas coisas.
Quais são seus planos daqui para frente, já tem outras novelas em mente, pretende começar a trabalhar em sinopses para uma próxima trama das sete? Ou pretende tirar férias, se dedicar a outros trabalhos, deixar as novelas para um futuro mais distante?
Eu tô pensando em aproveitar agora outubro e novembro, que já tô no embalo de tanto trabalho, e pensar numa nova sinopse, pra tirar férias em dezembro. Uma novela das sete.
Pensa em desenvolver uma novela das nove nos próximos anos? Tem vontade de mudar de faixa horária?
Não, pelo amor de Deus, novela das nove dá muito trabalho. Se uma novela das sete já dá trabalho, imagina uma das nove. A novela das sete, dos três horários, pra mim é o mais complicado. Em termos de manter audiência.
É um horário em que, se tiver alguma notícia ruim, tipo a queda do avião da Voepass, as enchentes no Rio Grande do Sul, você perde um pouco de audiência quando a novela entra, porque o público quer continuar vendo as notícias em algum outro canal, algum outro jornal.
É um horário que sofre muito com calor. Em São Paulo, fez calor, e as pessoas, em vez de chegar em casa às 19h, vão chegar 20h30, 21h, porque elas preferem tomar um choppinho no bar da esquina. A gente pegou esse último mês na novela em setembro com um calor horroroso em São Paulo, acho que foi o setembro mais quente da história. Isso atrapalha bastante a audiência, o número de televisores ligados cai bastante.
E tem outro detalhe hoje que atrapalha a audiência das novelas das sete. Você tem muito jogo do Campeonato Brasileiro, de Libertadores, no horário da novela. Antigamente eram horários mais tarde.
O horário das sete compete com muita coisa. Mas eu gosto, porque é um horário em que você pode brincar mais, pode tirar o pé um pouquinho da realidade. Eu fiz uma novela das nove com o Silvio de Abreu, fui colaborador dele em Passione (2010). É muito difícil. Os capítulos são mais longos, a pressão maior. Eu tô muito bem e muito feliz no horário em que estou.
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