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ROBERTO CORDOVANI

Após reviver vilão grotesco da TV na pandemia, ator se reencontra com o belo

VINÍCIUS COIMBRA/DIVULGAÇÃO

Roberto Cordovani como Gustav von Aschenbach em cena de Morte e Veneza

O ator Roberto Cordovani como Gustav von Aschenbach na adaptação teatral de Morte em Veneza

DANIEL FARAD

vilela@noticiasdatv.com

Publicado em 13/8/2023 - 8h30

Uma das imagens mais marcantes de Roberto Cordovani em Novo Mundo (2017), que foi reprisada durante a pandemia de Covid-19, foi o desfecho de Sebastião Quirino. O vilão --um homem grotesco, rude, que enriqueceu a custo da escravidão-- terminou a novela coberto por fezes. Um personagem diametralmente oposto ao escritor alemão Gustav von Aschenbach --protagonista da adaptação teatral Morte em Veneza, de Thomas Mann (1875-1955).

O espetáculo é um reencontro não só do artista, mas também do público com a beleza. Uma categoria que, talvez, tenha ficado esquecida diante das imagens dantescas da crise sanitária que fechou inúmeros teatros, cinemas e espaços culturais.

"Todos temos muito de Aschenbach. Nos momentos de descobertas, na solidão de cada um de nós, que se faz necessária, no deslumbramento, principalmente das pequenas grandes coisas. Paradoxal, não?", diz Cordovani, em entrevista exclusiva ao Notícias da TV.

"O que mais me aproximou do projeto foi a atualidade de Morte em Veneza em contraponto com as misérias do 'mundo virtual paralelo' que vivemos. O belo clássico sempre esteve, principalmente quando somos observadores, na fantasia do que queremos que o outro se transforme", acrescenta.

"Na época de Mann, talvez houvesse mais delicadeza na relação entre as pessoas, fosse por carta ou presencialmente, menos ansiedade e vulgaridade. A pressa hoje é 'conquistar', para fingir uma realização e vender a pseudofelicidade com bocas em bicos e mãos na cintura", avalia o intérprete.

REPRODUÇÃO/TV GLOBO

Sebastião Quirino em Novo Mundo

Dor da beleza

A adaptação teatral parte do livro de Mann, do qual saíram todos os diálogos, assim como a estrutura do espetáculo. "Na adaptação para o teatro, deixou de ser monólogo, o que me aliviou. Sinto que sou diversos. Pelos pensamentos em off, por outras personagens que estão no livro e ganharam voz na montagem, assim como Tadziu [Guilherme Cabral] quase em silêncio", explica.

O jovem leva Aschenbach a ter uma catarse pela beleza, que o faz até enfrentar uma epidemia de cólera na Itália para ficar mais perto do seu objeto de adoração. Um sentimento do qual o próprio artista já partilhou.

O belo para mim se manifesta com frequência. Por exemplo, todos os dias de apresentação. A dor existe quando o belo fica inatingível para que possamos nos defender. Interpretar é uma catarse diária. O nosso Tadziu aparece no contraluz, na silhueta, assim cada um manifesta o Tadziu e a beleza que quiser.

Grandes navegações

Cordovani estabeleceu uma carreira profícua na Europa, dividindo-se entre a região de Sintra em Portugal e da Galícia na Espanha há mais de 35 anos. "Toda vez que penso em não retornar por muito tempo para cá e voltar para os dois países em que vivo, o Brasil me redescobre", diz.

"Não foi consciente quando fui para Europa. Era para ter ficado um mês e, de repente, passaram-se mais de 35 anos. Como também não sei se é uma virada consciente eu estar no Brasil", complementa.

Por aqui, o artista teve mais uma vez a oportunidade de revisitar e explorar figuras centrais do longo século 20 em espetáculos como A Paixão Segundo Nelson (2016), a remontagem de Olhares de Perfil: O Mito Greta Garbo (2021) e Amar, Verbo Intransitivo (2022).

"Aprendo com minhas personagens que viveram no século 19 e no 20. Mudamos muito pouco. Talvez devêssemos explorar mais imagens que nos trazem do passado", considera Cordovani, que vai além:

A diferença hoje é que a maioria das sociedades optaram pela superficialidade, refletir menos possível e agir como se não houvesse amanhã. E aí encontramos seres ansiosos, depressivos, medrosos, forçando ou forçados a manter uma aparente tranquilidade.

"Principalmente as novas gerações, referindo-se à arte, não querem o cotidiano com muita labuta, o mergulhar; optam pelas coisas rápidas, encontros fugazes na tentativa de um lugar ao sol para os tais cinco minutos de fama", finaliza.

VINICIUS COIMBRA/DIVULGAÇÃO

Cordovani em cena de Morte em Veneza

De volta à TV

Apesar de bissexto em novelas, Cordovani está à espera de um bom convite para voltar à TV. "Estou disposto a fazer qualquer personagem que venha na contramão, sem dogmas nem preconceitos e que aportem uma catarse ao público a cada cena. Amo bons textos e personagens complexas, que me tiram da zona de conforto. Não tem mérito nenhum eu interpretar a mim mesmo. Para isso, faria psicodrama", define.

Já no teatro, o artista tem alguns papéis que gostaria de colocar em cena. "Certa vez fui convidado para fazer Otelo como Iago e Desdêmona. Adorei a ideia, mas por questão financeira de quem me convidou o projeto não ganhou forma", lamenta.

"Tenho vontade de fazer Senhorita Júlia, de August Strindberg [1849-1912], na versão masculina. Já fui Dorian Gray, Jekyll e Hyde, Orlando de Virginia Woolf [1882-1941], Fraulein de Amar, Verbo Intransitivo", lista.

"Mas, com Morte em Veneza, mesmo que tenha outros projetos, continuarei sendo todas as noites e imaginando um mundo melhor na pele de Gustav von Aschenbach. Ele me apazigua e faz amar o amor. Porque amar pode ser um verbo intransitivo. Talvez não precisemos de complemento", arremata Cordovani, aos risos.

Serviço:

Morte em Veneza
De 18 a 27 agosto, no Teatro Eletroacústica --Cidade das Artes (Av. das Américas, 5.300, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro)
Gênero: Drama
Duração: 70 minutos
Recomendação: 14 anos


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