Sem apelo
Caiuá Franco/TV Globo
A atriz Camila Pitanga, que interpreta a personagem Tereza, durante gravação de Velho Chico
FERNANDA LOPES
Publicado em 23/6/2016 - 6h31
O figurino de Velho Chico está tão distante da realidade das brasileiras que tem sido rejeitado solenemente pelas telespectadores da novela das nove da Globo. As últimas três novelas das 21h tiveram vários itens entre os mais procurados na Central de Atendimento ao Telespectador (CAT) da emissora: os óculos de Atena (Giovanna Antonelli) em A Regra do Jogo, os vestidos de Maria Marta (Lilia Cabral) em Império e o corte de cabelo de Beatriz (Gloria Pires) em Babilônia são alguns exemplos. A nova novela das nove, no entanto, só emplacou uma roupa nas listas dos produtos mais desejados em três meses de exibição.
Além do vestido com recortes na cintura, usado por Tereza (Camila Pitanga), Velho Chico apareceu no ranking da CAT com um batom, um corte de cabelo, um chapéu de palha e um par de óculos da protagonista. Em março e abril, passou em branco. As telespectadoras se sentiram muito mais seduzidas pelas roupas, maquiagens e acessórios das novelas das seis e das sete.
Para especialistas em moda e estilo, o problema de Velho Chico é apresentar combinações nada contemporâneas, sem dar espaço para identificação. "A mulher brasileira é prática, não vai usar aquelas roupas da Tereza. Estou tentando identificar algum estilo e não consigo, tem a ver com a personalidade dela, com o que estão querendo transmitir com a personagem. Acho [as roupas] completamente fora [da realidade] da mulher contemporânea. É uma moda muito particular dela", diz a estilista Martha Medeiros.
As escolhas de vestuário das personagens de Velho Chico para as situações da trama também são bastante peculiares. Tereza tem os hábitos de andar à cavalo e visitar plantações, mas exerce essas atividades frequentemente de vestidos longos, de tecidos finos e com transparências. Já a dona de casa Luzia (Lucy Alves) é vista constantemente com saias rodadas e engomadas e peças com estampas florais e chamativas.
Segundo a consultora de estilo Fabiana Piasentin, a telespectadora brasileira não consegue enxergar as peças da novela dentro de seus próprios contextos de vida. "Com o avanço da tecnologia têxtil e a correria do dia a dia, cada vez mais mulheres buscam looks que aliam conforto, elegância e praticidade. Hoje ninguém mais tem tempo de usar três camadas de tule, ou de engomar uma saia para que ela fique ampla e rodada. O excesso de babados, muita renda e cintura muito marcada, características presentes no figurino de Velho Chico, são bonitos e femininos, mas, quando usados da forma que são apresentados na novela, podem ficar caricatos", explica.
Caiuá Franco/TV Globo
Dira Paes em cena como Beatriz em Velho Chico; figurino representa pessoas simples do local
Verossimilhança
Quando a segunda fase da trama começou a ser exibida, em abril, o público tinha dificuldades de entender até em que ano se passava a novela, que é contemporânea, tamanha disparidade dos figurinos em relação à realidade. As empregadas dos Sá Ribeiro, por exemplo, usam turbantes que lembram os tempos de escravidão no Brasil. O estilo de Afrânio (Antonio Fagundes), por sua vez, foi foco de reclamações em pesquisas feitas com telespectadores. A cúpula da novela chegou a encomendar mudanças para a caracterização dos personagens.
Martha Medeiros, no entanto, consegue enxergar verossimilhança no vestuário da novela com a atualidade. Parte do trabalho da grife que leva seu nome é realizado no sertão nordestino: ela tem, como funcionárias, 350 mulheres rendeiras de comunidades ribeirinhas do rio São Francisco, mesmo local em que é ambientada a novela.
Segundo a estilista, os figurinos da novela são fiéis ao que as pessoas simples que moram lá vestem, mas não conseguem passar do limite dessa área específica. "Tenho a impressão de que ali [no figurino] tem até roupas das pessoas da região. Talvez se aquelas mulheres da trama estivessem de calça jeans, como é a realidade nacional, eles [figurinistas da novela] não conseguissem passar a pureza que as personagens têm", opina.
Tanto a estilista quanto a consultora de estilo concordam que, como obra de ficção, Velho Chico tem um trabalho muito cuidadoso na produção e nos figurinos. Mas a trama das 21h continua com o desafio de se desvencilhar da imagem de nostalgia e emplacar com o telespectador.
"O público brasileiro da TV aberta tende a ser mais conservador com as licenças poéticas realizadas nas novelas. Vide o exemplo de Meu Pedacinho de Chão, também dirigida por Luiz Fernando Carvalho, que tinha figurino e fotografia impecáveis, mas que tiveram certa resistência por parte do público. A audiência gosta e quer ter uma identificação com o que vê na TV: seja ela mesma retratada ou se projetando nas classes econômicas mais elevadas", diz Fabiana. Procurada pelo Notícias da TV, a figurinista de Velho Chico, Thanara Schönardie, não pôde dar entrevista.
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