Análise
Reprodução/CNN Internacional
O presidente Jair Bolsonaro em transmissão da CNN Internacional com imagens fornecidas pela Record
DANIEL CASTRO
Publicado em 16/1/2019 - 5h58
A notícia de que o empresário Rubens Menin e o jornalista Douglas Tavolaro vão lançar uma versão brasileira da CNN caiu como uma bomba no mercado. Uma parte festejou a novidade, afinal serão criados até 800 empregos em um setor que, nos últimos anos, só demitiu.
Outra parte ficou atônita e tratou de lançar dúvidas e teorias conspiratórias. Será o novo canal aliado de Jair Bolsonaro? A CNN vai ser no Brasil o que a Fox News é nos Estados Unidos? O bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal e dono da Record, está por trás de tudo? Por que o grupo Time Warner entregou a CNN, uma marca de prestígio global, para um jornalista evangélico e um construtor de casas populares? O que um engenheiro quer com um negócio de alto risco no setor de mídia? As operadoras de TV por assinatura, em crise, vão pagar pelo novo canal?
Primeiramente, não existem indícios de que o novo governo participou da gestação da CNN Brasil, mas não há dúvidas de que se beneficiará dela, mesmo que seja apenas com o efeito que sua criação pode causar na concorrência.
Partidários de Bolsonaro estão vendo no empreendimento uma oportunidade de confrontar o jornalismo praticado pela Globo, de "quebrar" a GloboNews, que há 22 anos monopoliza a informação na TV paga brasileira. Exagero. Se a CNN Brasil vier a ser uma concorrente de fato da GloboNews, já prestará um bom serviço.
Dono da construtora MRV e do banco Inter, o engenheiro Rubens Menin Teixeira de Souza, 62 anos, não esconde sua simpatia e torcida pelo novo presidente, embora tenha entrado para a lista dos bilionários da Forbes, com uma fortuna de quase US$ 2 bilhões (R$ 7,4 bilhões), turbinado pelos contratos do programa Minha Casa, Minha Vida, um cartão de visitas do PT. O self-made-man Menin e sua MRV passaram pela Operação Lava Jato.
Por Bolsonaro, Menin compra briga com a imprensa. No último dia 4, ele foi ao Twitter, onde é bastante popular (tem 299 mil seguidores), reclamar de um texto do jornalista Caio Blinder, do programa Manhattan Connection, de sua agora concorrente GloboNews. Blinder usou uma imagem de Hitler e chamou o novo presidente de "Trump Tropical". Menin não gostou. Com alguns erros de português, disse que Blinder se "apequenou" com um "jornalismo marrom":
Caro Caio, como jornalista você sabe que fotos e títulos tem repercussão muito maior que o que está escrito. Vamos parar com esta brincadeira de muito mal gosto de comparar Bolsonaro com Hitler. Não adianta pedir pra ler se usa a foto como isca. Péssimo exemplo. https://t.co/EFp1WHQsuH
— Rubens Menin (@rubensmenin) 4 de janeiro de 2019
Na segunda-feira (14), Menin anunciou sua entrada no mundo do mídia com um post no Twitter. Não é preciso grande esforço para ver seu discurso "alinhado" com o novo texto de Brasília.
"Sabendo da importância de uma imprensa livre e independente, pautada pela ética e responsabilidade, que trata os fatos de maneira construtiva, pretendemos protagonizar a construção de um país melhor e ampliar a sua visibilidade ao mundo com informações relevantes. Novos tempos virão!", escreveu.
DIVULGAÇÃO/MRV
O empresário Rubens Menin: self-made-man será dono da operação brasileira da CNN
Biógrafo do bispo
O dono da maior construtora de casas e apartamentos do país terá como único sócio na empreitada midiática o jornalista Douglas Tavolaro, que também na segunda (14) surpreendeu o mercado ao anunciar seu desligamento da Record, onde era vice-presidente de Jornalismo desde 2009.
Ninguém esperava que Tavolaro deixasse a emissora, já que tem uma relação muito próxima com Edir Macedo: foi autor de quatro livros sobre o religioso e produtor executivo da cinebiografia do bispo, Nada a Perder.
Pessoas próximas de Tavolaro, no entanto, relatam que ele já vinha manifestando insatisfação com a emissora. Apenas fiel da Igreja Universal (não um membro de sua hierarquia) e em segundo casamento, o que evangélicos não toleram, Tavolaro não via chances de se tornar CEO da Record.
Uma das teorias da conspiração em circulação desde o anúncio da CNN Brasil é a de que Tavolaro seria um testa de ferro de Edir Macedo. Pura especulação. É fato, contudo, que Tavolaro está realizando um sonho do chefe.
Em 2007, antes de lançar a Record News, a Record sondou a Time Warner para uma parceria com a CNN. O grupo norte-americano, informalmente, rejeitou. Não queria ter relações com a Universal. Uma nova tentativa de se associar à grife do jornalismo ocorreu alguns anos atrás, sem sucesso.
Nos últimos dois anos, Tavolaro se dedicou mais aos livros e filmes de Edir Macedo, com quem goza de enorme prestígio, do que ao jornalismo da Record. É difícil, então, acreditar que o religioso não tenha ao menos acompanhado e incentivado as negociações. Uma fonte próxima a Tavolaro, contudo, sustenta que Macedo só soube do empreendimento de seu biógrafo no fim de 2018.
Outro ponto crucial nessas conjecturas é a liberdade editorial que a CNN brasileira terá em relação à CNN norte-americana. Poderá a CNN Brasil virar uma Fox News, o que seria uma afronta a Atlanta?
Profissionais que acompanharam as negociações dizem que, sim, isso é possível (embora não desejável), porque a CNN Brasil terá total liberdade editorial.
O negócio entre Menin, Tavolaro e a CNN International Commercial é de licenciamento de marca. Ou seja, os investidores brasileiros estão comprando uma franquia e um estilo de cobertura jornalística, assim como o Grupo Abril tinha com a Viacom pela MTV Brasil. Ou seja, quem decide os rumos empresariais da CNN Brasil são seus donos brasileiros.
Gente do mercado, no entanto, duvida que a CNN Brasil terá liberdade total: algum freio a CNN americana deve ter imposto, pois ela não deixaria sua marca à mercê de práticas que possam comprometer sua credibilidade.
Além de marca, conceitos e conteúdo internacional, a CNN Brasil receberá da americana a estrutura de distribuição no Brasil. A programadora Turner já tem contratos com as operadoras de TV paga prevendo um canal de notícias brasileiro.
Mas nada garante essa distribuição muito menos remuneração de alguns centavos por cada assinante alcançado pelo novo canal. A CNN de Douglas Tavolaro e Rubens Menin terá a dura tarefa de arrancar dinheiro das operadoras, cada vez mais empenhadas em reduzir seus custos e se tornarem mais competitivas diante do streaming.
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