ENTREVISTA
Divulgação/TV Globo
Bruno Luperi, autor de Renascer: audiência das novelas de hoje não pode ser comparada com as antigas
Autor dos remakes de Pantanal (2022) e Renascer (2024), Bruno Luperi, de 36 anos, não tem dúvidas de que o futuro da novela depende de sua capacidade de se adaptar a um cenário de intensa competição pela atenção do telespectador. "A telenovela enquanto gênero só irá 'morrer' se ela não estiver disposta a acompanhar as dinâmicas por esse novo tempo", disse o escritor em entrevista exclusiva ao Notícias da TV.
Para ele, um caminho possível é a novela ficar cada vez mais parecida com as séries, que por sua vez têm incorporado elementos novelescos. "Não sei se no futuro ambas irão se encontrar no meio do caminho e constituírem um novo gênero, mas sinto que a existência de uma tem influenciado diretamente a outra. E é ótimo ver séries com estofo de novela e novelas com ritmo de série."
Confira a conversa:
Notícias da TV - Como você avalia Renascer?
Bruno Luperi - Muito bem. Eu me sinto artística e profissionalmente muito realizado com a novela. É um trabalho longo e árduo, realizado em um momento delicado para a teledramaturgia, mas sinto que cumprimos brilhantemente a função.
Poderia explicar o que quer dizer com "momento delicado para a teledramaturgia"?
Não diria que a teledramaturgia vive um momento delicado, mas ela atravessa um novo momento, como todos nós. Uma nova realidade na qual um canal aberto compete pela atenção do público não apenas com mídias convencionais, como em outros tempos, mas com toda uma sorte de novas mídias que vão surgindo na mesma medida em que outras, que surgiram e foram tendência há pouquíssimo tempo, se tornam obsoletas diante de nossos olhos.
Enquanto tudo isso acontece, a televisão e a novela seguem aí, fazendo parte da vida de milhões de brasileiros, e irá seguir por muito tempo.
O que está acontecendo com a audiência das novelas? Renascer foi muito estável, entre 25 e 26 pontos mensais na Grande São Paulo. Não caiu, não sofreu rejeição, mas também não disparou ou cresceu na reta final. A novela vive de um público do passado?
Hoje há uma oferta absurda de mídias nas mais diversas plataformas, quando há poucos anos a disputa pela audiência se dava entre alguns canais abertos, um punhado de canais a cabo e olhe lá.
De uns tempos pra cá, além dos canais abertos e a cabo, os streamings e os serviços on demand também passaram a competir por uma fatia desse bolo. Fora isso, vieram as redes sociais, os grupos do "zap", e mais uma infinidade de outras plataformas e aplicativos vão surgindo a cada instante para disputarem e fragmentarem ainda mais a atenção de um público que, há coisa de 40 anos, só tinha que chegar em casa e decidir em qual canal iria ligar a televisão.
Faço essa introdução de forma superficial, só para dizer que beira a inocência querer comparar índices de audiência da televisão aberta de hoje com uma época em que ela competia exclusivamente com canais abertos ou a cabo.
Não acredito de forma alguma que a novela viva de um público do passado, mas sinto que ela tem um enorme desafio pela frente, que é o de se conseguir se acomodar e superar os desafios que estão sendo propostos por esse novo tempo.
A telenovela não seduz mais o público jovem? Como tirar esse jovem das plataformas digitais e trazê-lo de volta para a TV aberta?
Desde que o mundo é mundo, uma boa história é capaz de seduzir a qualquer um, e sempre será, ponto. A questão é o tempo, sempre ele. Assim como os hábitos mudam, a maneira de oferecer histórias para o público deve mudar. Foi assim com os folhetins, que foram a base das radionovelas --que, por sua vez, se transformaram no que chamamos de telenovela.
Ou seja, a telenovela enquanto gênero só irá "morrer" se ela não estiver disposta a acompanhar as dinâmicas por esse novo tempo. Talvez ela encontre um novo nome por conta de todas essas mudanças, talvez não, mas eu acredito que as boas histórias sempre terão um espaço cativo onde a humanidade estiver presente, porque contar histórias faz parte do que nós somos enquanto espécie.
Por isso, acredito que, assim como o gênero se transformou para atender às demandas de outros tempos no passado, ele irá se transformar para se acomodar as dinâmicas desse nosso tempo de agora.
Qual é o futuro da telenovela? Tramas mais curtas e rápidas?
Isso só o tempo é quem pode dizer mas, se fosse pra dar um palpite, eu diria que as telenovelas e as séries partilham de um radical em comum e que, com o passar do tempo, ambas têm influenciado uma a outra. À medida que vão se tornando um sucesso, vemos séries serem estendidas por mais temporadas, o que acaba fazendo com que elas aproveitem melhor os núcleos paralelos e invistam em histórias que derivam da trama central. Algo que as telenovelas sempre fizeram.
Na mesma medida que as séries vão "virando novela", por conta das séries de sucesso mundial, o público tem buscado nas novelas um ritmo mais intenso e tramas mais enxutas, que não fiquem paradas no mesmo lugar. Não sei se no futuro ambas irão se encontrar no meio do caminho e constituírem um novo gênero, mas sinto que a existência de uma tem influenciado diretamente a outra. E é ótimo ver séries com estofo de novela e novelas com ritmo de série.
Teria feito alguma coisa diferente em Renascer? Mudaria alguma trama, algum desfecho?
Acredito que não. Eu me sinto plenamente satisfeito com a novela que coloquei no papel e com a qualidade do material que conseguimos levar ao ar.
Em algum momento, você chegou a se arrepender de ter assumido a missão de atualizar um clássico como Renascer?
Só se eu fosse maluco! Eu sou totalmente apaixonado pela história de Renascer. Embora eu seja contemporâneo de Pantanal, Renascer é a primeira novela do meu avô que eu tenho lembrança de ver acontecer e me lembro até hoje do impacto que essa novela produziu em mim.
Pretende continuar trabalhando em remakes de Benedito Ruy Barbosa?
Fui muito feliz e serei eternamente grato por ter tido o privilégio de adaptar duas das novelas que consagraram o meu avô. Foram duas jornadas intensas, repletas de desafios e significado para mim. Saio plenamente realizado e satisfeito com a homenagem que consegui prestar ao meu avô em vida e espero, em alguma medida, ter honrado o imenso legado que ele deixou na teledramaturgia.
De minha parte, eu pretendo continuar escrevendo e contando boas histórias, porque é isso que me alimenta a alma e dá sentido à minha existência.
Ou pretende agora se dedicar a uma ideia original? A propósito, não há chances de O Arroz de Palma ser produzida pela Globo?
De minha parte, há muito interesse em escrever O Arroz de Palma e outros projetos.
Nesse contexto de fragmentação de consumo audiovisual, você ainda vê espaço para realismo fantástico nas novelas?
Há tanto espaço para o realismo nas novelas quanto há para a poesia em nossas vidas.
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