ANÁLISE
REPRODUÇÃO/SBT
Edson Montenegro interpretou padre Lutero na novela Cúmplices de um Resgate (2015), do SBT
O ator Edson Montenegro, que morreu em São Paulo neste domingo (21), aos 63 anos, vítima da Covid-19, teve menos oportunidades do que merecia ter recebido da televisão e também do teatro e do cinema. Mesmo assim, ele foi um bravo pioneiro da representatividade negra na indústria do entretenimento nacional, emprestando seu farto talento que tornava grande cada papel que recebia, independentemente de seu peso na trama.
Ele conseguia isso graças à entrega sincera que sempre imprimiu à sua arte, seja na atuação ou na música, atuando como um dos cantores mais respeitados de São Paulo.
A culpa pela falta de grandes oportunidades a Edson Montenegro na TV é do racismo estrutural, motivo pelo qual artistas negros sempre foram relegados a personagens secundários ou estereotipados.
Boa parte dos poucos personagens que ele conquistou reproduziam, de certa forma, o lugar que o negro ocupou por muitos anos na indústria do entretenimento nacional.
Na novela Xica da Silva (1996), na extinta TV Manchete, por exemplo, ele deu vida ao escravo Mandinga, que viva debaixo da chibata e das torturas mais cruéis possíveis por não renegar seus orixás e a religiosidade afro-brasileira.
REPRODUÇÃO/TV MANCHETE
Edson como Mandinga na novela Xica da Silva
Já na minissérie Dona Flor e Seus Dois Maridos (1998), na Globo, Montenegro interpretou Arigof, o amigo de Vadinho, protagonista de Edson Celulari, que era do candomblé e ajudava Flor, protagonista de Giulia Gam, a mandar o fantasma do marido para o além, com a ajuda dos orixás, como escreveu Jorge Amado em seu célebre livro adaptado para a TV.
Em Cidade de Deus (2002), seu filme de maior destaque e um marco do cinema brasileiro com quatro indicações ao Oscar, Montenegro viveu um pobre pai de família da favela Cidade de Deus, que busca dar educação rígida a seus filhos como forma de mantê-los longe do mundo do crime.
Sem direito a protagonista ou personagens maiores, Montenegro fez ponta em novelas como Apocalipse na Record em 2018 e ainda fez o padre Lutero da trama de Cúmplices de um Resgate, no SBT, em 2015.
Mas fato é que a TV Cultura merece crédito nesta história, ao transformá-lo em apresentador do programa Zoom (1999-2002), sobre os bastidores do audiovisual, em um tempo que não era comum ver negros apresentando programas na televisão.
Se não fosse o racismo estrutural brasileiro, certamente Edson Montenegro teria tido personagens de maior destaque e feito um currículo digno do grande talento que possuía. Que isso mude para futuras gerações de artistas negros e negras.
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MIGUEL ARCANJO PRADO é jornalista pela UFMG, pós-graduado em Mídia, Informação e Cultura pela ECA-USP e mestre em Artes pela Unesp. É crítico da APCA, criador do Prêmio Arcanjo de Cultura e coordena a Extensão Cultural da SP Escola de Teatro. Passou por Globo, Abril, Folha, Record, Band e UOL. Clique para ver mais textos do Miguel e conheça também o Blog do Arcanjo
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