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ENTREVISTA

Edney Silvestre descarta voltar à Globo após demissão: 'Aquela TV não existe mais'

DIVULGAÇÃO/KARYME FRANCA

Edney Silvestre está com as duas mãos apoiadas no rosto e sorri

Edney Silvestre: o jornalista de 73 anos deixou a Globo em janeiro depois de três décadas

IVES FERRO

ives@noticiasdatv.com

Publicado em 9/7/2023 - 9h00
Atualizado em 9/7/2023 - 17h41

Um dos repórteres mais experientes da Globo, Edney Silvestre deixou a emissora em janeiro, após 30 anos de contrato. Sua demissão, apesar de repentina, aconteceu de maneira amigável e acolhedora pela equipe. Presença frequente no Globo Repórter, ele se aproximou de Sandra Annenberg e viu de perto o sofrimento de Gloria Maria em sua luta contra o câncer no cérebro.

Silvestre foi correspondente em Nova York de 1996 a 2002. Ele participou de coberturas jornalísticas importante, como a dos atentados terroristas de 11 de Setembro, em 2001; e a invasão do Iraque, em 2003. Também é escritor e dramaturgo e venceu o Prêmio Jabuti 2010 com a obra Se Eu Fechar os Olhos Agora --que virou minissérie da Globo em 2018.

Antes de sua demissão, teve contato com Gloria Maria na Redação do Globo Repórter, programa que ela apresentava com Sandra Annenberg. Segundo o jornalista de 73 anos, o diagnóstico de câncer de Gloria foi ocultado nos bastidores da emissora até que as internações se tornaram mais recorrentes, sendo impossível manter a discrição.

"Ela se afastou lá por outubro ou novembro. Ela sentava do meu lado lá no Globo Repórter, era uma grande contadora de histórias, muito divertida. E aí aconteceu isso, né? Nós nunca soubemos de nada por parte dela", conta ele ao Notícias da TV.

Desde que deixou a emissora, o jornalista ocupa seu tempo com seus projetos literários e lançou um curso de escrita criativa. Ele não pensa em trabalhar na televisão novamente. "Se eu voltar para a TV, não existe mais aquele Jornalismo de antes, aquela TV não existe mais. Hoje existe um outro tipo de noticiário, não melhor ou pior, apenas um outro tipo", aponta.

Confira a seguir a entrevista exclusiva com Edney Silvestre:

NOTÍCIAS DA TV - O que está fazendo neste momento, fora da Globo?

EDNEY SILVESTRE - Eu estou escrevendo um livro. Já escrevi, na verdade. Agora estou corrigindo, e sai em outubro. É chamado Segredos de um Repórter, e eu falo dessas diferenças de em um dia você estar cobrindo o tapete vermelho do Oscar; no outro, correndo da polícia no centro do Rio de Janeiro. Depois você está subindo a favela e cobrindo entrega de prêmio de MPB. E aí eu falo uma coisa que eu não sabia como repórter de imprensa escrita: eu nunca precisei me preocupar com roupa.

A Globo deixou você seguir com o desenvolvimento de seu curso de escrita criativa mesmo sendo contratado?

Eu teria que ter a permissão especial, porque esse curso é vendido. Eu não poderia, mas oficialmente fui demitido em janeiro. Muito gentilmente, o Ali Kamel me avisou três meses antes, inclusive me deu a liberdade de ir ou não trabalhar. Eu estava fazendo o Globo Repórter na época e continuei. Eu adoro a Redação, é a única coisa de que eu sinto falta: da minha convivência e dos meus colegas. Todos os meus colegas de Globo Repórter sabiam, e ninguém comentou nada.

A Sandra Annenberg também fazia parte desse grupo de amigos da Redação?

Adoro a Sandra, ficamos muito amigos no Globo Repórter, mas já nos conhecíamos por vídeo, porque ela apresentava o Jornal Hoje, e eu fazia entradas ao vivo lá de Nova York, então a gente conversava, mas era só isso. Quando eu voltei em 2002 ao Brasil, estava fazendo uma série pro Jornal Nacional, aí fomos jantar e tivemos logo aquele sentimento de que ela era minha amiga desde a infância. Depois ela passou para o Globo Repórter, e ficamos ainda mais amigos.

Você chegou a falar com a Gloria Maria antes da internação dela?

Ela se afastou lá por outubro ou novembro. Ela se sentava do meu lado lá no Globo Repórter, era uma grande contadora de histórias, muito divertida. E aí aconteceu isso, né? Nós nunca soubemos de nada por ela. Se você me perguntasse como ela estava, eu sinceramente não saberia dizer. Havia uma discrição muito grande, até porque se a doença dela fosse divulgada, envolveria duas adolescentes. Já pensou você ler a notícia de que sua mãe tem um câncer no cérebro? Mas todo mundo protegeu a Gloria e as meninas, até que não teve mais como segurar. Era uma internação atrás da outra, e então ela se foi.

A Globo perde ou ganha com essas inúmeras demissões de jornalistas com bagagem, como você?

A Globo perde ao não ter, por exemplo, Neide Duarte e Marcelo Canelas, mas eles ainda têm a Sônia Bridi. Ela é fabulosa, uma grande repórter em qualquer parte do mundo. As motivações que a empresa teve eu não sei, mas de fato ainda há grandes repórteres na TV Globo, e outros grandes saíram. Não que seja o meu caso, não me acho um grande repórter, apenas sou eficiente, faço meu dever de casa, tenho espírito de equipe e um leque de conhecimentos políticos e artísticos. É muito da minha geração, tínhamos uma formação eclética.

Sua demissão da Globo foi amigável?

Totalmente amigável. Eu fui chamado e teve uma linda carta, daquelas cartas que agora nem tem mais. O Ali escreveu lindamente, minha Redação do Globo Repórter fez uma festa para mim, me deram um bonequinho... Não foi nada traumática. A Globo é uma empresa e, assim como toda empresa, ela te contratata quando está interessada em seus serviços.

Sua trajetória na TV acabou assim que foi demitido, ou planeja voltar?

Do jeito que foi, nunca mais será. Apresentei com a Neide Duarte, tinha o GloboNews Literatura, fui repórter fixo do Globo Repórter, viajava muito, e isso não acontecerá mais. Se eu voltar para a TV, isso não existe mais, aquela TV não existe mais. Hoje existe um outro tipo de noticiário, não melhor ou pior, apenas um outro tipo.

Você fez grandes coberturas jornalísticas ao longo da carreira, como a invasão do Iraque e o 11 de Setembro. Colocou sua vida em risco?

Vida em risco a gente coloca indo para favela no tiroteio, em uma passeata, e no Iraque, mas quem cobre isso sabe que é assim. Não é que você não tenha medo, é mentira que não existe medo. Claro que eu tive medo de levar um tiro ou de explodir uma mina no Iraque. Porém, você tem uma missão. No 11 de Setembro, por exemplo, ninguém sabia o que tinha acontecido e para onde estávamos indo com aquilo. O repórter tem uma missão, e você a cumpre. Repórter não é um destemido.

Como é o processo de criação de um livro de um escritor vencedor de grandes prêmios?

Eu aprendi na marra. Porque eu não fiz nenhum curso de Literatura e eu tinha vontade, uma história que eu queria escrever, e que tinha esses dois meninos, um preto e um branco, e uma mulher assassinada. Tinha começado a escrever e parei no meio porque conforme comecei, fui descobrindo mais coisas em pesquisas. Fui entrando em racismo, homofobia, História do Brasil, comecei a ir para trás do governo de Getúlio Vargas [1882-1954], então parei e falei: 'Não consigo'. Aconteceu que eu fui entrevistar o José Saramago [1922-2010] lá na ilha dele e, quando voltei, acabei escrevendo Se Eu Fechar os Olhos Agora.


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