FUI BANDIDO
Reprodução/Multishow
Samuel Muniz de Araújo, o Samuca, em depoimento para a série Fui Bandido, do Multishow
LUCIANO GUARALDO
Publicado em 4/6/2017 - 7h46
Ainda adolescente, Samuel Muniz de Araújo, o Samuca, aterrorizou o Rio de Janeiro: na década de 1980, foi um dos assaltantes de banco e sequestradores mais temidos da cidade. Preso em seu aniversário de 22 anos, começou a compor pagodes e a participar de reuniões kardecistas. Solto e regenerado, ele conta sua história no episódio de estreia de Fui Bandido, série documental que o Multishow exibe a partir deste domingo (4).
A nova produção, uma parceria do canal pago com o Grupo Cultural AfroReggae, exibirá diariamente, às 23h30, a história de um ex-criminoso que encontrou um novo caminho. Samuca é a estrela do primeiro de oito episódios da temporada.
"A ideia do Fui Bandido é mostrar que é possível mudar, transformar, que todos merecem uma segunda chance. Que, para muitos deles, é a primeira chance, aliás", explica José Júnior, fundador do AfroReggae.
Fui Bandido não tenta pregar lições de moral nem defende uma ou outra religião como caminho de salvação: apesar de participar das reuniões espíritas na cadeia, Samuca não segue doutrinas kardecistas e prefere vivenciar seus próprios preceitos. "Eu assumi um compromisso com Deus. Minha ideia era vencer e provar para a sociedade que era possível a ressocialização", diz ele na atração.
Mais do que a religião, foi a música que teve um papel essencial para o ex-sequestrador, conhecido por seu sangue frio durante as ações. "Não dá para explicar o que é receber uma mensagem do universo, colocá-la no papel, poder cantar e fazer a diferença na vida de uma pessoa, saber que aquela música vai confortá-la", conta.
Para José Júnior, Fui Bandido chega à TV na hora certa. "É importante que essas pessoas apareçam na TV, deem seus depoimentos, porque nós vivemos um momento extremamente violento. O Brasil está ferrado, mas o Rio está ferrado ao cubo, a área de segurança pública está emperrada. O fato de esses caras virem a público em um momento de falência do sistema pode abrir muitos olhos, porque você só tira alguém do crime se der oportunidades", justifica.
A situação nos presídios, segundo o produtor, é preocupante. "É realmente uma escola do crime, algo catastrófico. Eles chegam lá com ensino fundamental e saem com pós-doutorado. Se esses caras se unem, conseguem tomar o país. Estamos nas mãos deles. A sociedade civil precisa ter uma participação mais efetiva nesse enfrentamento da crise política e de segurança, senão o Brasil vai acabar", alerta.
reprodução/multishow
Crimes cometidos pelos ex-bandidos são reconstituídos por meio de animações estilizadas
Ciente do papel da mídia no engajamento social, Júnior agradece o espaço dado pelo Multishow. "O canal é meu parceiro há dez anos e reserva esse horário para mim, embora não tenha muito a ver com o resto da grade, que é mais comédia e musical", diz ele, que quer uma exposição maior da situação:
"Acho que as novelas deviam aproveitar o espaço para denunciar o problema, apontar soluções. Nós precisamos começar uma sensibilização para ter respostas antes que seja tarde demais".
Conseguir ex-bandidos dispostos a mostrarem sua cara na televisão e relembrar o passado criminoso parece uma tarefa complicada, mas Júnior diz que não é o caso. "Tenho condições de fazer mais umas dez temporadas, com oito episódios cada. Eles topam aparecer por uma motivação maior, porque deram a volta por cima e hoje são multiplicadores do trabalho de regeneração, todos trabalham com a redução da criminalidade", afirma.
Samuca, por exemplo, hoje trabalha no Centro Cultural A História que Eu Conto, que oferece oficinas de grafite, pintura, dança contemporânea e teatro para crianças e adolescentes, de forma a mantê-los longe do crime.
Em eventuais próximas temporadas, Fui Bandido deve mostrar casos de mulheres e de mais ex-criminosos paulistas _na primeira etapa, todos os depoimentos são de homens, apenas um de fora do Rio de Janeiro.
O único paulista, aliás, contará sua história no episódio de amanhã (5). Nascido no Capão Redondo, Marcos Lopes foi expulso da escola aos 14 anos. Sem oportunidades, começou a assaltar e a comandar pontos de tráfico. Após a morte de uma amiga, decidiu largar o crime e voltou a estudar. Formado em Letras com uma bolsa de estudos integral, bateu na porta do colégio do qual tinha sido expulso.
"A diretora falou que não tinha lugar para eu estudar ali, que era para procurar outra escola. E eu disse: 'Não vim aqui para ser aluno, vim porque quero dar aulas'", lembra Lopes ao programa, que é dirigido por Luis Erlanger, ex-chefe da comunicação institucional da Globo. Hoje, ele tem um livro publicado (Zona de Guerra) e fundou o Projeto Sonhar, que retira adolescentes e jovens da criminalidade.
"Não é que eles viram santinhos, mas todos tiveram uma oportunidade e mudaram, deram a volta por cima e venceram. É isso que o programa deseja transmitir, a importância da oportunidade", resume José Júnior.
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