Messias Negro
Imagens: Reprodução/Netflix
O ativista Malcolm X, tratado pelo FBI como messias, durante discurso mostrado em documentário da Netflix
JOÃO DA PAZ
Publicado em 12/2/2020 - 4h55
O ativista negro Malcolm X (1925-1965) foi assassinado há 55 anos, mas até hoje não se sabe quem realmente mandou matá-lo. A Netflix reabriu esse caso com um documentário lançado na última sexta-feira (7), e as novas evidências mostradas, como o desdém do FBI e uma rede de intrigas entre muçulmanos, podem levar a uma nova investigação.
Ao longo de seis capítulos, Quem Matou Malcolm X? esmiúça a vida do ativista, tratado pelo FBI como um messias. A atração aponta que dois dos três homens condenados por participar da execução, em um domingo de manhã e durante uma palestra, são inocentes. Os argumentos convencem tanto que a promotoria do Estado de Nova York estuda se o caso deve ser reaberto.
O historiador Abdur-Rahman Muhammad, a voz do documentário, tem fama de ser a pessoa que mais conhece as circunstâncias da morte de Malcolm X. Ele reuniu na produção documentos e depoimentos de suma importância, conseguindo até uma entrevista com Muhammad Abdul Aziz (conhecido por Norman 3X Butler), um dos homens presos pelo ataque, que alega ser inocente.
Khalil Islam (conhecido por Thomas 15X Johnson) estava na mesma situação de Aziz, também negava seu envolvimento com o crime. O outro integrante do trio detido é Mujahid Abdul Halim --esse sim assumiu a culpa e testemunhou sob juramento que Islam e Aziz não haviam participado da cilada.
Mas o depoimento do réu confesso não valeu de nada: Islam morreu em 2009, Halim está em liberdade condicional desde 2010, e Aziz saiu da prisão em 1985, após passar duas décadas preso por um crime que não cometeu.
Líder muito querido e carismático, Malcolm X angariava fiéis e inimigos na mesma proporção. No documentário, Aziz usa essa mística do líder a seu favor. "Se achassem que eu era culpado, eu teria sido morto", responde ao ser questionado sobre como era o convívio com uma população carcerária que amava o pregador muçulmano. "Você não vive durante 20 anos na prisão se as pessoas não quiserem", completa Aziz, com um riso de alívio.
Esse é Abdur-Rahman Muhammad, historiador que sabe tudo sobre a morte de Malcolm X
O historiador revela que foram cinco as pessoas envolvidas no assassinato do líder negro. Segundo ele, além de Halim, os outros quatro seriam integrantes da Nação do Islã, grupo religioso do qual Malcolm X fazia parte, mas que deixou após desavenças com o líder do movimento, o honorável Elijah Muhammad (1897-1975). O quarteto frequentava uma mesquita na cidade de Newark, no Estado de Nova Jersey.
Malcolm X e a Nação do Islã viviam uma rixa no fim dos anos 1960. Naquela época, o cisma foi criado porque Malcolm insistia em expor o racismo da sociedade branca americana fazendo uso de palavras duras. Elijah queria freá-lo.
O estopim desse embate foi a morte do presidente John F. Kennedy (1917-1963). Malcolm disse, em público, "aqui se faz, aqui se paga" ao comentar a execução do popular político, assassinado durante uma carreata. Então, Elijah puniu o pupilo, tirando dele várias responsabilidades, como ser a voz nacional da organização.
Filhos de Elijah e outros líderes do grupo não gostavam de Malcolm X, e o FBI sabia disso, como o documentário expõe. A polícia federal norte-americana escutava conversas e telefonemas de toda a cúpula da Nação do Islã e acompanhava cada passo do messias negro. Havia uma conspiração para matar Malcolm X. "Para verdadeiramente freá-lo, só se livrando dele", dizia uma das escutas.
Por essas e outras, o historiador Muhammad deixa claro que o FBI interferiu sim na morte de Malcolm X, direta ou indiretamente. Dezenas de agentes viviam grudados no líder, alguns infiltrados entre os seguidores. Cada palestra do ativista tinha ao menos 20 policiais nas cercanias. Em 21 de fevereiro de 1965, no salão no qual Malcolm X levou 21 tiros, nenhum agente da lei foi visto.
Além de chegar com atraso à cena do crime, a polícia nada fez para mantê-la intacta com o objetivo de coletar provas. O ataque foi durante o dia, testemunhado por 400 pessoas que desejavam ouvir Malcolm X. À noite, às 19h, ocorreu um baile no mesmo salão. Os detetives não lacraram o local, um dos desleixos da investigação.
Quem Matou Malcolm X? tem muitos méritos, além do fato de desvendar mistérios e, quem sabe, forçar uma nova investigação e punir os verdadeiros culpados. É um documentário muito bem feito e que mostra o quão eloquente e inteligentíssimo orador Malcolm X era. O líder nato ameaçava o sistema, o que justificava ser chamado de messias negro pelos inimigos.
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