ESPECIAL POLÊMICO
Divulgação/Porta dos Fundos
Fábio Porchat vive Orlando, o namorado gay de Jesus (Gregorio Duvivier) no especial do Porta dos Fundos
A Netflix decidiu partir para a ação para manter o especial do Porta dos Fundos no ar. Fontes do Notícias da TV informaram que a plataforma de streaming entrou com uma reclamação constitucional no STF (Supremo Tribunal Federal) para driblar o desembargador Benedicto Abicair, que havia solicitado a retirada do humorístico do serviço na quarta (8).
A reclamação constitucional é uma forma de evitar a liminar do magistrado e garantir a autoridade da decisão do Supremo. Trata-se de um instrumento jurídico geralmente acionado quando algum juiz ou tribunal processa ou julga ações ou recursos que deveriam ser competência do STF. Não é, portanto, um recurso.
Optar pela reclamação é uma maneira de a Netflix afirmar que a decisão do tribunal não obedece ao entendimento anterior da Corte Federal. "Tal ingerência judicial sobre o conteúdo cinematográfico equivale, ainda, à verdadeira censura ampla e geral. É que as decisões reclamadas, caso mantidas, têm o condão de causar um efeito silenciador no espectro da liberdade de expressão", afirma a fonte.
Procurada, a Netflix não confirmou a entrada da reclamação. "Nós apoiamos fortemente a expressão artística e vamos lutar para defender esse importante princípio, que é o coração de grandes histórias", limitou-se a dizer, por meio de nota.
No texto apresentado ao Supremo, a plataforma afirma que a decisão de Abicair é de "manifesta censura". "Impôs-se um controle sobre conteúdos artísticos que, a pretexto de conferir prevalência às liberdades religiosas, importou em retirada de conteúdo audiovisual disponibilizada a público específico", diz a reclamação.
Segundo o jornal Valor Econômico, o ministro Dias Toffoli, deve decidir sobre o assunto ainda nesta quinta-feira (9). O relator do pedido é o ministro Gilmar Mendes, mas como o Judiciário está de recesso até o mês que vem, cabe ao presidente do STF julgar as questões consideradas urgentes.
O Porta dos Fundos informou à reportagem, por meio de sua assessoria, que é contra a censura e o autoritarismo. "O Porta dos Fundos é contra qualquer ato de censura, violência, ilegalidade, autoritarismo e tudo aquilo que não esperávamos mais ter de repudiar em pleno 2020. Nosso trabalho é fazer humor e, a partir dele, entreter e estimular reflexões", disse o grupo humorístico em nota.
"Para quem não valoriza a liberdade de expressão ou tem apreço por valores que não acreditamos, há outras portas que não a nossa. Seguiremos publicando nossos esquetes todas as segundas, quintas e sábados em nossos canais."
"Por fim, acreditamos no Poder Judiciário em manter a defesa histórica da Constituição Brasileira e seguimos com a certeza que as instituições democráticas serão preservadas", encerra o Porta.
Divulgada na quarta-feira, a liminar do desembargador Benedicto Abicair, da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, causou controvérsia, com acusações de censura e de fim da liberdade de expressão. O magistrado afirmou em sua decisão que a retirada do humorístico do ar seria uma maneira adequada e benéfica de "acalmar ânimos".
"Por todo o exposto, se me aparenta, portanto, mais adequado e benéfico, não só para a comunidade cristã, mas para a sociedade brasileira, majoritariamente cristã, até que se julgue o mérito do Agravo, recorrer-se à cautela, para acalmar ânimos, pelo que concedo a liminar na forma requerida", escreveu o magistrado.
Abicair ressaltou ainda que não consegue classificar o especial do Porta dos Fundos como "produção artística" e que seria menos prejudicial tirá-lo do ar do que mantê-lo em uma plataforma que pode ser acessada inclusive por crianças --apesar de o programa ter classificação indicativa 18 anos.
"Ressalto, por oportuno, que as redes sociais são incontroláveis e a Netflix, até onde sei, é passível de ser acessada por qualquer um que queira nela ingressar, inclusive menores, bem como o título de 'produção artística' não reflete a realidade do que foi reproduzido", proclamou o magistado.
"Daí a minha avaliação, nesse momento, é de que as consequências da divulgação e exibição da 'produção artística' da primeira Agravada são mais passíveis de provocar danos mais graves e irreparáveis do que sua suspenção [sic], até porque o Natal de 2019 já foi comemorado por todos."
A decisão vai ao encontro de um pedido de retirada do ar feito pela Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura. Em primeira instância, a solicitação do grupo havia sido negada. O magistrado alegou ser a favor da liberdade de expressão, mas ressaltou que isso não significa uma brincadeira sem limites com a fé alheia.
"O debate consiste na troca de opiniões. A crítica na avaliação contrária a gostos ou princípios. Achincalhe consite em desmerecer algo ou alguém por motivos subjetivos, sem medir consequências. Assim que interpreto", define.
"O que se pretende, nos autos, é apurar, dentro dos princípios morais, constitucionais e legais como caracterizar o procedimento da primeira Agravada com sua 'obra de arte'. Ainda não há subsídios suficientes, sob minha ótica, para essa interpretação definitiva", continua Abicair na liminar.
"Contudo, sou cauteloso, seguindo a esteira da doutrina e jurisprudência, leia-se STF, de que o direito à liberdade de expressão, imprensa e artística não é absoluto. Entendo, sim, que deve haver ponderação para que excessos não ocorram, evitando-se consequências nefastas para muitos, por eventual insensatez de poucos."
O especial de cerca de 45 minutos apresenta uma versão de Jesus (Gregorio Duvivier) com tendências homossexuais e que volta de sua passagem de 40 dias pelo deserto acompanhado do namorado, Orlando (Fábio Porchat). A representação de um Cristo gay incomodou religiosos.
Por causa do especial, a sede do Porta dos Fundos no Rio de Janeiro foi alvo de um atentado na madrugada de 24 de dezembro. Dois coquetéis molotov foram jogados contra o prédio. O fogo foi contido pelo segurança que estava no local no momento do ataque.
O único suspeito identificado, Eduardo Fauzi, fugiu para a Rússia no fim do mês passado, antes da expedição de um mandado de prisão contra ele. Considerado foragido pela Justiça brasileira, ele foi adicionado à lista da Interpol para que seja extraditado de volta ao país.
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