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NO QUADRO X1000

Globo é condenada a indenizar vítima de pegadinha no Caldeirão mesmo após morte

REPRODUÇÃO/TV GLOBO

O apresentador Luciano Huck em uma van, em 2013; atrás dele, estão integrantes de uma banda de fanfarra

Luciano Huck arma uma pegadinha para exibição do quadro X1000, em 2013: Globo condenada na Justiça

LI LACERDA e VINÍCIUS ANDRADE

Publicado em 18/2/2020 - 5h57

A Globo foi condenada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro a pagar uma indenização de R$ 30 mil acrescida de juros por uso indevido de imagem e dano moral para Ricardo José Rímola, professor que foi vítima de uma pegadinha no quadro X1000, do Caldeirão do Huck, em 2013. O educador morreu em 2015 por problemas pulmonares, e a decisão do Judiciário saiu mais de quatro anos após o falecimento do autor da ação.

O Notícias da TV teve acesso à sentença do juiz Leonardo Grandmasson Ferreira Chaves. O magistrado entendeu que "embora o dano moral seja personalíssimo, seus efeitos patrimoniais são transmissíveis", por isso julgou o pedido da ação procedente mesmo depois da morte de Rímola.

Luciano Huck também era réu no caso, mas o juiz decidiu que o apresentador não tem "ingerência na produção do programa, ostentando apenas a qualidade de apresentador".

Rímola tinha saído de uma consulta médica quando foi abordado por um ator do programa, que interpretava um falso desempregado, na praça Saenz Peña, no bairro carioca da Tijuca. O homem, que usava uma camisa manchada por uma caneta azul estourada, pediu a camisa do professor emprestada porque tinha uma entrevista de emprego marcada.

A ideia do quadro era que a primeira pessoa que aceitasse emprestar a roupa para o homem ir à entrevista seria festejado por Luciano Huck e uma banda de fanfarra, além de receber o direito de multiplicar o valor das moedas que tivesse no bolso por mil.

Ricardo José Rímola não aceitou ceder a sua camisa e seguiu o seu caminho. Essa ação foi filmada por câmeras escondidas e exibida pela Globo no Caldeirão em 4 de maio de 2013. Luciano Huck estava em uma van na praça e mantinha contato com o ator através de um ponto eletrônico. O conteúdo pode ser visto aqui (o autor da ação judicial aparece a partir de 2 minutos e 15 segundos).

Fora do vídeo, depois de dizer "não" para o homem que fingia ir para uma entrevista em uma empresa, a vítima da pegadinha foi abordada por dois produtores do programa, que se identificaram, explicaram o quadro e pediram que ele assinasse um termo de uso de imagem. O professor preferiu não autorizar que seu rosto aparecesse na Globo.

O problema é que, mesmo assim, a emissora veiculou a interação do educador com o ator na praça. "A Rede Globo fez uso da imagem do autor sem seu devido consentimento. Tal fato, por si só, já se caracteriza como reprovável, pois nem todas as pessoas desejam participar de quadros televisivos em cadeia nacional", escreveu o juiz em sua sentença.

Ricardo José Rímola era coordenador do Curso de Enfermagem da Universidade São Camilo (Foto: Divulgação/São Camilo)

"No caso em análise, o autor não atendeu a solicitação [do ator], sendo retratado em cadeia nacional como exemplo de pessoa não gentil, evidenciando, assim, uma característica negativa", defendeu o magistrado.

Rímola era coordenador do Curso de Enfermagem da Universidade São Camilo, além de ser professor de Legislação e Ética do centro de ensino. De acordo com Ana Beatriz Dias Rímola, sua filha, ele passou a ser alvo de piadas dos alunos após ter sua imagem veiculada sem autorização no Caldeirão.

"Muito embora a imagem tenha sido gravada de longe, é plenamente possível a identificação do autor pelas pessoas de seu relacionamento pessoal e/ou profissional. Frise-se, inclusive, que a voz do autor também foi veiculada", justificou Leonardo Grandmasson Ferreira em sua decisão.

Em conversa com a reportagem, a filha de Rímola explica que a morte do pai não teve ligação com a veiculação de sua imagem na Globo, apesar de o fato tê-lo deixado "muito triste e constrangido pela exposição negativa". "Ele era uma pessoa muito séria, discreta e respeitada no meio dele", lamenta.

Globo e Huck se defendem

A Globo ainda pode entrar com recurso contra a decisão, proferida em setembro, mas que só agora veio à tona. Procurada, a emissora não enviou um posicionamento até a conclusão deste texto, mas, no processo, a empresa disse que não houve lesão à imagem do autor e que há "ausência de provas acerca dos fatos alegados, pedindo pela improcedência do pedido".

Ricardo José Rímola (de camisa clara) abordado por ator em quadro do Caldeirão do Huck

Já a defesa de Luciano Huck "sustentou a inexistência de responsabilidade civil, defendendo a legalidade da exibição da imagem do autor, na medida em que não houve a sua participação no programa, senão na qualidade de mero transeunte, de forma breve, transitória e superficial, em ambiente público, à distância, e em conjunto com outras pessoas que passavam pelo local".

"Dessa forma, sustenta que não foi dado qualquer destaque ao autor e suas características pessoais, nem foi feito qualquer comentário de caráter vexatório ou dasairoso. Ademais, sustenta que não houve qualquer finalidade comercial ou de proveito econômico na veiculação da imagem do autor, pugnando pela improcedência do pedido".

Apesar de livrar Huck da condenação, o juiz rebateu os argumentos da defesa do apresentador. Leia abaixo um trecho da sentença:

"A situação analisada nos autos se afigura suficiente para o reconhecimento do dano moral. Em primeiro, porque a imagem foi utilizada sem autorização do autor, fato grave ao ver deste Juízo. Em segundo, porque o programa valorou negativamente a conduta do autor, que não ajudou o semelhante, que se encontrava em busca de emprego."

"A alegação de que a exibição não tinha fins comerciais não merece prosperar. Qualquer programa a ser exibido por uma emissora de televisão tem por fim alcançar o maior índice de audiência possível, pois quanto maior a audiência, maior o valor cobrado pelos anúncios publicitários exibidos ao longo daquele programa."

"No caso em análise, o programa apresentado pelo comunicador Luciano Huck possui, ou possuía à época, bons índices de audiência, principalmente porque nele pessoas comuns são agraciadas com reformas de carro, de casa ou com prêmios inusitados, como no caso do quadro (X1000), onde a imagem do autor [da ação] foi veiculada."

"O tempo de exibição da imagem também não é influente para afastar o reconhecimento do dano, mas tão somente para dimensionar sua extensão. No caso, o autor foi abordado, trocou palavras com o ator, que se passava por necessitado, e negou-lhe ajuda. Embora tudo tenha ocorrido em 20 segundos, o tempo de exibição foi suficiente para identificação do autor."

"Não vislumbro que as características pessoais do autor tenham sido exploradas. Pelo contrário, em nenhum momento o apresentador faz referência a elas. Todavia, o fato de o autor exercer, à época, o cargo de coordenador do curso de Enfermagem, incrementa a repercussão que o fato causou em sua vida."

"Cotejando, pois, todos os pontos acima mencionados, reconheço o dano moral pleiteado e o arbitro no valor de R$ 30 mil, com juros de 1% ao mês, a contar do evento danoso."

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