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MEMÓRIA DA TV

Em 1990, Globo quase comprou concorrente para frear Pantanal e crescimento do SBT

REPRODUÇÃO/MANCHETE

A atriz Cristiana Oliveira montada num cavalo, em paisagem de campo, em cena de Pantanal

A atriz Cristiana Oliveira em cena como Juma, a protagonista de Pantanal (1990), na Manchete

THELL DE CASTRO

Publicado em 17/10/2021 - 7h09

Em 1990, a Globo tentou de tudo para frear o sucesso de Pantanal. Enquanto a novela da Rede Manchete era exibida, a emissora apelou para a nudez de Cláudia Raia em Rainha da Sucata, promoveu uma nova experiência no formato de novelas, com Araponga, apostou na minissérie Riacho Doce, estreou filmes, entre outras estratégias do gênero. Todas em vão. A Globo foi capaz até de ajudar uma concorrente para tentar minar o sucesso da Manchete e ainda roubar preciosos pontos do SBT, que vivia fase de crescimento.

Em abril daquele ano, foi firmado um consórcio entre a Globo e a TV Gazeta, da Fundação Cásper Líbero, para a exibição, justamente no horário nobre, de filmes e minisséries cujos direitos pertenciam à emissora da família Marinho. O objetivo era tirar a Gazeta dos últimos lugares do ranking do Ibope e triplicar sua audiência, para que chegasse a pelo menos seis pontos.

Entre as produções cedidas pela Globo estavam os filmes Gente com a Gente (1980), Norma Rae (1979), O Doce Sabor de um Sorriso (1981), De Repente, o Amor (1978), Alice não Mora Mais Aqui (1974), Em Algum Lugar do Passado (1980), Oh! Que Bela Guerra (1969) e À Sombra do Vulcão (1984). Também estavam no pacote as séries Casal 20 (1979-1984), Curto-Circuito (1985) e Os Intocáveis (1959-1963), além da minissérie Instinto Assassino (1986) e desenhos animados.

Nos intervalos, seriam exibidos pequenos boletins jornalísticos produzidos pela própria Gazeta, que contratou mais de 20 funcionários e colocou para comandar a emissora um ex-diretor da Globo.

A aproximação entre as duas empresas começou no final de 1989, quando a Globo alugou espaços no prédio da FCL e possibilitou a compra de um novo transmissor para o pequeno canal.

Possível compra foi negada

Na época, se comentou até que a Globo queria comprar a Gazeta ou que iria assumir a sua programação, o que gerou protestos das concorrentes. O fato foi prontamente negado pela direção do canal carioca.

Além de minar as concorrentes, a Globo ainda queria lucrar com a parceria. A emissora receberia 50% do lucro líquido obtidos com a comercialização dos espaços publicitários da faixa, cujos valores subiram bastante.

"A Fundação Cásper Libero não poderia deixar de pegar esse presente. É mais do que claro que a Globo quer combater o SBT em São Paulo com duas emissoras. Isso não me surpreende, vindo da Globo. É uma forma de ampliar o monopólio que eles detêm, de esmagar os outros concorrentes. Mas eles são assim mesmo. Não medem esforços para fazer qualquer jogada. Se isso é juridicamente legal, nós não vamos poder fazer nada", disse Luciano Callegari, então superintendente artístico e operacional do canal de Silvio Santos, em matéria da Folha de S.Paulo de 15 de fevereiro de 1990.

O então vice-presidente de Operações da Globo negou veementemente as acusações do SBT em reportagem do mesmo jornal no dia seguinte.

"A Top-Tel, distribuidora de filmes ligada à Globo, negociou filmes com a Gazeta através de acordo de venda direta ao mercado publicitário. A Rede Globo não terá nenhuma interferência nessa operação. Minha única iniciativa foi ampliar as áreas que temos alugadas no edifício Cásper Libero, visando transferir para lá o complexo exibidor da TV Globo de São Paulo. Sei que com o resultado financeiro desse aluguel a TV Gazeta poderá pagar seu novo transmissor", enfatizou.

Boni ainda foi além e detonou a emissora de Silvio Santos. "Não nos preocupamos com o SBT, que está num distante segundo lugar e, no momento, perdendo em vários horários para a Bandeirantes e a Manchete. A Globo pretende estar cada vez mais ligada a São Paulo, e o caminho não é a Gazeta, mas sim nosso próprio jornalismo. Vamos ampliar essa área na Globo de São Paulo a partir de março e, para isso, já estamos fazendo investimentos em equipamentos e profissionais", disparou.

"Não consta que a Globo seja proprietária da Gazeta e isso soa estranho. Mas tudo faz parte da democracia", declarou Expedito Grossi, então diretor-geral da Manchete, que ainda disse que não se preocupava com o fato de a grade global ser mostrada justamente no horário de Pantanal.

Mas o tiro saiu pela culatra: apesar do barulho feito na imprensa e de uma grande campanha publicitária, a iniciativa naufragou. Sem grande penetração na audiência, a Gazeta não decolou.

Em junho, na estreia da parceria, por exemplo, o filme Gente como a Gente marcou somente um ponto no Ibope. A Globo, com o longa-metragem Mulher Nota Mil, ficou com 27, enquanto Pantanal deu a liderança para a Manchete, com 31 pontos.

Dessa forma, o receio das concorrentes passou, e o assunto foi jogado para escanteio pela mídia. A parceria ainda vigorou nos meses previstos, mas ficou somente nisso.


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