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Memória da TV

Nos anos 1980, Silvio Santos tentou unificar o horário de todos os telejornais

Reprodução/SBT

 - Reprodução/SBT

THELL DE CASTRO

Publicado em 10/7/2016 - 8h56

Entre 1987 e 1988, Silvio Santos usou um de seus principais programas, o Show de Calouros, para fazer uma campanha pela da unificação do horário das transmissões dos telejornais em todas as emissoras do Brasil, com o intuito, segundo ele, de levar informação e instrução ao povo brasileiro. Silvio queria que todos os telejornais fossem ao ar entre 19h50 e 20h30, no mesmo horário do Jornal Nacional. A ideia, apesar da adesão inicial da maioria dos canais, não foi levada adiante.

A inspiração de Silvio Santos veio dos Estados Unidos. Lá, as três principais redes (NBC, ABC e CBS) exibem, até hoje, seus principais telejornais às 18h30. Naquela época, sem TV por assinatura e internet, o jornalismo da TV aberta era a única opção de informação da maioria da população.

Num histórico programa de 1988, quando retornou ao ar após algumas semanas de afastamento para tratamento de saúde, Silvio detalhou a ideia, dizendo que todos os canais deveriam colocar um telejornal no mesmo horário do Jornal Nacional, da Globo. "Quando chega o período pré-eleitoral, todas as emissoras fazem programas políticos. Não adianta mudar de canal porque sempre é programa político. O faxineiro, a zeladora, o intelectual, querendo ou não, assistem e aprendem alguma coisa", explicou, referindo-se à propaganda eleitoral obrigatória.

"Todas as emissoras de televisão deviam fazer o seu jornal, por mais pobre que sejam. Peguem o jornal do dia e leiam, que tenha apenas um locutor, mas que o telespectador não possa mudar de canal. Onde ele mudar, vai encontrar o jornal daquela televisão. Aí, sim, os brasileiros que não gostam e não podem comprar jornais, às vezes não sabem nem ler, de 19h50 às 20h30, em todo o Brasil, em qualquer lugar, encontrariam o jornal da emissora local. O jornal de Quixeramobim, o jornal da Globo, o jornal do Silvio Santos, o jornal da Educativa, o jornal da TV Rodoviária, mas não teriam opção, teriam que ver o jornal, o que está acontecendo no Brasil e aprender a ser brasileiros e patriotas", completou.

Um ano antes, num Show de Calouros de 1987, Silvio chegou a colocar no ar diretores das emissoras e políticos para debater o assunto. O primeiro a falar foi o ex-presidente João Figueiredo (1918-1999), que aprovou a ideia. "Só o simples fato de que todos os brasileiros estarão tomando conhecimento dos fatos mais importantes do Brasil e do mundo é suficiente para ser favorável à ideia. A boa informação não deixa de ser instrução, educação, ensinamento, sentimento de brasilidade, etc. O essencial é fazer chegar ao povo o que seja moralmente são, que expresse a verdade, e dê uma ideia do que é, do que pode ser e do que será a nossa sociedade", disse.

Em seguida, participaram dirigentes de outros canais, alguns em vídeos previamente gravados, outros ao vivo por telefone. "Silvio, a sua sugestão coincidiu com o plano que a TV Cultura está desenvolvendo há dois meses", disse Roberto Muylaert, da TV Cultura, informando que a emissora havia contratado Carlos Nascimento para seu telejornal analítico, em que ele viria a ser o primeiro âncora da televisão brasileira.

Jorge da Cunha Lima, da TV Gazeta, achou a ideia louvável, mas destacou que a emissora não tinha telejornal na época, mas apenas boletins informativos ao longo do dia. "Se um dia viermos a fazer esse telejornal noturno, convencional, também entraremos nessa verdadeira rede de conscientização nacional proposta pelo Silvio Santos", destacou.

Em seguida, Guilherme Stoliar, sobrinho de Silvio Santos e dirigente do SBT na época, deixou claro que, evidentemente, concordava com a ideia. "Como diretor de uma rede de televisão, tenho obrigações com a população. Se todas as emissoras fizeram os seus jornais no mesmo horário, nós, do SBT, teremos uma queda de audiência. Mas o sacrifício vale a pena, pois, assim, nossa comunidade receberá mais informações e cultura", explicou o atual presidente do Grupo Silvio Santos.

Silvio Santos com João Batista Figueiredo, último presidente da Ditadura Militar, em 1984

João Jorge Saad (1919-1999), dono da Band, havia combinado de enviar uma gravação de seu filho, Johnny Saad (atual presidente do Grupo Bandeirantes de Comunicação), mas motivos pessoais os impediram de participar _sua mãe estava doente e uma irmã morrera naquele domingo.

Mesmo assim, Silvio Santos insistiu, ligou ao vivo na casa do empresário, tendo uma divertida conversa com a empregada, e, depois, na casa da mãe dele, até encontrá-lo na Band, um pouco mais tarde. Silvio acabou levando uma cutucada de Saad.

"Para mim, não tem problema, porque eu faço jornalismo. Talvez você, Silvio Santos, não faça tanto jornalismo como eu faço", disse. "A nossa linha-mestra é jornalismo. Eu não estou nem atendendo você, mas está dentro do que você deseja. Já era minha intenção fazer o jornal das 19h30 às 20h30. Mas minha palavra está dada e meu jornal vai ser nesse horário", completou.

Posteriormente, Silvio abordou a Record, mas a emissora estava dividida. Metade dos acionistas (no caso o grupo do próprio animador, que tinha 50% da emissora) disse que era a favor. Dermeval Gonçalves saudou a ideia.

"Mas claro que sempre tem alguém que é do contra", disse Silvio, chamando o depoimento de Alfredo Carvalho, também acionista, que não concordava com a iniciativa. "Vejo com reservas a ideia lançada, pois deverá refletir negativamente nos resultados da empresa. Acredito na liberdade de expressão e creio que o jornalismo deva ser oferecido na televisão da forma mais ampla possível, a todos os segmentos da população, para permitir que os telespectadores tenham acesso aos fatos de acordo com as suas conveniências ou possibilidades, sem estarem restritos a um único horário. A diversificação atende àqueles que buscam um enfoque diferente da notícia, assistindo mais de um telejornal. Caso prevaleça, por unanimidade, o conceito de unificação, entendo que deva ser considerado o horário das 19h, já que é o escolhido pelo Ministério das Comunicações para a transmissão radiofônica da Voz do Brasil", destacou.

Silvio agradeceu a participação e disse que a ideia gerou um conflito entre os acionistas, inclusive com possibilidade de outro diretor, Paulo Machado de Carvalho Filho (1924-2010), pedir demissão. "Paulinho não deve tomar nenhuma atitude precipitada. Não queremos impor nada, queremos pedir, é possível que se chegue a um acordo. O Guilherme Stoliar disse que se a Record tiver algum prejuízo, ele cobre com dinheiro do bolso", disparou.

Por fim, foi a vez da participação da Manchete. Silvio Santos disse que falou com Adolpho Bloch (1908-1995), que estava "angustiado" e, depois, com Mauro Costa, então diretor de jornalismo, que gostou da ideia. David Elkind, dirigente da emissora, entrou ao vivo e disse que ainda não tinha uma posição. "A ideia parece muito boa. Determinamos uma análise mercadológica para que, em curtíssimo prazo, possamos dar uma resposta", explicou. Silvio insistiu, mas Elkind afirmou que ainda não havia definição.

Como se sabe, a ideia não prosperou, e cada emissora continuou exibindo seus telejornais nos horários desejados.


THELL DE CASTRO é jornalista, editor do site TV História e autor do livro Dicionário da Televisão Brasileira (Editora InHouse). Siga no Twitter: @thelldecastro


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