MEMÓRIA DA TV
REPRODUÇÃO/TV GLOBO
Franco Nero e Anne Archer protagonizaram a minissérie O Machão, exibida pela Globo
Publicado em 7/2/2021 - 7h11
Há exatamente 41 anos, no início de 1980, a Globo arrumou confusão com embaixadores de países islâmicos ao exibir a minissérie O Machão. Segundo os religiosos, a história era profundamente ofensiva aos mais elementares princípios da religião. O caso acabou sem maiores consequências, mas, inicialmente, quase causou um incidente diplomático ao governo brasileiro.
Feito para a televisão norte-americana em 1978, o filme The Pirate acabou virando O Machão no Brasil alguns anos antes, por conta da tradução do romance de Harold Robbins (1916-1997), feita por Nelson Rodrigues (1912-1980).
O livro, inclusive, foi proibido em 1976 pela censura da Ditadura Militar (1964-1985), mas acabou sendo liberado em outubro de 1979. Editada pela Editora Record, a obra estava na quinta edição, sendo grande sucesso de vendas, na época da exibição na TV.
Ao invés de exibir a produção na íntegra, a Globo acabou dividindo-a em quatro capítulos, que seriam mostrados em formato de minissérie durante o mês de fevereiro daquele ano na faixa Sexta Super.
Na história, um israelense, vivido pelo ator italiano Franco Nero, criado por um árabe rico e poderoso, é colocado no comando das vastas fortunas do petróleo de seu país. Ele entra em conflito com um grupo terrorista fanático, liderado por sua filha.
A confusão explodiu após a exibição do segundo episódio. De acordo com o Jornal do Brasil de 13 de fevereiro de 1980, um grupo de embaixadores de países islâmicos, como Arábia Saudita, Síria e Paquistão, foi ao Itamarati para protestar formalmente contra a exibição da produção.
"Segundo a argumentação do grupo, a ofensa é mais grave porque o filme sugere claras deformações de personagens árabes e islamitas. Para eles, a obra tem nítido objetivo de, dentro de uma ótica maniqueísta, situar os islamitas como homens de 'caráter duvidoso', tanto no aspecto religioso quanto no aspecto moral", explicou a reportagem do JB.
Segundo o jornal, a irritação maior se daria porque um dos capítulos que ainda seria exibido teria cenas ou falas desrespeitosas ao profeta Maomé.
O objetivo era solicitar a proibição da exibição da trama, o que foi prontamente negado pelo governo brasileiro, já que a Globo era uma empresa privada e os veículos de comunicação, de acordo com o então porta-voz diplomático brasileiro, Bernardo Pericás, eram livres. Como o filme havia sido liberado pela censura, não havia mais o que ser feito.
No JB do dia seguinte, foi informado que a direção da emissora entrou em contato com o chanceler Saraiva Guerreiro (1979-1985) para saber o nível do protesto apresentado. "Há uma preocupação real do grupo islâmico com o filme e a direção da Globo ficou de dar uma resposta sobre a continuação do seriado", informou a matéria.
Na mesma data, o representante da OLP (Organização para a Libertação da Palestina) no Brasil, Farid Sawan, disse que a fita "se assemelha aos filmes norte-americanos em que os índios dos EUA eram apresentados como criminosos e assassinos". "Para ele, a série O Machão é uma agressão e uma ofensa ao profeta Maomé e aos 800 milhões de muçulmanos que existem no mundo", enfatizou a publicação.
Depois de certa polêmica, os ânimos ficaram menos exaltados quando a Globo fez alguns cortes na série, tirando trechos "particularmente ofensivos", como informou o embaixador da Arábia Saudita no Brasil, Mamoun Kabani, no JB de 20 de fevereiro.
O último episódio foi exibido no dia 22 de fevereiro daquele ano. E a história, sem a repercussão que provavelmente teria hoje por conta das redes sociais, foi rapidamente esquecida. Alheia à confusão, quem se deu bem foi a Editora Record, que publicou um anúncio em diversos jornais, nesse mesmo dia, divulgando que a obra estava à venda em todas as livrarias. "Leia no livro tudo o que a TV não pode mostrar", dizia a peça.
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