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O DESAFIO

Com acusações de manipulação e abuso, reality de Round 6 vira pesadelo da Netflix

Fotos: Divulgação/Netflix

Participantes estão sentados no chão no cenário de Round 6: O Desafio; uma delas chora copiosamente

Participante chora durante Round 6: O Desafio; condições arriscadas e acusação de manipulação

LUCIANO GUARALDO

luciano@noticiasdatv.com

Publicado em 25/11/2023 - 21h00

Série original da Netflix mais vista da história, a sul-coreana Round 6 ganhou na última quarta (22) um filhote, O Desafio, que coloca 456 participantes do mundo todo em provas similares à da atração ficcional, mas com um prêmio bem real de US$ 4,56 milhões (R$ 22,3 milhões, na cotação atual). Mas o que deveria ser um sucesso fácil para a plataforma se transformou em pesadelo: participantes acusam a produção de abuso e de manipulação dos resultados, e uma empresa de advocacia ameaça processar o streaming por colocar a saúde dos competidores em risco.

Ao longo da semana, o Notícias da TV conversou com cinco jogadores de Round 6: O Desafio. Todos fizeram acusações graves contra a Netflix e a produtora Studio Lambert, responsável pelo reality. Com contratos que o proíbem de falar (até mesmo positivamente) sobre o que aconteceu nos bastidores, quatro deles pediram anonimato. O cantor Yohan Tanaka, único brasileiro entre os 456 participantes, topou revelar sua identidade.

Yohan, identificado como o jogador 379, aparece brevemente no primeiro episódio de Round 6: O Desafio. Ele saiu já na prova inicial, Batatinha Frita 1, 2, 3 --aquela que envolve uma boneca gigante e uma brincadeira elaborada de estátua. Mas sua eliminação logo de cara é controversa. O brasileiro assegura que ele e mais de uma dúzia de outros participantes foram "mortos" no jogo sem nenhuma explicação --apesar de terem cumprido a prova sem quebrar nenhuma regra e dentro do tempo estipulado pela produção.

Tempo, aliás, é um conceito relativo nos bastidores. Para quem assiste ao programa, fica a impressão de que a prova durou cinco minutos. Na realidade, segundo os participantes ouvidos, foram cerca de dez horas de gravação sob frio intenso e nenhuma possibilidade de se aquecer --e a temporada foi rodada em janeiro, quando a Inglaterra enfrenta temperaturas negativas.

"A gente não tinha relógio ou celular com a gente [para saber quanto tempo durou a prova], mas foi bem demorado e muito difícil. Eles faziam uma rodada, e aí tinha uma pausa de 20 minutos para eles passarem com as câmeras e os drones por todo mundo, para gravar as reações de cada um. E, nesse tempo, a gente tinha que se manter parado para não ser eliminado", conta Yohan.

Apesar do frio, todos tiveram de ficar com seus casacos verdes abertos, para que, no caso de uma eventual eliminação, a explosão dos pacotes de sangue cenográfico tivesse mais contraste nas camisetas brancas.

Uma das participantes, eliminada logo no início por se mexer quando não deveria, diz que recebeu a ordem de ficar deitada no chão, se fingindo de morta. Ela se recusou, com medo de ser pisoteada pelos jogadores que estavam atrás dela e precisariam correr pela pista de provas.

Todos os ouvidos ainda relatam que, por causa das temperaturas abaixo de zero e da longa gravação, viram pessoas desmaiar, chorar e implorar por ajuda médica. Uma jogadora chegou a ter convulsões, e outro foi retirado em um caixão cenográfico que fez as vezes de maca. Na série, é mostrada a desistência de uma única participante, que alega não conseguir mais manter sua posição de estátua e desaba no chão --como a edição faz parecer que a prova durou apenas cinco minutos, fica difícil entender o real motivo da queda.

Outra mulher que falou com a reportagem sob anonimato sofre de asma e, por causa das condições que enfrentou, foi diagnosticada com uma infecção respiratória quando voltou para casa e precisou ser tratada com antibióticos. "Se eu soubesse antes que enfrentaríamos condições tão extremas, teria levado minha bombinha marrom [de beclometasona, mais forte], em vez da azul [de salbutamol, de efeito mais rápido].

Na quinta-feira (23), a empresa de advocacia britânica Express Solicitors afirmou que vai processar a Netflix e a Studio Lambert por ter ameaçado a saúde dos jogadores em nome do entretenimento. Dois participantes já procuraram a firma, que busca outros envolvidos para dar mais peso à ação.

Ao site Hollywood Reporter, o produtor Stephen Lambert afirmou que, devido ao prêmio entregue pelo reality --o maior da história da TV mundial, segundo ele--, os participantes já deveriam esperar situações adversas. "Não dá para ser um passeio no parque, mas é mais divertido do que outros programas de sucesso exibidos nos Estados Unidos e no resto do mundo", minimizou. 

Manipulação dos resultados

O cantor brasileiro Yohan Tanaka alega que resultados de Round 6: O Desafio foram manipulados pela equipe

Para Yohan Tanaka, as condições ruins não foram o maior problema. Como Lambert, ele acredita que quem assistiu a Round 6 já deveria esperar obstáculos complicados --na série ficcional, afinal, os participantes morrem quando falham nas provas.

"Eu já sabia que ia ser difícil, porque nossos contratos eram abusivos, nós vendemos até a alma. Então, essa questão do frio, de não comer nem beber nada durante dez horas, de ficar com os dedos congelando, ver gente desmaiando, tendo convulsão. Tudo é triste, mas acho que faz parte da competição. O que pega para mim é essa grande farsa", acusa.

Tanaka aponta que não deveria ter sido eliminado na primeira prova. "A gente conseguiu passar, um grupo de 20 ou 30 pessoas, tudo na mesma rodada. Todo mundo se abraçou, eu chorava de soluçar, não aguentava mais, tudo em meu corpo doía. Nós ficamos sentados esperando a próxima rodada, foram mais uns 15, 20 minutos de pausa, para gravarem as reações de cada um, e aí quando ia começar, mandaram a gente sair da área de provas."

"Quando a gente se levantou para sair, o pacote de sangue de todo mundo estourou. Algumas pessoas começaram a chorar na hora, e eu tentei acalmar: 'Não, deve ser algum erro técnico, vamos conversar com a produção que está tudo certo'. E a equipe meio que tentando empurrar a gente dali. Na hora, eu já entendi o que estava acontecendo, porque trabalho com entretenimento há muito tempo", narra ele, que já trabalhou como modelo e também é estilista.

Ao perceber que o grupo seria eliminado injustamente, Yohan decidiu lutar. "Comecei a berrar, a fazer barraco, falei que a gente queria falar com o diretor, ver o material gravado para saber se atravessamos fora do tempo. E aí a galera começou a gritar também, a protestar, acho que todo mundo estava tomado pela emoção, pela adrenalina, foi uma confusão generalizada."

Um diretor criativo de Round 6: O Desafio chegou a conversar com o grupo do brasileiro e tentou acalmá-lo, prometendo que ia enviar a gravação por e-mail depois. "Eu enfiei o dedo na cara dele, porque ali ele estava tachando a gente de idiota, né? Falei: 'Você quer que a gente vá embora e espere você mandar isso por e-mail depois? Para você editar esse seu joguinho mentiroso? Quem você pensa que eu sou? Quem você pensa que a gente é? Somos todos adultos aqui!'. E era a galera toda xingando, gritando, revoltada."

Os protestos de nada adiantaram. "Chegou um momento em que a gente viu que nada ia resolver, que não tinha mais o que fazer. Fomos embora para o hotel, frustrados, chorando, nervosos, cansados. Todo mundo se sentindo mal, passados para trás mesmo, porque tiraram a nossa chance de ganhar um prêmio que nem sabemos se vai mesmo existir", alfineta.

A eliminação do grupo, apelidada de O Massacre dos 38 Segundos (pelo tempo que faltava no relógio para os jogadores cruzarem a linha de chegada), não foi a única manipulação apontada por Yohan. Ele alega que a jogadora Leann, que se destacou por estar competindo ao lado do filho, Trey, finalizou a prova uma rodada depois do brasileiro. "Ela estava atrás de mim! Quando o meu grupo passou, faltavam três segundos! Depois me contaram que o relógio magicamente subiu para cinco segundos para ela poder passar também."

O cantor também questiona a escolha de alguns participantes para receberem vantagens no jogo. No primeiro episódio, Kyle e Dani são chamados pela produção para eliminarem um competidor. Em nenhum momento é explicado por que os dois foram selecionados. "Até quem não participou do jogo e só assiste ao programa consegue perceber que tem manipulação aí. Por que aqueles dois têm essa oportunidade? O que eles fizeram?", questiona ele.  

Sinais de algo errado

Para os jogadores ouvidos pela reportagem, já havia indícios de que as coisas não seriam justas antes mesmo do início das gravações --mas eles se recusaram a enxergar o óbvio. Tanaka conta que, assim que chegou a Londres, já recebeu sua passagem de volta, marcada para uma semana depois, embora as gravações estivessem programadas para durar cerca de três semanas.

"Eu questionei por que eles já tinham o meu voo de volta sem saber quando eu seria eliminado, e eles disseram que era mais fácil comprar as passagens de todo mundo e depois ir adiando as viagens de quem fosse ficando. Isso nem faz sentido, mas na hora eu apenas acatei", lamenta.

Outra participante aponta que seu kit de microfone --uma argola pendurada no pescoço, como a usada pelos confinados do BBB--, era apenas um pedaço de plástico com uma espuma na ponta, sem nenhum aparato eletrônico que funcionasse para a captação do som. Ela questionou outros jogadores, e só alguns tinham equipamentos de verdade. Ao confrontarem os produtores, eles ouviram que quem recebeu o pedaço de plástico tinha um microfone sem fio.

A revolta chegou a tal ponto que os participantes se reuniram no WhatsApp em um grupo chamado Squid Game: The Nightmare (Round 6: O Pesadelo, em tradução literal). Tanaka afirma que ele foi responsável por batizar o grupo. "Porque foi isso que aconteceu, né? O sonho de todo mundo virou pesadelo."

O Notícias da TV teve acesso ao tal grupo, que atualmente conta com 141 membros. Ali, eles trocam relatos de suas experiências, de fatos estranhos que presenciaram durante as gravações e só agora compreenderam, e também mensagens de apoio. A maior parte dos participantes foi eliminada na prova da Batatinha Frita (no total, 259 pessoas caíram diante da boneca), mas há alguns que saíram na segunda e na terceira gincana também. 

"Se a competição fosse de verdade, ninguém reclamaria. Nós encaramos uma situação punk, mas foi por escolha nossa. Acreditei que poderia ganhar US$ 4,56 milhões pelos meus próprios méritos", alfineta Yohan. "Quem em sã consciência ficaria dez horas congelando no frio para depois ser eliminado porque já tinha gente demais? Para aparecer cinco ou dez segundos na TV? Eu sei que meu grupo atravessou a linha de chegada, e a Netflix errou feio ao eliminar 20, 30 pessoas de uma vez. Porque ali ela mostrou a manipulação."

Desde quinta (23), a reportagem procura tanto a Netflix no Brasil quanto a nos Estados Unidos para comentar as acusações de Yohan Tanaka e dos outros participantes. Apesar da promessa de que retornaria em poucas horas, a assessoria de imprensa norte-americana não respondeu mais os contatos. A equipe brasileira não se posicionou sobre o caso.


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