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ANÁLISE

Sucesso nos anos 2000, Friends é cancelada por nova geração por humor tóxico

REPRODUÇÃO/NBC

Rachel (Jennifer Aniston) em cena de Friends

Jennifer Aniston, intérprete de Rachel em Friends, questionou cenas preconceituosas da série

JOSÉ VIEIRA

jose@noticiasdatv.com

Publicado em 8/4/2023 - 6h35

Na última semana, Jennifer Aniston opinou sobre o conteúdo ofensivo de Friends (1994-2004). A série foi responsável por alavancar a carreira da atriz, que se imortalizou no papel de Rachel Green. "Deveríamos ter evitado", reconheceu ela, ao comentar sobre o teor preconceituoso de alguns episódios. Com uma geração cada vez mais engajada na luta por minorias sociais, o humor da série tem sido continuamente questionado.

Em 2022, Friends alcançou a oitava posição no ranking de séries mais consumidas nas plataformas de streaming nos Estados Unidos. Apesar de seu permanente sucesso, a produção ganhou uma nova perspectiva no decorrer dos anos. Se em 1994 a série conquistou o público com a característica moderna dos personagens, atualmente, nota-se um movimento que pretende colocar em xeque o roteiro de alguns episódios.

No contexto em que foi lançado, Friends abordou temas que eram considerados tabus. A liberdade sexual e a presença de personagens LGBTQIA+, por exemplo, eram temas recorrentes de episódios. No entanto, o aprofundamento de tais debates eram rasos e, muitas vezes, utilizados como ferramenta para o alívio cômico.

"Não só em relação a Friends, mas a gente vê que as sitcoms ficam mais datadas do que outros produtos da indústria midiática. Porque elas têm a chave humorística muito ligada ao costume daquele tipo de humor que se faz em uma determinada época", explica Maria Cristina Palma Mungioli, professora doutora da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).

O que envelheceu mal?

REPRODUÇÃO/NBC

Monica (Courteney Cox) come em Friends

Monica (Courteney Cox) era alvo de gordofobia

O episódio piloto de Friends é inaugurado com um desabafo de Ross Geller (David Schwimmer), que acaba de se divorciar após a ex-mulher se descobrir lésbica. O relacionamento formado por Carol (Janet Sibett) e sua nova parceira, Susan (Jessica Hecht), é fetichizado em diferentes diálogos da produção.

A LGBTfobia também se apresenta em outro núcleo da produção. Ao longo da série, os personagens descobrem que o pai de Chandler Bing (Matthew Perry) se identifica como uma mulher trans. A informação é utilizada como motivo de constrangimento pelo personagem, que tenta minimizar a identidade da familiar em múltiplas ocasiões --Helena/Charles (Kathleen Turner), aliás, é tratada por pronomes masculinos, um erro inaceitável nos dias de hoje.

Monica Geller (Courteney Cox) se tornou fonte de piadas mal avaliadas nos dias atuais. Em sua juventude, a personagem era rejeitada por ser gorda. Roteiristas abusavam de um roteiro gordofóbico para retomar o passado da chefe de cozinha. Na sexta temporada, por exemplo, os personagens chegam a afirmar que Monica continuaria virgem se não tivesse emagrecido.

Maria afirma ao Notícias da TV que existiam críticas ao teor intolerante do enredo de Friends já na época em que era transmitida. No entanto, com a expansão das redes sociais, as retaliações se tornaram mais estridentes. "Havia, sim, essa questão da discussão. 'Poxa, como foi machista, né?'. Conversando com as pessoas, a gente percebia isso", recorda.

"A repercussão era menor por conta da necessidade de que, se você quisesse falar, era preciso mandar uma carta. Como nas novelas aqui no Brasil, se você não gostasse de algo, você mandava uma carta para a emissora", continua. "Hoje você vai no Twitter, grita, fala alguma coisa, repercute e a própria emissora já tem seu acompanhamento, se posicionando".

A ausência de personagens pretos é outro ponto negativo para a produção. Aisha Tyler, intérprete de Charlie Wheeler, foi a primeira atriz negra a ganhar destaque na comédia que marcou época. Ela estreou só no 20º episódio da nona temporada e atuou em apenas oito capítulos da atração. 

"Existem transformações na sociedade que são colocadas pelo processo de amadurecimento de questões que estavam adormecidas, mas que existiam e que também faziam mal para as pessoas", pontua Maria. "É provável que o que a gente considera mais ou menos adequado hoje, daqui a um tempo, não seja mais."

Opinião do elenco

Jennifer não foi a única atriz a comentar sobre o humor tóxico da sitcom. Lisa Kudrow, intérprete de Phoebe Buffay, opinou sobre o tema em uma entrevista de 2022. Ela afirmou que, no período de gravações, chegou a questionar a falta de diversidade. "Acho que, naquela época, o grande problema que eu estava vendo era: 'Onde está o aprendizado?'."

Em junho do mesmo ano, Marta Kauffman, criadora de Friends, revelou que fez uma doação de US$ 4 milhões para o incentivo de estudos da cultura africana e afroamericana da Universidade de Brandeis, como tentativa de retratação. Ela conheceu David Crane, co-criador de Friends, na instituição --ou seja, um local extremamente importante para a existência da série.

"Tenho trabalhado bastante para me tornar uma aliada, alguém que é contra o racismo. E essa foi a maneira que encontrei de participar da discussão sob a perspectiva de uma mulher branca", disse Marta.

David Schwimmer, por outro lado, defendeu a inovação da série. "Eu sinto que muito do problema hoje em tantas áreas é que o contexto é pouco levado em consideração. Você tem que olhar do ponto de vista do que o programa estava tentando fazer na época", disse em uma entrevista de 2020.

Como encarar Friends atualmente?

Especialista em telenovelas e séries de televisão, Maria argumenta que as sitcoms devem servir como objeto de estudo do período em que foram transmitidas. Ao se posicionar contra um possível boicote, ela defende que a análise de tais produtos pode contribuir para o desenvolvimento de debates sociais.

"Quando você coloca um problema e as pessoas discutem, você tem um crescimento das pessoas falando a respeito. Novas ideias e discussões surgem. Se você começa a esconder tudo que fala a respeito, você não permite que surja a discussão", aponta.

"Não dá para a gente apagar toda uma cultura midiática de uma hora para outra. Temos uma cultura para o lado bom e ruim", esclarece.

É importante a gente evitar que novas produções com esses problemas sejam criadas. Mas tirar completamente de circulação um produto é como se você tivesse um apagamento de um tempo e de um espaço. Uma vivência e experiência que tivemos. 

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