FIEL À OBRA
FOTOS: REPRODUÇÃO/HBO
Terry Maitland (Jason Bateman) em cena de The Outsider; protagonista é preso injustamente por assassinato
HENRIQUE HADDEFINIR
Publicado em 14/3/2020 - 5h00
Depois de mais de 60 filmes e 20 séries de TV, a obra de Stephen King ainda rende boas adaptações, que surpreendem público e crítica. Um dos autores de terror e suspense mais bem-sucedidos e populares do mundo está de volta à TV com The Outsider, atração da HBO que mostra que o escritor ainda tem muitas boas histórias para contar.
É bem verdade que uma das características do autor é o encerramento controverso de suas tramas, algo que virou piada na adaptação de It - A Coisa (2017), com o próprio Stephen King fazendo escárnio de sua dificuldade de criar bons finais. As adaptações de suas obras, então, passaram a ser uma questão de o quanto os roteiristas são ou não capazes de arrumar os devaneios do fim dos livros.
The Outsider não foge à regra. A história do livro, rápida e sucinta (a despeito de suas 420 páginas), tem um final controverso, típico de King. É necessário ver como isso vai se estender ao planejamento dessa minissérie: com 10 episódios para preencher, qual seria a maneira segura de expandir o universo do livro?
É uma preocupação justa, já que o trabalho feito em Under the Dome (2013-2015) foi péssimo por ter ido longe demais na inserção de elementos que não faziam parte do original. Uma história que se desenvolvia em uma semana precisou virar uma série de várias temporadas. Isso destruiu tudo de bom que a produção poderia ter.
The Outsider, ainda bem, conseguiu driblar o tempo ao somar doses de melancolia à sua narrativa. Na trama, o assassinato brutal de uma criança leva à prisão do técnico infantil de baseball Terry Maitland (Jason Bateman). Isso destrói a vida dele, que insiste que não poderia ter cometido o crime já que estava fora da cidade.
O detetive Ralph Anderson (Ben Mendelsohn) tem certeza da culpa de Terry, pois há evidências como impressões digitais, DNA e muitas testemunhas. Porém, quando a defesa do acusado consegue provar o seu álibi, surge a dúvida na mente dos personagens: como uma pessoa poderia estar em dois lugares ao mesmo tempo?
O trabalho da adaptação do showrunner Richard Price é apurado. Jason Bateman (astro de Ozark) aparece em cena como Terry, mas também é um dos diretores e produtor-executivo da série. Ambos desenvolveram um planejamento que coloca o livro quase inteiro entre o primeiro e o quinto episódios da temporada. Os dois primeiros episódios, inclusive, são extremamente fiéis ao original e impressionam.
Ralph (Ben Mendelsohn) e Holly (Cynthia Erivo) são peças importantes em The Outsider
A entrada de Holly Gibney (Cynthia Erivo, recentemente indicada ao Oscar) na história começa a expansão do universo do livro. Enquanto na versão literária ela só aparece no último terço da história, na série a personagem é a ferramenta para dar aos episódios a ação necessária para preencher toda a temporada.
Em teoria, a ideia pode parecer um oportunismo narrativo, mas Andrew Bernstein, que dirige a maioria dos episódios, consegue manter uma unidade visual e um ritmo que deixa a temporada coesa. A perseguição de Jack Hoskins (Marc Menchaca) aos personagens que investigam o fenômeno também ganha mais tempo de tela.
Esse é outro ponto intocado da adaptação. A lenda do El Cuco, o ser do folclore mexicano que comia crianças e podia se transformar em qualquer pessoa, é a base do livro e se imprime na série de maneira muito exata. Até o Brasil é citado, com nossa variação, chamada apenas de Cuca.
Com mais tempo de desenvolvimento, os roteiros acertam ao preferirem trabalhar as dúvidas dos envolvidos do que irem fundo demais na exploração dessa mitologia. É melhor não cavucar demais no que já é inacreditável por conta própria.
Quando a temporada chega no seu ápice, a adaptação se alinha novamente com o livro. A narrativa respeita as mortes do original, mas demonstra esperteza ao mudar um pouco a maneira como Stephen King promove o embate entre Holly, Ralph e a criatura. No livro, King mantém os dois pés no horror e teatraliza esse embate com direito a derretimento e até minhocas. A série toma decisões mais sóbrias.
Mesmo que faça mudanças pequenas como o nome de algum personagem ou até mesmo da cidade em que se passa a história, nada em The Outsider sai da curva planejada por Stephen King de modo muito drástico. A ideia central, de que monstros se escondem entre nós como se fossem moldados para nos substituir, permanece rondando a narrativa, exatamente como tem de ser.
É com essa ideia assustadora de que todo e qualquer rosto pode ser uma réplica hedionda de nós mesmos que The Outsider se despede com um saldo muito positivo. Boa direção, bons atores e uma adaptação esperta e respeitosa fazem da minissérie outro acerto dentro da enorme lista de transposições da obra de King. Foi preciso tirar as minhocas do final, mas tudo bem. Isso até Stephen entenderia...
The Outsider acaba de ser exibida na HBO e está disponível no catálogo da HBO Go. Apesar de ela ter sido desenvolvida como minissérie, Richard Price já faz planos para uma eventual segunda temporada no canal premium.
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