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Claes Bang vive o protagonista Conde Drácula; escalação do elenco foi um dos acertos dos criadores
HENRIQUE HADDEFINIR
Publicado em 17/1/2020 - 4h59
Ao contrário do que muitos pensam, Bram Stoker (1847-1912), autor do clássico Drácula, de 1897, não inventou os vampiros. A lenda do bebedor de sangue correu a Europa bem antes disso, tornando-se a inspiração derradeira para o romancista, que virou a maior referência no que diz respeito à mitologia dessas criaturas.
Quando surgiu na década de 70, Anne Rice tornou-se o segundo nome mais forte a falar desses seres, quando devolveu a eles a humanidade que os atormentava. De lá para cá, os vampiros viraram um filão em séries, filmes e livros, até que a BBC e a Netflix resolveram voltar ao começo e trazer de volta o clássico de horror.
Mark Gatiss e Steven Moffat foram chamados para essa tarefa, depois de terem alcançado certo respeito da crítica especializada com a adaptação do clássico Sherlock (2010). Moffat também é conhecido por seu trabalho à frente de Doctor Who (2005). É nessa referência que começam as controvérsias da série Drácula.
A proposta era revirar o original, aproveitando grande parte da premissa. Mas também ousar na inserção de novos ângulos, sem nunca esquecer do que sustenta o personagem. Claes Bang foi escalado como protagonista, naquela que pode ter sido a melhor decisão que a dupla de criadores tomou. O ator é o grande trunfo da série, que infelizmente acaba se atropelando nas próprias liberdades.
Os três episódios são pontuais. O primeiro é, de longe, o melhor de todos. Não por coincidência, também é aquele que mais captura a essência do material original, mostrando como o advogado Jonathan Harker (John Heffernan) acaba como prisioneiro do Conde Drácula, que o havia chamado para simples serviços legais.
O melhor desse primeiro momento é acompanhar junto ao atrevido convento comandado pela freira Agatha (Dolly Wells) quais são as regras e limites que regem a criatura. Embora o horror (na sua forma visualmente agressiva) esteja presente nas cenas, o texto é elegante, o que resulta em sequências incríveis, como na que Drácula pede a Jonathan para descrever o pôr-do-sol, e como na cena em que Agatha desafia o Conde a entrar no convento, mesmo sem ser convidado.
Esses momentos nos levam a acreditar numa produção com um potencial ilimitado. São tão intensas e bem escritas que chegam a impressionar, tornando a missão do segundo episódio quase impossível. De fato, há uma queda de qualidade na segunda parte, que coloca o personagem numa longa viagem de navio, cruzando os mares, enquanto atormenta os tripulantes.
Menos empolgante que o anterior, o episódio ainda resguarda a sedução de Drácula e aumenta um pouco do apelo ao choque, provocado por mais reviravoltas, que se tornam o vício dos roteiros. Isso provoca um constante esvaziamento daquela elegância inicial. Em dado momento, virar o jogo fica mais importante do que preservar a história.
As coisas ficam ainda mais controversas no episódio final. Há uma coragem inegável em revestir o personagem de tamanha transformação. Mas, na mesma proporção, o que começa como uma surpresa cheia de promissores desdobramentos, acaba sendo a desgraça da identidade da produção. O público, de súbito, está vendo outra coisa e os criadores cometem o desatino de desmentir a mitologia original.
A heresia confirma o cansaço do tema. Stephenie Meyer, autora do best-seller Crepúsculo (2005), transformou os vampiros em seres sem presas. Jonathan Rhys Meyers viveu um Drácula que andava à luz do dia na série de 2013, e no recente Apocalipse V, eles são monstros dentuços com uma imensa careta. Falar de vampiros como eles nasceram tornou-se uma raridade. A Netflix não fugiu à regra.
É curioso como todos os elementos do episódio final, colocados separadamente, soam como sagazes. Mas de algum jeito, a junção deles distorce o resultado, deforma a proposta inicial e nada mais parece sombrio ou coeso. O passado de Drácula, mesmo saindo de dentro de um cachorro, soa mais crível que a organização que domina as ações desse desfecho.
Contudo, dos elementos que se mantiveram intactos nos três episódios, o maior deles é o horror. Em cada um dos capítulos, ele agiu intensamente na narrativa, se coroando com a imagem horripilante de Lucy Westenra (Lydia West) como a noiva mais grotesca que Drácula já imaginou ter. Monstruosidade da melhor espécie.
Ao final, a sensação é de que não valeu a pena seguir. O ótimo primeiro episódio é engolido por uma sucessão de equívocos, e o sofrimento de acompanhar o último cobre toda a série com uma névoa, que ao contrário daquela em volta do castelo do Conde, não é nada intrigante ou instigadora. É uma névoa para esconder falhas, como se o público não fosse capaz de enxergar à noite.
A minissérie Drácula está disponível na Netflix.
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