Crítica
Fotos: Divulgação/Showtime
O ator Kyle MacLachlan, como Evil Cooper, a réplica do mal de Dale Cooper em Twin Peaks
DANIEL CASTRO
Publicado em 23/5/2017 - 6h26
[Atenção: este texto contém spoilers]
Uma das séries mais relevantes da história da TV, Twin Peaks retornou no último domingo após um hiato de 26 anos. Exibida em um canal pago, o Showtime, e não mais em uma rede aberta (a ABC), a nova Twin Peaks é ainda mais louca do que a original, as duas temporadas de 1990 e 1991. Mantém os personagens estranhos, confunde o telespectador sobre o que é "real" e o que é sonho/pesadelo e apresenta elementos típicos de Arquivo X (1993-2002), série que influenciou.
Se você assistiu ou não a Twin Peaks dos anos 1990, isso não fará muita diferença. Os dois primeiros episódios da terceira temporada não fazem o menor esforço de conquistar o telespectador com reviravoltas e ganchos. Não há sequer clareza sobre uma história a seguir pelos próximos episódios. Não há, pelo menos por enquanto, um "Quem matou Laura Palmer?".
É preciso estar disposto a curtir a "brisa" do cineasta David Lynch e do roteirista Mark Frost e embarcar em Twin Peaks. Lynch retoma sua obsessão pela temática dos sonhos, que permeia toda a sua obra, mais notadamente nos filmes Uma História Real (1999), Cidade dos Sonhos (2001) e Impérios dos Sonhos (2006).
Na Twin Peaks dos anos 1990, o sonho já era um elemento central, como uma manifestação do inconsciente. Esquisitão, o agente especial do FBI Dale Cooper (Kyle MacLachan) elucidou o misterioso assassinato de Laura Palmer através de sonhos e visões de gigantes e anões.
Cooper está na nova temporada (ainda mais esquisitão), assim como a maioria dos personagens dos anos 1990. Ele surge preso no Quarto de Vermelho, o aveludado espaço cenográfico dos sonhos e pesadelos. Lá, recebe a visita de Laura Palmer (Sheryl Lee), 26 anos mais "velha", e interage com uma árvore que tem cérebro e fala.
Mais de duas décadas depois, Kyle MacLachlan se encontra com Sheryl Lee, a Laura Palmer
Cooper também vem com outra personalidade, a de assassino frio, meio bruxo, meio índio, meio doido, cabelo comprido, rosto bronzeado, jaqueta de couro preta. Seria uma réplica, um dopplegänger do verdadeiro Cooper?
Um diálogo complica ainda mais a vida do telespectador: Margaret (Catherine E. Coulson), a velha conhecida Mulher do Tronco, envia uma mensagem ao xerife Hawk (Michael Horse) sobre o paradeiro de Cooper, desaparecido há 24 anos.
Sim, o Cooper defensor da lei está sumido, preso no Quarto Vermelho/Cabine Negra, desde o final da segunda temporada. O Cooper do mal, o Evil Cooper, está livre.
A nova Twin Peaks sai de Twin Peaks, a fictícia cidade do noroeste dos Estados Unidos onde nada é o que parece ser. Uma sequência se passa em Nova York. Lá, algum milionário excêntrico mantém no topo de um arranha-céu uma caixa de vidro que parece ser um observatório ou uma arapuca de extraterrestres _uma coisa totalmente Arquivo X.
Outro ambiente é Buckhorn, em Dakota do Sul, onde ocorre um crime macabro: a cabeça de uma mulher é encontrada com o corpo de outra pessoa, e o principal suspeito jura nunca ter estado no local do crime _apenas sonhado. O que Cooper tem a ver com isso? Tudo.
Convém não desistir de Twin Peaks após os dois primeiros episódios (se você chegar até o fim deles). Sem a pressão comercial da TV aberta, David Lynch está quase tão pirado quanto nos seus filmes mais experimentais. Será Twin Peaks uma série dentro de uma série? Um sonho/pesadelo dentro de outro sonho/pesadelo? O que é de fato e o que apenas parece ser? Há mais 16 episódios para se encontrar as respostas (ou não).
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