Crítica | Último capítulo
Reprodução/TV Globo
Os atores Antonio Fagundes e Mateus Solano em cena final de Amor à Vida, novela da Globo
RAPHAEL SCIRE
Publicado em 31/1/2014 - 21h58
Atualizado em 31/1/2014 - 23h28
Se um dia pedirem para resumir a trama central de Celebridade (2003) em uma linha, você diria que a história gira em torno da inveja e cobiça de Laura (Claudia Abreu) por tudo o que Maria Clara (Malu Mader) conquistou. Já a de Avenida Brasil (2012) é sobre a vingança de Nina (Débora Falabella) contra Carminha (Adriana Esteves). E até Salve Jorge (2012) tinha uma espinha dorsal bem definida: a da mocinha Morena (Nanda Costa) que tentava fugir das articulações da gangue de Livia Marini (Claudia Raia).
Agora, e Amor à Vida, qual foi sua trama principal? Seria a inveja que Félix (Mateus Solano) sentia pela irmã Paloma (Paolla Oliveira) e a sua vontade de conquistar o patrimônio familiar? Ou seria a história de Cesar (Antonio Fagundes), um pai homofóbico e de caráter dúbio que se deixou envolver pela ardilosa Aline (Vanessa Giácomo)? É difícil encontrar a trama central da primeira novela de Walcyr Carrasco para a faixa das 21 horas. No afã de abordar diversos temas, o autor espalhou histórias aos quatro ventos, desconfigurou características marcantes de seus principais personagens e o máximo que fez foi provocar risada do telespectador por causa de um texto infantil e inapropriado para o horário.
A novela ficará lembrada, sim, por cenas impactantes, como os inúmeros barracos à beira da mesa de jantar da família Khoury, as revelações sobre a homossexualidade de Félix, a descoberta por Paloma de que o irmão jogou sua filha numa caçamba de lixo, o parto da protagonista logo no primeiro capítulo e o beijo gay no último. Ainda que todos esses exemplos, à exceção do beijo, tenham aproximado a novela de um verdadeiro dramalhão mexicano.
E drama não faltou. Aproveitando que o cenário principal era um hospital, Carrasco quis abordar diversos temas: AIDS, alcoolismo, lúpus, obesidade, câncer. A nenhum deles, entretanto, deu profundidade. Foi raso. E esses não foram os únicos erros.
Félix, um dos melhores personagens da novela e da teledramaturgia brasileira como um todo, começou a história como vilão cruel e acabou bonzinho. O talento de Mateus Solano, porém, ganhou o reconhecimento do público e os melhores diálogos de Amor à vida, ainda que a maledicência do personagem beirasse a infantilidade. Em contrapartida, Cesar, que teve um inspirado Antonio Fagundes como defensor, e Aline foram ganhando camadas de personalidade, ao passo que Félix, ao tornar-se bonzinho na reta final da história, perdeu sua melhor qualidade: a vilania.
De resto, todas as outras histórias da novela e seus respectivos personagens soaram vazios. Até Valdirene não tinha densidade. O sucesso que teve foi graças à intérprete. Tatá Werneck saiu-se bem em um terreno que domina com comodidade, o do humor, e contou com a ajuda de Elizabeth Savalla (Márcia), que soube ir do riso ao drama como poucos outros do elenco. A entrada da personagem no Big Brother Brasil 14 foi um dos pontos altos, mas mais uma vez sobressaiu-se a habilidade da atriz com o improviso.
Amor à vida desperdiçou, ainda, o talento de grandes atores. Rosamaria Murtinho, Nathalia Thimberg, Eliane Giardini e José Wilker, por exemplo, ficaram de escanteio em uma trama na qual Félix reinou absoluto.
Uma das maiores recorrências na história foi colocar personagem falando sozinho, o que, reza os manuais de roteiro, é um recurso dos mais primários usados por roteiristas: para não ter de escrever, apenas coloca o personagem dialogando com a própria sombra.
Quanto às tramas paralelas, muitas delas giraram em círculos e não avançaram. É o caso de Perséfone (Fabiana Karla) e Daniel (Rodrigo Andrade), e do entedioso quarteto Michel (Caio Castro), Patricia (Maria Cassadeval), Silvia (Carol Castro) e Guto (Marcio Garcia). E o que dizer de Nicole (Marina Ruy Barbosa)? Virou piada pronta na internet. Pudera: em uma trama realista, inserir uma garota fantasma não tinha o menor cabimento.
Mas não se pode dizer que todas as tramas foram desprezíveis. Eron (Marcello Antony), Niko (Thiago Fragoso) e Amarylis (Danielle Winits) foram ganhando importância ao discutirem a questão da barriga solidária e a formação de uma família homoafetiva. Nesse quesito, Amor à vida tem o mérito de ter ido além de outras novelas e, não à toa, Niko foi alçado à condição de “heroína”, tendo o final feliz ao lado de Felix, o regenerado. O beijo gay, em um final lindo _um dos mais bonitos da teledramaturgia brasileira_, foi, sem dúvida, o maior avanço da história, que ficará marcada por tal fato.
O autismo, ainda que tenha sido tratado de forma lírica, teve com Linda (Bruna Linzmeyer) um destaque importante. A atriz fez um excelente trabalho de construção de personagem. Pena que o texto não tenha ajudado a ir além de cenas idílicas. Os evangélicos também receberam um tratamento nada estereotipado, fugindo daquela visão de que são todos fanáticos.
Já a direção caprichada de Mauro Mendonça Filho procurou fugir do padrão “enquadradinho” das novelas, imprimiu um ritmo clipado a diversas cenas, escolheu uma fotografia bonita para as imagens de São Paulo que serviam de cenário, mas uma boa embalagem não sustenta um presente frágil. E Amor à vida foi isso: uma novela frágil. Que venha Manoel Carlos, mas que venha melhor do que em Viver a Vida, sua última novela, porque senão o telespectador é bem capaz de dormir na frente da televisão.
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