Análise | Teledramaturgia
Reprodução/TV Globo
O ator Antonio Fagundes em Velho Chico; loucura de Afrânio o leva ao desespero
RAPHAEL SCIRE
Publicado em 29/9/2016 - 6h13
À beira da loucura, Afrânio (Antonio Fagundes) se atira no rio São Francisco em busca do filho Martin (Lee Taylor). Desesperado, começa a ter alucinações. Despido da polêmica peruca que o acompanhou durante quase toda Velho Chico, em uma sequência claramente quixotesca, o coronel trava uma batalha com o personagem de si mesmo, o Saruê, e termina lutando contra um gerador eólico, tal qual o moinho de vento de Dom Quixote no clássico de Miguel de Cervantes.
Marcada pela atuação irretocável de Fagundes, a cena exibida na terça-feira (27) diz muito sobre Velho Chico. De uma beleza única, talvez uma das coisas mais lindas já vistas na televisão, a sequência carregou, do começo ao fim, a melancolia típica da novela ao retratar o desespero do pai que tenta a todo custo o perdão do filho já morto.
Embora conte com uma direção visualmente incrível, Velho Chico marcou em sua trajetória um misto de tristeza, aridez e uma fatalidade que embaralhou a ficção e a realidade. Todo o encantamento da narrativa que existia na primeira fase da história foi aos poucos desfeito na transição para sua segunda parte. A melancolia ganhou espaço na reta final.
O amor proibido de Santo (Renato Góes/Domingos Montagner) e Maria Tereza (Julia Dalavia/Camila Pitanga) cedeu lugar à tristeza dos personagens separados por Afrânio (Rodrigo Santoro/Fagundes). A aridez da temática política e da questão ambiental, com o rio São Francisco cada vez mais seco e servindo também de personagem, contribuiu para a sensação de baixo astral da história de Benedito Ruy Barbosa.
Tal clima se deu, muito em partes, por conta da composição de seus personagens em meio a uma história épica no sertão. O rancor de Encarnação (Selma Egrei), a busca de Martin para reencontrar seus antepassados, o enclaustro de Iolanda (Christiane Torloni) em uma família marcada pela separação e pela distância de seus pares e as visões sobrenaturais de Ceci (Luci Pereira) são exemplos do quanto a novela pendeu para o sombrio.
Para piorar, não havia uma respiro cômico à história, concentrada na trama central de Santo e Tereza, encoberta pela disputa de poder e politicagens nos rincões nordestinos.
reprodução/tv globo
Domingos Montagner em cena na qual Santo foi encontrado após desaparecer no rio
Ironicamente, o rio que Velho Chico defende também foi o responsável por tirar de cena o ator que dava vida ao personagem mais pra cima da novela. Santo não teve uma vida fácil, viu o pai morrer para defender o amor do filho por Tereza, enfrentou as artimanhas do poder do coronel Saruê, mas conservava uma alegria quase que única na história central.
A tragédia da morte de Domingos Montagner deixou o que era para ser só ficção real demais. O drama da perda do ator misturou-se à narrativa e fez pesar sobre ela um dos momentos mais tristes da televisão brasileira. Velho Chico perdeu o encanto, e a partida repentina do protagonista abalou público e equipe.
Sem ele, a solução para dar continuidade às cenas que Montagner não chegou a gravar foi o uso de uma câmera subjetiva, com a qual o público pôde acompanhar a história sob a perspectiva de Santo, com falas retiradas de outros momentos da novela.
Foi uma maneira criativa e poética de homenageá-lo, mas também muito angustiante. O olhar de Camila Pitanga para a câmera, sem dúvida, foi o mais tocante: emocionante e verdadeiro, mas de uma tristeza singular.
Para compensar o peso da narrativa, a direção de Luiz Fernando Carvalho trouxe um colorido atemporal e atípico para a agrura do Nordeste retratado. Sofreu críticas pesadas ao figurino, mas é inegável a sensibilidade visual e artística do diretor. Sem isso, a novela poderia ser ainda mais sombria. A escolha da trilha sonora, uma das melhores dos últimos tempos, também contribuiu para elevar um pouco o clima do folhetim.
Fora isso, o elenco fez por merecer elogios. Selma Egrei esteve magnânima nas duas fases. Antonio Fagundes ganhou força no final e Christiane Torloni, apesar de subaproveitada durante boa parte da história, encontrou a composição correta para Iolanda, em uma atuação sensível e inédita para sua carreira na televisão.
Velho Chico escondeu um brilho dentro de uma história triste, na ficção e, principalmente, na vida real.
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