Análise | Teledramaturgia
Estevam Avellar/TV Globo
O diretor José Villamarim orienta Marina Ruy Barbosa em gravação de Justiça
RAPHAEL SCIRE
Publicado em 27/8/2016 - 7h59
O modelo de multitramas não chega a ser uma novidade audiovisual, mas ao menos na teledramaturgia brasileira é uma forma de narrativa ainda pouco explorada. Se o formato de Justiça, a estreia da Globo desta semana, chama a atenção pelo oxigênio novo, por outro lado ele também representaria um risco, o de confundir o público ao deixar em segundo plano personagens que em dias anteriores ganharam protagonismo.
Mas o resultado apresentado deixou tal risco de lado e marca um avanço na maneira de se contar histórias na televisão. O roteiro bem trabalhado não deu espaço a confusões, e a minissérie chega com o gás necessário para dar um chacoalhão, tanto no público quanto no elenco. Figuras carimbadas das novelas, nomes como Adriana Esteves (Fátima) e Debora Bloch (Elisa), em partes pelo maior tempo de preparo, entregaram-se aos personagens e se destacam em cena.
Chama a atenção na construção da série, ainda, a boa carpintaria dos personagens, que se reflete imediatamente no desdobramento dos episódios. Em Justiça, não há protagonistas nem tampouco coadjuvantes. Os personagens têm na minissérie o mesmo peso dramático e cabe ao público eleger aqueles que despertam maior identificação. Há uma ruptura com o gênero telenovela ao abrir mão de ganchos para o dia seguinte. As histórias entrecruzadas _a única semelhança com as novelas até então_ vão se costurando pouco a pouco, sem pressa, o que permite uma maior profundidade nas personas retratadas.
Justiça não seguiu a ordem cronológica dos acontecimentos e nem por isso causou problemas. As cenas são pontuadas nos diálogos e não perdem ritmo. O assassinato de Isabela (Marina Ruy Barbosa) foi daquelas sequências de tirar o fôlego: a história apresentou o comportamento irascível de seu noivo, Vicente (Jesuíta Barbosa), a menina pouco a pouco sufocada pelo ciúme excessivo, a traição e o ápice, com ele disparando contra o boxe do banheiro e com o surgimento de Elisa desesperada na tentativa de salvar a filha.
Além disso, ver a mesma sequência por diferentes perspectivas, como o atropelamento de Beatriz (Marjorie Estiano), é mais um exemplo do dinamismo e da multiplicidade da série. O questionamento constante do que é "justiça" livra os personagens de maniqueísmos e faz aprofundar o caráter singular de cada um deles.
Os diálogos são ponto alto: neles não há aquela limpeza característica da televisão: são reais, marcados, por exemplo, pela exaltação dos personagens. Além disso, não é preciso ser explicadinho para ser cativante. Somada a eles, a ousadia: o que Liberdade, Liberdade, titular anterior do horário, economizou em cenas de sexo, Justiça não poupou, nem tampouco perdeu tempo: em todos os episódios há sensualidade, marcada pela delicadeza da direção.
O texto de Manuela Dias segue muito mais solto do que em Ligações Perigosas, sua estreia solo exibida em janeiro, e a autora consagra-se como a maior revelação do ano na tela da Globo.
A trilha sonora pontuada com um quê dramático e a ambientação em Recife são dois atrativos a mais à história. Fugir do eixo Rio-São Paulo é sempre um respiro necessário para retratar um Brasil de amplitudes. A passos pequenos, é verdade, a Globo vem abrindo espaço para que suas histórias ocorram em outros pontos do país.
Justiça versa muito mais sobre o que é ser justo do que o nome da minissérie pode dar a entender. Vai muito além de leis: é sobre o comportamento humano quando exposto às mais diversas situações, em geral extremas. Interessantíssima.
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