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Domingo Espetacular

Ao 'prender' médico, Record revela promiscuidade no jornalismo

Reprodução/TV Record

O ex-médico Roger Abdelmassih é 'fichado' após ser preso no Paraguai com a colaboração da Record - Reprodução/TV Record

O ex-médico Roger Abdelmassih é 'fichado' após ser preso no Paraguai com a colaboração da Record

DANIEL CASTRO

Publicado em 26/8/2014 - 8h02

A Record dedicou 48 minutos do último Domingo Espetacular para se vender como responsável pela prisão do "médico mostro" Roger Abdelmassih, na semana passada, em Assunção, capital do Paraguai. O que era para ser uma grande reportagem, o furo do ano, se revelou uma propaganda equivocada. Só faltou a Record dizer com todas as letras que foi ela que prendeu "o homem mais procurado do país", como se fosse papel do jornalismo investigativo montar cerco a cidadãos, mesmo que condenados pela Justiça.

A reportagem do Domingo Espetacular também escancarou a promiscuidade que baseia muitas das relações entre repórteres e suas fontes de informação, algo que não é exclusivo do jornalismo policial muito menos da Record.

É inegável que o produtor Leandro Sant'Ana fez um grande trabalho e que a Record prestou um serviço ao país. Mas não cabe aos jornalistas e aos radiodifusores substituir o poder público, fazer o trabalho da polícia. Jornalistas devem, sim, investigar o paradeiro de foragidos. Porém é no mínimo discutível se devem fazer dessa investigação uma ação conjunta com a polícia, culminando com o "espetáculo" da prisão.

A reportagem da Record passou a ideia que Roger Abdelmassih, condenado pelo estupro de dezenas de pacientes, só foi preso graças ao trabalho de Sant'Ana, que investigou o paradeiro do médico nos últimos três anos. A Polícia Federal, o Ministério Público e investigação particular da associação de vítimas de Abdelmassih ajudaram, mas a Record foi decisiva, segundo a própria Record.

De acordo com o Domingo Espetacular, foi uma pista colhida pela Record com um padre que revelou que Abdelmassih usava o nome de Ricardo Galeano e vivia em Assunção com a mulher, Larissa, e dois filhos gêmeos. O mesmo padre fez o produtor da Record chegar até a casa de Maria Pidal, uma amiga de orações do falso Galeano.

Sant'Ana foi até a casa de Pidal, mas não a abordou na primeira visita. No mesmo dia, sem mostrar como chegou a essa informação, gravou "as primeiras imagens da casa suspeita de abrigar o fugitivo número um do Brasil". "Hora de voltar ao Brasil e planejar os próximos passos", anunciou o narrador, como se a Record participasse de uma operação conjunta com a PF e o Ministério Público de São Paulo.

E participava. Diz a própria Record no longo videotape: "Decidimos voltar a Assunção. Na mesma data, o setor de inteligência da Polícia Federal, destaca um delegado que acompanhava a investigação para também viajar ao Paraguai". Record e o delegado, Marcos Paulo Pimentel, chegaram a Assunção no mesmo dia.

Enquanto o delegado Pimentel articulava o cerco Abdelmassih com a polícia paraguaia, a Record buscava flagrá-lo nas ruas. No dia do terceiro aniversário dos filhos do médico, a Record segue Maria Pidal e "confirma o paradeiro" do fugitivo, a suntuosa casa que já tinha sido registrada dias antes.

No manhã seguinte, a Record segue Larissa Maria Sacco, a mulher de Abdelmassih, até a escola dos filhos. O produtor da Record telefona para o delegado da PF: "Doutor, acabaram de chegar aqui dois bolos, um carro cheio de coisa... e a Larissa".

No dia 15 de agosto, a Record faz imagens de Abdelmassih "andando tranquilamente" em Assunção. "As imagens foram cedidas pelo produtor Leandro Sant'Ana às autoridades paraguaias como colaboração às investigações oficiais", informou o narrador.

Como recompensa, Sant'Ana ganhou uma carona no aviãozinho da Força Aérea do Paraguai que transportou Abdelmassih para Ciudad del Este, na fronteira com Foz do Iguaçu. A carona e o diálogo a seguir, gravado dentro do avião e exibido pelo Domingo Espetacular, são reveladores de uma comprometedora relação entre imprensa e fonte de informação:

Adelmassih: "Você também é da Polícia Federal?"

Sant'Ana: "Não."

Abdelmassih: "Você é o quê?"

Sant'Ana: "Jornalista."

Abdelmassih: "De onde você é?"

Sant'Ana: "Da Record."

Abdelmassih: "Ah, então... Como você chama?"

Sant'Ana: "Leandro."

Abdelmassih: "Então você que é o Leandro? Ah... Você que descobriu tudo."

Sant'Ana: "Eu investiguei, né, mas quem descobriu foram eles".

Nesse ponto, Sant'Ana foi verdadeiro. Sem a Polícia Federal e o Ministério Público, Abdelmassih não teria sido preso. É difícil acreditar que a PF e o MP, com todos os instrumentos que possuem, não conseguissem localizar no Paraguai um foragido da Justiça, que dependessem do talento de um repórter para fazê-lo. Com as câmeras e holofotes de uma rede de TV que se notabiliza pela ampla cobertura policial, tudo fica mais fácil, é claro.


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