Reflexo da realidade?
Raquel Cunha/TV Globo
Lívia (Grazi Massafera) fuma em cena; novela das nove da Globo também mostra bebedeiras
MÁRCIA PEREIRA e LUCIANO GUARALDO
Publicado em 7/1/2018 - 5h34
Banidos das novelas nos últimos anos, palavrões, cigarros e abusos de bebidas alcoólicas estão de volta. É cada vez mais comum ver personagens dando maus exemplos em cena. O Outro Lado do Paraíso traz tudo isso ao horário nobre, mas não está sozinha. Para especialistas, esse é um desserviço da teledramaturgia, apesar de refletir o mundo real.
A crítica dos estudiosos também gera debate entre os telespectadores. Nas redes sociais, muitos acham exageradas a quantidade de citações de palavras de baixo calão na novela das nove, principalmente pelo boca-suja Mariano (Juliano Cazarré).
Há quem diga que estava na hora de deixar de hipocrisia, já que os folhetins refletem somente a realidade. Será? Claudino Mayer, doutor em Ciências da Comunicação pela USP (Universidade de São Paulo) e pesquisador de telenovelas, diz que se incomoda com os maus exemplos desde A Força do Querer.
Para ele, o núcleo de Bibi (Juliana Paes), Rubinho (Emílio Dantas) e Sabiá (Jonathan Azevedo) apelava nas ações, mesmo quando elas eram pertinentes à história. "Deixar o cigarro de lado não faria nenhuma diferença. É desnecessário, é um desserviço que os autores prestam para o público", resume.
Ele não acredita que os porres ou baforadas na TV incentivem os espectadores a adotar maus hábitos. "Se até as propagandas desses produtos sofrem restrições, o que os autores querem passar para a sociedade? O público de telenovela quer ver melodrama, sonho, e em sonho não cabe cigarro e bebida", diz.
reprodução/tv Globo
Gael (Sergio Guizé) já tomou várias doses de uísque; violência é associada ao álcool na trama
Em O Outro Lado do Paraíso, Gael (Sergio Guizé) sempre se descontrola ao beber. No caso dele, a bebedeira está associada à violência. Já Diego (Arthur Aguiar) vive de ressaca, e Lívia (Grazi Massafera) é uma das fumantes em cena.
Bebidas e cigarros não estão restritos às novelas das nove. Em Pega Pega, Malagueta (Marcelo Serrado) foi um dos personagens que encheu a cara. No ano passado, Jamaica (Gabriel Reif) deu mau exemplo em Totalmente Demais ao dirigir após beber. Mesmo com a cena criticada, sequências de personagens ao volante depois de ingerir bebidas alcoólicas volta e meia estão presentes nos folhetins.
Veneza Ronsini, doutora em Sociologia pela USP, professora titular da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria), pesquisa a influência das telenovelas no comportamento da sociedade. Ela diz que é uma estratégia vincular ações inadequadas aos personagens não éticos. "Só vilões fumam", exemplifica.
"Mas o fumo é uma preocupação dos governos e de todos nós. Os autores propõem, intencionalmente ou não, que o uso do cigarro reforce certos núcleos dramáticos subjetivamente ao eixo do mal", analisa Veneza. Para ela, isso gera desigualdade porque isso não é um reflexo da realidade.
reprodução/TV Globo
Mariano (Juliano Cazarré) solta palavrões aos montes e adora falar da 'bunda' da amante
A estudiosa diz que as novelas vão na contramão das campanhas mundiais de saúde e da preocupação de gastos públicos com doenças geradas pelo consumo de cigarro, bebidas alcóolicas e drogas. "Não uso critério de julgamento moral para dizer se é produtivo ou não mostrar isso. Mas é uma coisa contraditória e perigosa."
Ambos os especialistas apontam que existe uma retomada na forma de se contar histórias nas novelas. Os autores voltaram a escrever como nos anos 1970 e isso pode ser a explicação para o flashback dos comportamentos ruins.
"Lá, na década de 1970, era permitido cigarro e bebida. Cabia essas coisas. Não despertava tanto interesse, a sociedade não era tão crítica com relação aos produtos veiculados nas novelas", observa Mayer.
O especialista diz que isso tudo mostrado na TV não é incomum na vida das pessoas, mas são condutas que a sociedade abomina. "Na propaganda das bebidas, advertem que não pode beber e dirigir, mas a gente vê isso nas tramas. Lamentável", diz Mayer.
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