ENTENDA O PROBLEMA
Tânia Rêgo/Agência Brasil
Julio Andrade caracterizado como o protagonista de 1 Contra Todos, série da Fox que recebeu incentivo da Ancine
LUCIANO GUARALDO, no Rio de Janeiro
Publicado em 26/4/2019 - 12h20
Fundada em 2001 com o objetivo de fiscalizar e fomentar a produção audiovisual brasileira, a Ancine (Agência Nacional do Cinema) enfrenta a maior crise da sua história. O TCU (Tribunal de Contas da União) está questionando a prestação de contas do órgão que, por sua vez, mandou suspender o repasse de verbas para a produção de filmes e séries de TV. Assim, a mesma agência que financiou o boom do cinema e da TV paga na última década pode causar o fim de uma indústria em ascensão.
No último dia 18, véspera de feriado, o diretor-presidente da Ancine, Christian de Castro, assinou um despacho que suspendia o repasse de verbas para o mercado audiovisual. Tudo para respeitar um acórdão do TCU que exige que a agência apresente até julho uma nova maneira de fiscalizar as contas de todos os projetos submetidos a ela.
A medida da Ancine foi encarada com pânico. Afinal, a indústria audiovisual gera cerca de 300 mil empregos, e é responsável por 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro --o valor pode parecer baixo quando visto em forma de porcentagem, mas equivale a impressionantes US$ 10,2 bilhões (R$ 40,3 bilhões), segundo dados de 2017. Tudo isso pode ir por água abaixo se a Ancine, de fato, parar.
Em meio a esse cenário caótico, Christian de Castro apareceu na manhã desta sexta (26) no Rio2C, maior evento do mercado audiovisual brasileiro. Inicialmente prevista para quarta (24), a palestra do diretor-presidente foi adiada por causa do despacho da semana passada. Foi o suficiente para gerar comentários de que ele nem daria as caras. "Soube que tinha até um bolão de apostas sobre minha presença", brincou.
O executivo reconheceu que a agência atravessa uma situação difícil, mas negou que seja tão dramática. "Ao contrário do que foi divulgado, a Ancine não parou. Projetos que já tiveram recurso liberado vão continuar. Os que já estavam sendo analisados, vão continuar sendo. Os editais publicados vão continuar valendo."
Castro explicou que seu despacho da quinta passada tinha como objetivo preservar a Ancine e seus servidores, justamente para que os processos não parem. "É um processo transitório, é isso que eu quero que todo mundo entenda", justificou.
No ano passado, o TCU já havia questionado a prestação de contas da Ancine, que apresentou um plano de ação para solucionar os problemas. Mas, antes mesmo de terminar a análise desse primeiro documento, o Tribunal de Contas soltou o segundo acórdão em que recomendava a suspensão imediata de repasses.
O diretor-presidente alegou, então, que o órgão está tentando ganhar tempo para não congelar a indústria de vez. Na próxima semana, o TCU deve julgar um processo que pode encerrar a paralisação da Ancine. Caso isso não ocorra, a Agência Nacional de Cinema entrará com um pedido de recuperação, que fará com que o processo seja transferido para outro relator do tribunal --atualmente, o caso está nas mãos do ministro André Luís de Carvalho.
"Enquanto tudo isso acontece e vai sendo analisado, a nossa operação segue. E isso vai acontecer em um horizonte muito curto de tempo. Ao mesmo tempo, a máquina vai operando por dentro para ir liberando o processo. E, na hora que liberar, publica no Diário Oficial de novo", explicou o diretor-presidente.
Ao mesmo tempo, produtores estão agindo por fora para tentar resolver o problema por conta própria. Eles entraram no processo do TCU como partes interessadas, para mostrarem aos técnicos de fiscalização de contas que a indústria audiovisual não pode ser analisada como a indústria automobilística ou a têxtil, por exemplo.
"A gente já buscou uma aproximação com o TCU para não ficar só na teoria, os técnicos têm que visitar set para entender. É uma quase catequização para eles entenderem a especificade do setor", apontou Mauro Garcia, presidente da Bravi (Brasil Audiovisual Independente).
Tânia Rêgo/Agência Brasil
Christian de Castro, diretor-presidente da Ancine, alegou na sexta (26) que agência não parou
A grande questão é que, mesmo se resolver as pendências com o TCU, a Ancine ainda terá uma batata-quente em suas mãos. A produção audiovisual brasileira cresceu muito nos últimos anos, e os servidores que trabalham na entidade não aumentaram em número suficiente para dar conta da nova demanda de trabalho, principalmente projetos de novos filmes, séries e programas com incentivo fiscal.
Segundo Christian de Castro, há pelo 3 mil projetos em passivo na agência --ou seja, os produtores privados já entregaram suas prestações de contas, mas os servidores públicos não dão conta de processar esses dados para encaminhá-los ao TCU.
Para evitar que isso se torne uma bola de neve, a Ancine está estabelecendo um novo sistema, em que a responsabilidade de preencher formulários e planilhas fica totalmente com os produtores, o que agiliza o trabalho dos servidores.
"Nós não podemos depender de gente, porque o número de servidores vai ser cada vez mais escasso, e o orçamento vai estar cada vez mais apertado", declarou Castro.
A tecnologia vai ajudar com os projetos vindouros, mas os 3 mil passivos seguem dependendo dos funcionários da Ancine. Se a agência não der conta de processar esses números, continuará na mira do TCU --e novas suspensões podem ocorrer.
Christian de Castro alegou que a questão é antiga, e que "esse raio que caiu agora ia cair em algum momento". "O problema de prestação de contas existe desde 2002, quando ainda era responsabilidade do Ministério da Cultura. Depois, de novo em 2006, já com a Ancine, em 2012, em 2015... Era óbvio que ele ia cair", ressaltou.
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