MERCADO
Renato Pizzutto/TV Globo
Paulo Marinho no evento Upfront Globo 2024; presidente da Globo reconheceu exagero no streaming
A Globo reconhece que errou na distribuição de investimentos entre suas unidades nos últimos anos e que perdeu dinheiro. Durante a pandemia, a empresa investiu proporcionalmente mais no Globoplay, sua plataforma de streaming, do que nos canais lineares pagos (GNT, GloboNews, Multishow) e até mesmo na TV Globo. O mea-culpa foi feito na manhã de segunda-feira (12) por Paulo Marinho, presidente da Globo, no PayTV Fórum, evento voltado à indústria de TV por assinatura, o que inclui o streaming.
"A gente acha que errou um pouco a mão no nível de investimentos, talvez investindo demais em volume, e até custo de conteúdo, versus o retorno que a gente estava conseguindo obter de crescimento de base naquele momento", disse, referindo-se a um momento, em 2020, em que a Globo passou a oferecer ela própria, por meio do Globoplay, o conteúdo de seus canais lineares pagos, perdendo receitas junto às antigas operadoras de TV paga.
"[Hoje] Há um reequilíbrio de forças, de investimentos. Principalmente no início da pandemia, tinha ali uma rápida bolha dos streamings, investimentos muito fortes, todo mundo caminhando com as suas ofertas proprietárias, e começou todo mundo a perder dinheiro. [Agora] Teve um reequilíbrio, mais cuidado na alocação dos investimentos, tanto da Globo como na indústria como um todo, e você vê grandes empresas, as majors associadas aos grandes estúdios americanos, fazendo o mesmo movimento", afirmou, contextualizando.
Marinho enfatizou, contudo, que a Globo segue com "investimentos muito sólidos", de mais de R$ 5 bilhões por ano em conteúdo e tecnologia, agora "distribuindo bem os investimentos nas diferentes plataformas".
Ele não se arrepende, no entanto, de ter dado passos grandes rumo à digitalização, com a oferta maior de conteúdo no streaming, ao mesmo tempo em que a Globo passava pela maior transformação de sua história, no processo que chamou de Uma Só Globo. Pelo contrário:
Talvez como indústria a gente tenha demorado um pouquinho a fazer alguns movimentos. A gente tinha um modelo de negócios muito vencedor. Mas agora está todo mundo acelerando, buscando novos modelos, novas composições [com parceiros, como Claro, Sky e Amazon]. Acho que agora a gente acertou a mão e está todo mundo numa trajetória positiva de crescimento.
As receitas com publicidade continuam sendo o principal motor da Globo, mas as assinaturas são relevantes, cerca de 40% de seu faturamento no primeiro trimestre deste ano. Segundo Marinho, o "Globoplay está crescendo com muita consistência", e suas assinaturas já compensam as perdas dos canais lineares nas operadoras de TV paga.
Marinho deu a entender que o Globoplay ainda dá prejuízo --a previsão inicial era de que o streaming entrará no azul até 2026, mas isso deve ocorrer antes devido aos cortes que estão sendo implementados desde o início do ano.
"A gente está chegando nesse momento muito sustentável, mas, quando a gente olha individualmente, alguns produtos, alguns modelos de distribuição, a gente ainda precisa alcançar a rentabilidade. No conjunto da obra, estamos bem posicionados e apontando para um caminho sólido e positivo, e individualmente uma frente ou outra a gente ainda precisa fazer essa virada e gerar rentabilidade", disse, sem citar unidades de negócios.
Segundo Marinho, os canais lineares da Globo "nunca tiveram posicionamento tão forte quando você olha a audiência", o que justifica a retomada de investimentos; afinal, ainda há cerca de 11 milhões de assinantes do antigo modelo de TV por assinatura, via cabo ou satélite. Os canais da Globo, disse ele, hoje detêm mais da metade da audiência nas operadoras, também por causa da redução dos investimentos de concorrentes como a Warner Bros. Discovery, que migraram para o streaming.
A distribuição dos conteúdos da Globo nos chamados superbundles, os empacotamentos em que as operadoras de banda larga também oferecem pacotes lineares e streaming, faz parte desse ajuste realizado nos últimos dois anos, afirmou o CEO da Globo.
"Eu acho que tivemos um ímpeto, assim como todo o setor de comunicação, de mídia, um impulso muito forte, um foco talvez excessivo na questão do streaming, da distribuição direta ao consumidor, no B2C, e não conseguimos capturar resultado nesse sentido. Não estou querendo dizer que isso foi errado, continuamos com investimentos muito pesados, mas nós equilibramos melhor os nossos modelos de distribuição", disse, fazendo outro mea-culpa.
Nos investimentos em tecnologia, a Globo tem dado grande importância ao tratamento de dados, base de concorrentes digitais como Google e Meta e até de plataformas de e-commerce pela publicidade.
"A gente vem se aprimorando e investindo continuamente no conhecimento do público brasileiro. Parte de nossa estratégia está pautada em grandes investimentos em dados, em conhecimento, em pesquisas no Brasil, no consumidor brasileiro. Certamente, a Globo é uma das maiores empresas em termos de conhecimento do púbico brasileiro", falou.
Marinho também anunciou a criação de um grupo para "pensar" conteúdo a longo prazo, visando atingir diferentes gerações e públicos e "buscar continuamente atrair mais jovens". "O Globoplay tem um papel muito importante nesse sentido", afirmou.
O executivo deixou claro que a Globo vai seguir focada no mercado brasileiro e no posicionamento como produtora de conteúdo. Ele reconhece que a empresa não tem "escopo" nem "fôlego necessário" para competir no mercado internacional de streaming, mas está aberta a parceiras com as grandes plataformas para co-produções e distribuição de seu conteúdo. Em outras palavras, não é uma hipótese impossível hoje uma produção da Globo no catálogo da Netflix, por exemplo, se ambas as partes chegarem a um bom termo.
Por fim, o presidente da Globo fez um apelo à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e à Ancine (Agência Nacional do Cinema) para que reforcem "o olhar contra a pirataria". Segundo ele, a indústria do audiovisual perde R$ 10 bilhões por ano com conteúdo distribuído clandestinamente.
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