ANÁLISE
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Logomarca da Globo alterada por Photoshop: emissora perdeu um terço da audiência em duas décadas
A Globo completa 58 anos nesta quarta-feira (26) sem ter o que comemorar. Sua audiência segue ladeira abaixo, com uma perda acumulada de 33% neste século. Dos últimos cinco anos, só não teve prejuízo operacional em 2020. Com as demissões de atores, jornalistas, apresentadores, autores e diretores talentosos, a emissora parece pavimentar o caminho para uma eventual fusão com grupo estrangeiro --ou para o desastre.
Na virada da última década, a Globo mudou sua estratégia, visando se transformar em uma media tech, ou seja, uma empresa que junta entretenimento, jornalismo e tecnologia. Para poder investir em tecnologia e concorrer com as big techs (Netflix, Amazon, Apple), teve que cortar custos, abrindo mão de profissionais que se confundem com a própria imagem, como Galvão Bueno, Cléber Machado, Fausto Silva, Renato Aragão, Vera Fischer e até Juliana Paes, estrela de suas últimas novelas de sucesso no horário nobre.
Gente que conhece a Globo por dentro aponta que o grande erro estratégico ocorreu no final dos anos 1990, quando, no auge de sua megalomania, quis ser tudo: empresa de TV a cabo, de TV via satélite e até de parque temático. Deixou de se concentrar naquilo que ela sempre fez melhor: a produção de conteúdo brasileiro.
A estratégia fracassou estrondosamente. Endividada, a emissora teve de se desfazer das participações acionárias na Net (hoje Claro) e na Sky. Em troca, garantiu a distribuição de seus canais pagos nas duas principais plataformas de TV por assinatura do país, algo que hoje não lhe serve para muita coisa.
Desde que a Globo quis ser tudo, sua audiência só caiu (com exceção de um curto período na metade dos anos 2000). Como se pode ver no gráfico abaixo, a emissora perdeu um de cada três telespectadores que tinha na Grande São Paulo em 2000, fenômeno que se repete na média nacional de audiência:
A Globo ainda tem a melhor e mais prestigiada programação do país, e suas rivais na TV aberta nem fazem cócegas diante de seu faturamento, mas os números acima preocupam. Para continuar viva num mundo cada vez mais digital, a Globo aposta em sua plataforma de streaming, o Globoplay, lançando lá novelas que poderiam estar no horário nobre, como Todas as Flores.
Por mais que o Globoplay venha crescendo (27% no ano passado), suas receitas com assinaturas não são páreo para o faturamento com publicidade na TV aberta. No ano passado, 60% das receitas da Globo vieram de anúncios e 40%, do que a emissora chama de conteúdo, o que inclui todos os canais pagos. O Globoplay, admite a própria Globo, serve para compensar a queda da TV por assinatura. O telespectador é o mesmo.
O Globoplay custa caro e, diferentemente de seus concorrentes globais, não tem escala nem volume. Pode até ter mais qualidade artística do que a Netflix, mas não oferece a mesma diversidade de títulos. E o que produz está praticamente limitado ao mercado brasileiro. Se no final dos anos 1990 a Globo tivesse focado na produção de conteúdo, e não na distribuição (Net e Sky), talvez esse quadro fosse diferente na atualidade.
Depois de demitir centenas de artistas, processo iniciado em 2017, a Globo se vê hoje com dificuldades para escalar elencos de suas novelas. É o que ocorre, por exemplo, com a próxima das sete, Fuzuê. Como não tem mais um grande banco de talentos contratados, a emissora agora tem que disputar atores que ela mesma ajudou a formar com HBO, Amazon e Netflix.
As últimas mudanças da Globo em sua área artística também não foram felizes. Desde que o experiente autor Silvio de Abreu foi dispensado da chefia da teledramaturgia, a emissora não emplacou nenhum grande sucesso e amargou fracassos como Um Lugar ao Sol e Travessia. Nos tempos de Abreu, se uma novela derrapava, ele mesmo reescrevia os capítulos.
Não é à toa que Ricardo Waddington está deixando o comando do Entretenimento (novelas, programas em geral) depois de apenas dois anos no cargo.
Talento deixou de ser o mais importante na Globo, e com isso ela abriu mão de sua vantagem competitiva. Sem bons autores e atores contratados, ela tende a falhar mais. Sem jornalistas consagrados em suas redações, ela perde relevância. Sem afiliadas lucrativas, ela põe em risco sua capilaridade e sua influência política.
Ao ter seus balanços anuais salvos de prejuízos graças às suas aplicações financeiras (e não à sua operação), ao se livrar de ativos que não são o "core" de seu negócio e ao demitir profissionais veteranos e caros, a Globo caminha para ser vendida. Ou para o precipício.
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